Chocolate foi um personagem antológico de Curitiba. Segundo os mais velhos, ele foi o maior malandro que já andou em solo paranaense.
Era magro, tinha cabelos grisalhos, voz grave e pinta de carioca. Não era do Rio de Janeiro, mas do Largo da Carioca, na cidade de Antonina. A paixão pela Cidade Maravilhosa, no entanto, o acompanhou por toda a vida desde quando por lá morou no final da década de 1940. Em 1951 voltou para Curitiba e criou raízes no bairro Capão da Imbuia. Nasceu Mansueden dos Santos Prudente no dia 03 de julho de 1931. Aos 20 anos de idade virou Chocolate.
Foi sambista, carnavalesco e agitador cultural. Para uma geração de músicos e boêmios, mais precisamente para os que respiravam samba na Curitiba das décadas de 1970 e 1980, era um mestre, o Mestre Chocô.
Nos últimos anos, por meio do trabalho incansável de Moysés Ramos – amigo e discípulo do Mestre – a história de Chocolate vem sendo resgatada e registrada. E agora, a saga do maior boêmio da puritana Curitiba virou filme.
“Chocolate: O Eterno Cidadão Samba”, dirigido por Nivaldo Lopes e Eduardo Prante é um documentário que destaca a vida e o legado do boêmio 40 anos depois de sua morte. A primeira exibição do filme aconteceu no dia 25 de agosto na Cinemateca de Curitiba.
Nivaldo Lopes começou a pesquisar sobre Chocolate quando fazia filmagens sobre outro sambista curitibano, Maé da Cuíca. O documentário sobre o Mestre Chocô foi produzido com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. “Entre a apresentação, aprovação e produção do projeto foram quatro anos aproximadamente, de 2021 a 2024. As filmagens eram para acontecer ainda no carnaval de 2023, porém, no final do ano de 2022, o Eduardo Prante, empreendedor e codiretor do projeto, teve sérios problemas de saúde e assim tivemos que realizar e finalizar o filme em 2024”, conta Nivaldo.
A história do Mestre Chocolate é apoteótica. Ele foi integrante por muitos anos da Escola de Samba Colorado e em 1971, depois de sair da escola, criou o Bloco Carnavalesco Ideais do Ritmo. Nele desfilavam, além dos bambas, a família Chocolate, sua esposa, filhos e até sua mãe. As fantasias, alegorias e adereços eram improvisados. A bateria, porém, se não era a maior, era a melhor.
Moysés Ramos, sambista, artesão e morador do Capão da Imbuia, viveu sob a companhia do Mestre Chocolate por muito anos. Ele conta que as iniciativas para resgatar e registrar a história do “Velho” começaram há algum tempo. “Quando tiramos o Bloco Ideais do Ritmo da rua, em 1986, dois anos depois da morte do Velho, houve uma debandada. Os integrantes se dispersaram e a história ficou parada por anos”, diz.
Ele lembra que os trabalhos de resgate da história de Chocolate, do Bloco Ideais do Ritmo e também do samba curitibano, voltaram em 2013. “Isso foi retomado quando apareceram dois jornalistas, dois garotos, José Pires e Everton Mossato que me procuraram para produzir matérias para o jornal do Capão da Imbuia. Aí começamos a contar a história do bairro, do Bloco, do Mestre. Contar também as histórias de toda a discriminação que tinha com a gente, porque era o crioulo com os seus branquinhos. Então, essa retomada começou mais ou menos março de 2013. Aí foram dois anos de puro resgate do Capão da Imbuia, que é o meu limo”, lembra Moysés.
Cidadão Samba
Mestre Chocolate era carnavalesco durante os 365 dias do ano. Sua casa um reduto do samba na capital. Dona Ilda, esposa do mestre, precisava colocar mais água no feijão todas as noites, pois os meninos ficavam até alta madrugada bebendo, cantando e aprendendo com o Velho. “O Chocô foi um mito. Marcou toda uma geração, não apenas pelo seu talento no samba, mas principalmente pela figura antológica que ele era”, revela Moysés.
Ele vivia do Carnaval, não tinha vergonha de confessar a dificuldade de arrecadar verbas e arrebanhar pastorinhas para o seu rebanho. “A falta de grana está me deixando nervoso, inclusive estou passando mal à beça, tomei até uma tiaminose para me recuperar. Você vê: o sentido de fazer Carnaval artístico em Curitiba é dificultoso, porque o povo não se motiva, entende?”, dizia ele ao jornalista Dante Mendonça na década de 1970.
Mestre Chocolate andava sempre com um livro de ouro, lugar onde anotava as contribuições conseguidas para o carnaval, embaixo do braço, Saia por aí para ganhar a vida. Ao visitar a indústria de um velho amigo, foi logo apelando:
– Morreu o Betinho, passista dos bons. Preciso de uma ajuda para o enterro.
O amigo lhe deu um ajutório em dinheiro, mas completou com uma galhofa:
– Chocolate, este ano sua escola não vai sair no Carnaval. Não é?
– Vai. Por que não sairia? – respondeu.
– Mas este é o 18.º sambista que você enterra. E ainda estamos em agosto!
Moysés conta que o Mestre era um malandro, no sentido mais elegante da palavra. “Malandro o que que é? É você se comunicar fácil, ser seguro de si, ter elegância, bater de frente com os preconceitos e isso ele fazia com seu simples viver. O velho em si era uma referência pela maneira como se conduzia, pela maneira que se impunha”, lembra Moysés.
O filme conta muitas histórias. Lembrar delas faz parte da rotina saudosa de Moyses e daqueles que viveram na companhia do Mestre. “A história, esse trecho de vida, foi apoteótico. Essa fase, foi uma coisa totalmente atípica, na terra de polaco todo dia a gente fazia uma festa, uma levava uma coisa, outro levava outra. Ver isso sendo resgatado foi uma sensação muito doida, me senti realizado, me revitalizei, foi fantástico”, completa.
Uma nova exibição do documentário deve acontecer em 12 de outubro na Sociedade 13 de Maio.
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Grato José Pires… Maravilha de matéria. Esperamos todos o pessoal do samba na Sociedade 13 de Maio, para mais uma vez homenagearmos o Mestre Choco.
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