Na madrugada da última quarta-feira (17), um terreiro de Umbanda foi incendiado no Bairro Tatuquara, em Curitiba. Passava da 01h da manhã quando Mãe Márcia, que comanda a Tenda de Umbanda Xangô e Iansã, acordou com o terreiro em chamas.
O fogo começou em uma lona que cobria parte do telhado e se alastrou muito rapidamente. Vizinhos ajudaram a apagar as chamas.
O terreiro ficou completamente destruído. Foram queimados atabaques, imagens e móveis. Felizmente ninguém se feriu. A tenda ficava numa pequena casa de madeira e funciona no local há dois anos. “É um terreiro muito simples. Hoje participam aqui comigo 14 médiuns. E infelizmente nós perdemos tudo”, diz a Mãe de Santo.
Ela acredita que o incêndio é criminoso porque inclusive essa foi a avaliação dos bombeiros que estiveram no local. “Naquela noite não tinha nenhuma vela acessa no terreiro e o fogo começou pelo telhado, ou seja, ele foi jogado de fora. Os bombeiros que estiveram aqui também nos disseram que o incêndio foi criminoso”, conta. O terreiro de Mãe Márcia é o terceiro incendiado em Curitiba desde 2019.
Mãe Márcia revela que o terreiro já foi atacado outras vezes em casos que se configuram como intolerância religiosa. “O terreiro já foi apedrejado algumas vezes. A lona onde começou o incêndio estava no telhado porque ele tinha sido quebrado no último apedrejamento”, revela Mãe Márcia.
Ela diz que não registrou Boletim de Ocorrência porque teme represálias e conta que pensa em mudar o terreiro para outro bairro. “Temos medo, não conseguimos mais nem dormir. Temo pela segurança da minha família”.
Mãe Márcia e os médiuns da Tenda de Umbanda Xangô e Iansã pedem doações para a reconstrução do terreiro. Eles precisam de folhas de Eternit, tábuas e outros materiais de construção.
Os contatos para doação são o telefone (whatsapp) da Mãe de Santo: (41) 99690-4381 e também uma vaquinha virtual que pode ser acessada neste link
Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa
No Brasil, no dia 21 de janeiro, comemora-se o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituído pela Lei Federal nº 11.635, de 27 de dezembro 007, após a morte da Iyalorixá baiana. Fundadora do Ilê Asé Abassá, Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda, que teve sua casa e terreiro invadidos por um grupo de outra religião. Injustamente caluniada, perseguida e agredida física e verbalmente junto com o marido, ela morreu, vítima de um infarto fulminante
A Constituição Brasileira, em seu Artigo V, Inciso VI, preconiza que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias, entretanto, a desinformação, o preconceito, a discriminação e a intolerância continuam sendo os principais motivos do desrespeito as religiões.
Entre janeiro de 2022 e outubro de 2023 foram registrados 2.336 Boletins de Ocorrência (Bos) por intolerância religiosa no estado do Paraná. Os dados foram obtidos pelo Parágrafo 2 junto à Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (SESP/PR) via Lei de Acesso à Informação (Lai).
Estes dados não computam as denúncias encaminhadas ao Disque 100, que é um canal do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O que o Parágrafo 2 levantou são Boletins de Ocorrência registrados em delegacias de todo o Paraná por causa de crimes de intolerância religiosa.
Os dados levantados trazem informações sobre ano das ocorrências, mês, dia da semana, tipo de crime, termos utilizados, tipo da violência, entre outros.
Em 2022 foram registrados 1.102 e em 2023 foram 1.234, até o mês de outubro.
No pedido de informação encaminhado à SESP, o Parágrafo solicitou informações sobre a religião das vítimas dos crimes. Porém, nos BOs não são colhidas informações sobre os credos religiosos de vítimas ou autores. Assim, o que a Secretaria de Segurança enviou são elementos que podem dar a possibilidade de interpretação sobre quais as religiões dos envolvidos nas ocorrências. Neste levantamento, vamos nos referir a estes termos como “palavras-chave”.
Os crimes
Esse conjunto de informações traz que crimes foram cometidos e seu termo jurídico.
– Crimes contra a pessoa: 1.348 ocorrências
– LEI 7.716/89 – Crimes de preconceito de raça ou de cor: 862 ocorrências
A Lei nº 7.716/89, portanto, tipifica uma gama de condutas que caracterizam crimes de intolerância, inclusive religiosa. Ela, nesse aspecto, estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
– Crimes contra sentimento religioso e contra respeito aos mortos: 74 ocorrências
– LEI 4.898/65 – Abuso de autoridade: 51 ocorrências
Nome jurídico
– Injuria referente a raça/cor/etnia/religião/origem: 1.175 ocorrências
– Injuria referentes a religião ou a condição de pessoa idosa ou com deficiência: 173 ocorrências
– Praticar/induzir/incitar discriminação/preconceito: 235 ocorrências
– Ultraje a Culto: 73 ocorrências
– Abuso – atentado ao livre exercício culto religioso: 51 ocorrências
– Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional: 619 ocorrências
Curitiba é a cidade onde mais se registraram boletins de ocorrência por intolerância religiosa, com 397 BOs entre janeiro de 2022 e outubro de 2023.
E entre as cidades com mais casos de intolerância estão: Foz do Iguaçu – 109; Londrina- 103; Ponta Grossa – 87; Cascavel -79; São José dos Pinhais – 57; Guarapuava -41; Araucária – 37; Cianorte -26; Maringá- 24.
Dia da semana
Os domingos foram os dias da semana com mais registros de Boletins de Ocorrência por intolerância religiosa, foram 417 desde o início de 2022. Depois vêm os sábados com 362; as quartas com 340; as segundas com 329; as quintas também com 329; as sextas com 309 e as terças com 250 ocorrências.
Aqui cabe destacar que alguns boletins são registrados alguns dias depois dos crimes cometidos.
Palavras-chave
Estes termos estavam presentes em 803 Boletins de Ocorrência.
Agnóstico: 8 / Bíblia: 25/ Buda: 01/ Candomblé: 03/ Capeta: 37/ Crente: 28/ Cristão: 01
Cristo: 25/ Culto: 82/ Demônio: 51/ Diabo: 161/ Espírito: 03/ Espiritual: 02/ Igreja: 66/ Islã: 05/ Judeu: 03/ Macumba: 146/ Mesquita: 08/ Muçulmano: 04/ Oferenda: 03/ Oração: 19/ Prece: 08/ Religião: 109/ Sagrado: 02/ Saravá: 02/ Umbanda: 01/
Raça
No levantamento também consta informação sobre a raça das vítimas. Pretos e pardos somam maioria. Preta 415; Parda 648; Branca 999; Amarela: 15; Não informado: 216.
Dos 2.336 Boletins, apenas 2.293 trazem essas informações.
Caso Athanásio
Ouça o Podcast Rádio Parágrafo 2 o “Caso Athanásio”. Partindo da prisão de um pai de santo na Região Metropolitana de Curitiba, no ano de 1984, em um formato Storytelling, o podcast vai analisar e debater a relação da imprensa com os cultos de matriz africana ao longo de quase dois séculos.
Athanásio de Souza Bueno era um pai de santo que foi preso na cidade de Piraquara, em junho de 1984. Na época, os principais jornais de Curitiba repercutiram a prisão durante semanas. O pai de santo foi acusado, entre outros crimes, de promover orgias, lesbianismo, incesto e violência sexual. Jornais impressos de Curitiba estampavam em suas capas a prisão com manchetes como “Descoberto o templo do Diabo” e “Valia de tudo na seita do demônio”.
O podcast vai analisar a cobertura feita pela imprensa na época e para isso ouviu jornalistas que cobriram o caso, personagens que vivenciaram essa história, pesquisadores de comunicação, entre outros. A intenção é responder, partindo da prisão do pai de santo, como foi a relação da imprensa e de outros setores da sociedade como a polícia e a política, com os cultos de matriz africana em Curitiba e também em outras cidades do país. Sobre a capital paranaense, o Caso Athanásio traz ainda a análise de notícias de jornais desde o século XIX e demonstra como o racismo e o preconceito religioso nortearam o trabalho da imprensa sobre temas ligados à umbanda e ao candomblé.
Ouça o podcast nas seguintes plataformas:
Spotify: https://open.spotify.com/episode/11YIiBewdCPtTAGmWdT69D?si=TsRwqHkgTui7s8-nJeWu3w
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