Foto: SEED
Não é novidade que, em nosso país, boa parte dos governantes busca boicotar de alguma forma a educação pública. Talvez, porque se as pessoas tiverem acesso à educação de qualidade e se tornarem mais conscientes, substituam os políticos (ou politiqueiros?) atuais por pessoas melhores e mais empáticas.
Uma das provas deste boicote foi realizada dia 21/12/2022, quando todos se preparavam para as festividades de fim de ano. Neste dia a SEED – Secretaria de Educação e do Esporte do Estado do Paraná publicou a resolução nº 8.235/2022 – GS/SEED, alterando a matriz curricular (lista de disciplinas) dos anos finais do Ensino Fundamental e depredando ainda mais o ensino público do Estado.
Através desta resolução, a Secretaria de Educação retirou as aulas de Arte do 8º e 9º anos. Aí, algumas pessoas pensam: – ah, mas é só arte. Para que servem estas aulas, mesmo?
Para explicar de maneira simples, vou partir da minha experiência como aluna nas décadas de 1980/1990 e como professora da rede Estadual, Particular e do 3º setor há 22 anos e não, este não será um texto imparcial, pois está sendo escrito por alguém que conhece e é apaixonada pelo ensino da Arte, especialmente na escola pública.
Quando fui criança e adolescente em cidade pequena, morava (e ainda moro) em chácara, brincava com animais, me sujava no barro, subia em árvores e amava ir para a escola. Estudar, nem sempre, dependia da matéria.
Hoje a infância e adolescência estão bem diferentes. Você percebe o quanto nossas crianças e adolescentes têm sido, cada vez mais estimulados a permanecerem trancafiados em salas e quartos, reféns do celular e/ou videogames? O quanto estão ansiosos e deprimidos?
Deixaram de brincar, viver e conviver com pessoas reais, experimentar materiais, brincadeiras, sensações e sentimentos que aprendiam de forma lúdica na infância e adolescência para saber aplicar na vida adulta. O resultado disso: cada vez mais pessoas ansiosas, solitárias, sem empatia, que não conseguem fazer a interpretação da expressão corporal e vocal das outras pessoas (talvez por isso nossa sociedade tão polarizada).
Neste sentido, a existência da disciplina de Arte sempre contribuiu para que este contato com a vida real acontecesse, estimulando a curiosidade em relação à materiais e técnicas expressivas dentro das quatro principais linguagens artísticas (artes visuais, teatro, música e dança).
Quem tem mais de 30 anos, certamente se lembra das aulas com desenho, pintura, teatro, danças folclóricas etc na escola, as quais muitas vezes eram comparadas às “aulas vagas”, não por serem vazias e sem conteúdo, mas por serem momentos prazerosos de relacionamento entre os colegas, conversas e risos.
Engraçado como aprender de forma descontraída nem parece estudar, afinal, para o senso comum, o conhecimento tem que ser chato, com respostas exatas e decoreba. Eu também pensava assim, mas adorava as aulas de arte, só não compreendia sua função como disciplina. Por isso, desde os 7 anos de idade, estava decidida a trabalhar na área de arte com desenho e pintura.
Foi somente na faculdade que compreendi melhor a dimensão da Arte na vida das pessoas, o quanto ela é abrangente e está tão presente em tudo na nossa vida, que não paramos para nos dar conta.
A estética, a leitura das imagens, sons, expressões humanas é que estabelecem nossa relação e compreensão de mundo e nos fazem tomar decisões a cada instante. Desenvolver a criticidade neste sentido, é a garantia da formação de uma sociedade melhor. Quando percebi isto, decidi ser professora de Arte. Ser artista, como antes eu desejava, não me bastava. Eu precisava dividir e contribuir para a ampliação deste conhecimento tão importante e essencial com a classe trabalhadora (de onde eu vim e pertenço).
Retornei como professora, inclusive na escola que me formou, já pensando em aulas bem diferentes das que eu tive. Agora já tinha rádio com cd e retroprojetor para mostrar as imagens das obras de arte pelo mundo. Queria meus alunos em contato com uma cultura que estava fora do nosso alcance em cidade pequena. A arte mundial, chegava, encantava e estimulava os estudantes a querer saber mais sobre a cultura mundial.
Com os novos recursos tecnológicos na escola, vi a disciplina de Arte mudar, e, para melhor. Com a presença de aparelhos de som e projetores multimídia conectados a um computador (muitas vezes equipamentos particulares dos professores), além da ludicidade própria da arte, a disciplina passou também a percorrer os caminhos relacionados à história da Arte e à Cultura Mundial, fazendo com que em cada uma das nossas 2 aulas semanais, os estudantes tivessem a oportunidade de percorrer o mundo e sua produção artística orientados por um guia que se preparou no mínimo 4 anos para isso: o professor licenciado.
Imagine se nós, hoje adultos, tivéssemos conhecido as pinturas e esculturas reconhecidas mundialmente, como as de Michelangelo, Leonardo da Vinci, Caravaggio, Goya, Renoir? Quando muito, o professor nos mostrava a reprodução em um livro que ia passando de mão em mão. Música então, ou o professor mesmo tocava, ou era uma grande chiadeira e só era trabalhada a letra e não o ritmo, a melodia, a harmonia entre as notas e sua complexidade. Orquestra sinfônica ou filarmônica? Só se você morasse e uma cidade grande e tivesse dinheiro para ir ao teatro assistir ao vivo. Quem era do interior, nem sonhava com isso.
Teatro era só o “teatrinho” para datas comemorativas. Nada de teorias como as de Brecht ou de Augusto Boal. Nada de jogos teatrais. Nada de analisar vídeos de trechos de peças famosas e autores consagrados. Dança então, só nos bailes. Nas escolas, nem pensar em ver, muito menos em dançar.
E o cinema. Quem aqui conheceu as teorias sobre enquadramento de imagem, movimento de câmera, ou pode analisar uma cena famosa, como a do chuveiro no filme Psicose de Alfred Hitchcock ou a sequência famosa do Cidadão Kane que se fecha numa bola de cristal refletindo de ponta cabeça o cenário?
Você já parou para pensar o quanto os estudantes de hoje têm acesso à cultura que na “nossa época” era destinada somente para quem tinha dinheiro para conhecer ao vivo? Já pensou o quanto a disciplina de Arte vem diminuindo este abismo social/cultural entre as classes e o quanto este estímulo ajuda estas crianças e adolescentes na fase adulta?
Você pode até pensar: – mas tem tudo na internet. – é verdade, concordo com você. Mas quanto de conteúdo confiável e quanta besteira e mentira tem lá? Nas aulas de Arte, auxiliamos os alunos a buscar as melhores fontes de conhecimento, a diferenciar obras de maior ou menor qualidade e saber qual o motivo desta diferença, a conhecer as diversas culturas e o quanto elas podem enriquecer a história de vida de cada pessoa.
A tal consciência estética desenvolvida na Aula de Arte sempre foi poderosa, e hoje, tem o potencial de se tornar ainda maior.
Por isso, diminuir as aulas de Arte como o Paraná está fazendo, é aumentar o abismo cultural entre os filhos da classe trabalhadora e os herdeiros de uma elite que quer garantir o conhecimento somente para os seus. Conhecimento é poder.
Existe uma força política da “Elite do Atraso” que quer manter parte da produção artística resumida aos pequenos grupos de pessoas ricas, daí o discurso contínuo para a desvalorização do conhecimento artístico, fazendo quase uma lavagem cerebral na classe trabalhadora, afinal, a ideia é formar uma massa de mão de obra que saiba apertar um botão, sem questionar que botão é, como funciona, para que serve e o que pode causar. A arte vai contra este tipo de formação. Ela incomoda. Por isso, ela é essencial em todos os momentos.
Por esses motivos todos, é de suma importância que a sociedade paranaense tenha consciência do quanto é grave cortar dos estudantes, bem na fase mais crítica da adolescência, esta disciplina humanizadora e acolhedora chamada Arte.
É preciso que os cidadãos se posicionem, reclamem da retirada destas aulas. Uma das maneiras legais de fazer isso, é protocolando na ouvidoria da Secretaria de Educação e Esporte do Paraná sua opinião sobre o absurdo da retirada destas aulas, seja você estudante, pai/mãe ou cidadão/cidadã paranaense consciente da importância da cultura na vida das pessoas. Para isso, você pode telefonar e fazer sua reclamação no 0800-041-9192 ou protocolar via internet em https://www.sigo.pr.gov.br/cidadao/732/atendimento?embed=true, e ainda apoiar nossa luta através das redes sociais, publicando #ficaartePR.
Vamos todos reacender esta luz na Educação Pública do Paraná.
Maysa Nara Eisenbach
Arte Educadora
O Governo do Paraná é uma vergonha nacional.
Se fôssemos uma sociedade educada pela arte e senso crítico de que ela nos nutre espetáculos de depredação do patrimônio dos palácios em Brasília no 08/01/2023 não aconteceriam.