Minha mãe sempre teve horror ao termo “doméstica”. Nos mais de 30 anos que passou faxinando casas e apartamentos criou verdadeira aversão a essa alcunha. Pra ela, a palavra dá a impressão de que a empregada é um animal selvagem que foi domesticado e agora está sob as ordens do dono. Para muitos donos – digo patrões – talvez signifique isso mesmo.
Minha mãe nunca foi pra Disney como declarou ontem, ao defender a alta do Dólar, o ministro Paulo Guedes. Minha mãe nunca saiu do Brasil. As décadas como doméstica, ou melhor, como empregada ou diarista – termos que soam melhor aos ouvidos dela – foram suficientes apenas para dar de comer e vestir aos filhos. As viagens esporádicas eram pra Santa Catarina quando conseguia visitar os parentes.
Em mais de 30 anos limpando latrina, lavando cueca dos “bundinha branca” e calcinha das dondocas, o que minha mãe acumulou foram humilhações e problemas de saúde. É claro que nem tudo foram espinhos, mas a verticalidade do tratamento dado pelos patrões e pelas patroas sempre ficou evidente para todos os seus sete filhos. Mais de 30 anos limpando e cozinhando para que os ricos tivessem uma vida mais confortável, para que eles pudessem passar mais tempo com filhos, enquanto ela via os seus apenas a noite e contava com a filha adolescente para terminar de criá-los. Ah, sem tem alguém que merecia ir para Disney, esse alguém é minha mãe.
Se existem pessoas que mereciam ir para a Disney são as Risoletes, as Marias, as Beneditas, as Vals… Quem merece é essa gente que deu boa parte de sua vida para facilitar a vida de quem tinha mais dinheiro. Seis milhões de brasileiras trabalhavam como domésticas no Brasil em 2016 segundo a Organização Internacional do Trabalho e apenas 32% tinham carteira assinada, no mundo são mais de 67 milhões (dados subestimados). Essas empregadas, que comem na cozinha, dormem no quartinho, urinam e defecam em um banheiro específico em apartamentos e casas que foram projetadas para conter um abominável “espaço para as empregadas”. Que levam embora os restos de comida que ninguém quer e as roupas que teriam como destino certo o lixo. Essas mulheres que cambaleiam no ônibus lotados por terem as mãos repletas de sacolas cheias, pois em casa há muitas barrigas vazias esperando. Essas diaristas que não precisam (e raramente conseguem) o conforto de um banco no transporte coletivo pra cochilar, pois dormem em pé mesmo, tamanho o peso da vida que carregam sobre os ombros e sobre os olhos. Ah Paulo Guedes… se existem pessoas que mereciam conhecer a Disney, são elas.
Segundo Paulo Guedes, com o dólar em baixa até as empregadas iam pra Disneylândia, no que classificou como “uma festa danada”. Onde já se viu né ministro, pobre entrar em festa pela porta da frente, ousar comer e quem sabe até beber? Que absurdo! Um horror, como diria Lilian Aragão, esposa do Didi Mocó, que comparou aeroporto à rodoviária em alusão ao número de pobres que ousaram tirar os pés do chão.
Paulo Guedes, uma espécie de Caco Antibes com a face oleosa, é a personificação do neoliberalismo à brasileira, na qual os jecas fascinados pela civilização americana aplaudem todas as parvoíces do Chicago Boy. Guedes representa em pessoa os verdadeiros interesses do governo Bolsonaro e, é claro, seus próprios interesses. Nos últimos cinco anos, o faro de Guedes esteve à serviço da Bozano Investimentos, uma gestora de recursos sediada no coração do bairro mais nobre do Rio de Janeiro, o Leblon. Três dias depois da vitória de Bolsonaro, o economista ainda era o presidente da Bozano – depois, se afastou da empresa e disse que venderia suas ações até 1º de janeiro. E a maneira como aplicou o dinheiro gerido pela companhia indica que, para serem rentáveis, esses investimentos dependem de privatizações nas áreas de saúde, educação e energia, além de reformas liberais no setor financeiro, no varejo e na construção civil.
É claro que Guedes trabalha em prol do mercado financeiro, dos acionistas, dos grandes investidores. A fala de ontem é reflexo disso. O que se sai à brasileira no neoliberalismo de Guedes, e também no de Bolsonaro, é o desprezo pelo dinheiro que seis milhões de empregadas investem na economia. Se fossem à Disney, como disse Guedes, uma cadeia de consumo se estenderia em torno da viagem das domésticas: as passagens aéreas compradas em agências de turismo que geram emprego; as roupas para a viagem compradas em lojas que geram empregos; o cabelo e as unhas feitas no salão de beleza que geram empregos; a comida no aeroporto, o transporte até ele, ou seja, tudo que gera empregos.
Enquanto isso, os Paulos e os Guedes continuam a ir pra Disney, auxiliados pelas Risoletes e pelas Marias que lhe alimentam a boca e lavam as cuecas. E minha mãe, que merecia, nunca foi pra Disney…
“O último capitalista que penduramos será aquele que nos vendeu a corda”.
Karl Marx