Há três meses tive a oportunidade de conversar com os ministrantes, das oficinas da Fundação Cultural de Curitiba, Paulo Sandrini, Otto Winck e Marcelo Bourscheid, no Palacete Wolf, no bate-papo “Escrever em Curitiba”. O encontro também abordou a influência do ambiente no processo de composição, perspectiva de mercado e os caminhos da escrita. Esta matéria reflete sobre o hábito da composição e apesar de estar fria, no jargão jornalístico, serve de guia para quem deseja ser escritor. Agradeço aos escritores e boa leitura.
Autor do livro O estranho hábito de dormir em pé, com seu estilo incisivo e direto, Paulo Sandrini pode assustar, porém tem um olhar crítico e sem floreios. Influenciado pelos estudos de Bakhtin e autores paranaenses como Jamil Snege, ministra as oficinas desde 2007. Vê uma evolução no perfil dos alunos que chegavam as oficinas sem consciência do que se tratava. “Nos últimos quatro anos é um público que já domina a escrita, vem para discutir e produzir literatura, se aprimorar, não só como escritor, mas como leitor da estrutura que contém não só a intenção do texto, mas a linguagem”.
O aluno já vem com uma ideia pré-concebida da proposta e para quem ministra facilita guiar ao encontro deste autor. “As pessoas não vêm aqui para aprender a escrever, mas exercer a crítica ao seu texto no momento da leitura, discutir procedimentos”, argumenta.
As oficinas da FCC buscam através das experiências e compartilhamento de leituras dos textos, aprimorar a estrutura e a linguagem dos alunos. Encontrar a voz do autor, emprestar o corpo, a mente e o olhar, saciar o desejo efêmero de ser lido, ouvido, ou, simplesmente, expressar-se. “Este caráter de discussão é feito com sinceridade, pois o aluno deve entender que não esta aqui para receber aplausos, isto vem para ajudar, para que haja um processo de pensamento coletivo. Pois, quando faz a crítica ao texto do outro há o exercício de reconhecer coisas boas e ruins no seu trabalho, conseguir detectar problemas e soluções, enxergar as qualidades e defeitos”, conclui Sandrini.
Para Marcelo Bourscheid, que transcende a escrita e as palavras, e que vai do teatro a literatura como professor, os participantes são variados bem como os projetos, que vão de roteiros, poemas, poesias, contos e romances. Nos encontros prefere a linha dos contemporâneos que dialogam com o espaço da folha, a letra, quadrinhos, cinema, que vão além do papel, aguçando a percepção. Não há nada definido nem estilo, nem gêneros como conto ou novela, prosa, a prerrogativa da literatura contemporânea é romper com a escrita.
É importante não se prender a formulas, pois, “a intenção é tentar descobrir o que o autor ou candidato pretende e, escutar uma voz que possa ser potencializada, não há um conceito ideal. São trocas de referências, possibilidades, acredito muito nesta coisa de encontrar os seus pares, escrever tem aquela coisa envolta muito pelo sentimento de solidão, portanto é uma forma de não se sentir tão sozinho”, diz Bourscheid.
Em contrapartida Otto Winck, autor de Jaboc, premiado pela Academia de Letra da Bahia, prefere um momento teórico sobre algumas tendências, mostra autores e suas obras, e incentiva-os a produzirem. “Para encontrar a sua voz, estilo, a maneira, deve haver certo estimulo externo para serem levados a escrever. Mas, o desenvolvimento é livre as pessoas leem e comentam, não há juízo e também não me sinto revestido de autoridade para avaliar, a ideia é incentivar a escrita” comenta.
No entanto, deve-se estar preparado para a crítica. Esta liberdade de criação sem amarras demonstra um acolhimento aos participantes, pois de acordo com os ministrantes alguém pode ler o seu texto e, achar sensacional, ou, simplesmente, te destruir. Marcelo faz uma retomada dos anos 90 com blogs, redes sociais, com iniciativas dos coletivos, o escritor não precisa de uma editora para publicar seus textos, para alcançar o leitor. “O mercado editorial parece uma prateleira de supermercado que há variedades, o sonho de muita gente, por outro lado há uma galera com afinidades unindo-se, pois é mais fácil montar uma editora, um site e publicar. Tem uma produção bacana e quando recebe um “não”, acha que é ruim, sem talento e, outros, não estão nem aí para isso”, desdenha com as mãos.
Mas, o escritor deve saber promover-se, entender que apesar de ser solitário na escrita existe o público que vai ler e compartilhar. Como enfatiza Sandrini “esse cara que esta começando a escrever deve-se situar no mercado ou no campo editoral tendo consciência, sabendo onde pode chegar, estou optando para escrever para 100 ou 200.000? Isto muda tudo”. Para Marcelo este isolamento não é benéfico até mesmo por questões de mercado, para participar de eventos literários. Reconhece que esta abertura ao público é necessária, o que sustenta o trabalho. Antes de mais nada há um interlocutor a ser alcançado.
O exercício do bom escritor esta na leitura. Não tem como ser escritor sem ler, é fundamental no sentido amplo ter um dialogo muito profundo consigo mesmo. A escrita para Bourscheid desenvolve-se a partir das experiências, da imaginação, não tem regra, tem que ler de tudo, ter contato com várias obras e saber filtrar com inteligência, ver o que condiz e entender isto como seu, é como um jogo. “É um processo espiritual”, cita.
Sandrini entende o que os escritores fazem é proclamar uma experiência, modo de enxergar incumbido de ideologia e política, pois mesmo falando de amor existe a interferência na linguagem. Ao ler Bakhtin trouxe a oportunidade de debater a literatura por outro viés sobre o aspecto da filosofia da linguagem. A questão da estrutura do olhar do autor sobre a função do herói não tem só haver com a literatura, mas com a vida da forma como se enxerga, como se é empático, para tenta ver o mundo pelo olhar do outro, sair do seu canto e retornar, buscar o outro na linguagem. Estamos aqui para fazer literatura não necessariamente o eu, é uma voz que você faz para o texto que se reconhece no escritor, mas, “deixa o ego em casa, deixa o eu”, encerra Sandrini.
Para os ministrantes das oficinas o principal exercício para a escrita é ler, e depois escrever, novamente, num ciclo contínuo. Otto Winck reflete sobre o hábito da escrita em que “ser escritor talvez seja tão importe como ar que se respira, só é escritor quem sente que morreria se não o pudesse fazê-lo”. Nas a palavras de Reiner Maria Hilke, Cartas a um Jovem poeta, “você é escritor ou não? Pergunte a si mesmo se poderia viver sem escrever se a resposta for negativa você é escritor”, finaliza Otto.
Referências
O estranho hábito de dormir – Paulo Sandrini
Jaboc – Otto Winck
Inominável Companhia de Teatro – Marcelo Bourscheid
Site: http://teatropedia.com/wiki/Inomin%C3%A1vel_Companhia_de_Teatro
Cartas a um jovem poeta – Reiner Maria Hilke
Cartas a um jovem escritor – Mario Vargas Llosa
Como contar um conto – Gabriel Garcia Marquez
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