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Levantamento da Defensoria Pública mostra problemas no acolhimento de pessoas em situação de rua em Curitiba

Com informações da Defensoria Pública do Paraná

A quantidade de pessoas em situação de rua em Curitiba aumentou consideravelmente durante a pandemia de Covid-19. Em novembro de 2021, a capital tinha aproximadamente 2.700 pessoas nessa situação segundo o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico. Porém, dados obtidos pelo Parágrafo 2, por meio da Lei de Acesso à Informação (Lai) junto à Fundação de Ação Social (FAS), revelam que entre 01/04/2020 e 31/08/2021 foram atendidas e abrigadas 7.423 pessoas em unidades de acolhimento institucional.

Segundo a FAS, é difícil precisar a quantidade de pessoas em situação de rua por diversos fatores. Entre as mais 7 mil pessoas atendidas neste intervalo de tempo, por exemplo, estão aquelas que permaneceram na rua por apenas uma noite e foram atendidas pelas equipes da prefeitura sendo contabilizadas no número de acolhidos.

Dados levantados pelo Parágrafo 2 no mesmo pedido de informação revelam que a quantidade de atendimentos e acolhimentos feitos pelas FAS ultrapassou 300.000. Foram 58.170 abordagens sociais realizadas entre março de 2020 e agosto de 2021, elas contabilizam o número de pessoas abordadas multiplicado pela quantidade de vezes que foram abordadas. Além disso, foram realizados 170.841 acolhimentos em casas de passagem e 120.659 atendimentos em Centros Pop.

Essa grande demanda nos atendimentos representa um desafio na estrutura da rede de acolhimento da FAS e se estende no “pós-pandemia”. Frente a essa realidade, a Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) produziu o relatório “População em Situação de Rua em Curitiba: Uma Descrição Crítica dos Serviços Ofertados às Pessoas em Situação de Rua na Capital Paranaense”. O documento é resultado de um trabalho de fiscalização da Defensoria nos equipamentos públicos municipais de atendimento às pessoas em situação de rua na capital realizado ao longo do ano passado. 

Ele foi produzido pelo Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública e entregue à FAS no último dia 07/02.

Ao todo, foram 24 locais visitados, como unidades de acolhimento institucional, unidade de resgate, casas de acolhida, centros pop, casas de passagem, restaurantes populares e consultório de rua, entre outros. No relatório, a Defensoria também faz 44 sugestões à FAS a fim de colaborar para a solução dos problemas encontrados nos locais. Em todos os equipamentos visitados, além da fiscalização, as equipes da Defensoria aplicaram um questionário sobre regras, público-alvo e serviços fornecidos no local, avaliação da infraestrutura e avaliação de pessoal. 

“O principal problema encontrado, que reputo ser muito grave, é a completa ausência de fluxos definidos entre as políticas públicas das diversas áreas voltadas para esse segmento. Há a política de Assistência Social, com seus fluxos internos; a Saúde; algumas atividades de primeiro emprego, mas essas políticas não se conversam. O trabalho acaba dependendo de cada profissional ter a sensibilidade de acionar o colega de outra pasta”, afirma o coordenador do NUCIDH, defensor público Antonio Vitor Barbosa de Almeida. 

O defensor citou um exemplo comum de falta de articulação nas unidades: quando é necessário realizar um atendimento emergencial de saúde. “Não há um fluxo definido se alguém apresentar problema de saúde. Alguns entendem que seria o caso de chamar o Consultório da Rua, o que é equivocado. Outros entendem que tem que chamar o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ou mandar pra UPA. É uma política falha e extremamente frágil”, comenta Almeida. 

Ele lembrou ainda outro ponto crítico: a falta de profissionais psicólogos(as) assistentes sociais e educadores(as) nesses espaços. “É preciso ampliar o quadro de profissionais. Além disso, há uma questão grave, que são os relatos de precariedade nas estruturas, como banheiros sem manutenção, infestação de ratos, fios expostos, deficiência na oferta de locais para banho às pessoas não acolhidas”, ressaltou. Na visita à Casa de Passagem Emergencial Plínio Tourinho, em maio de 2022, por exemplo, foram encontrados ratos no local, como mostram as imagens anexadas ao relatório.  

A fiscalização flagrou ratos na Casa de Passagem Emergencial Plinio Tourinho- Foto: Defensoria Pública do Paraná

Na avaliação do defensor, essa fiscalização é muito importante para verificar a efetividade dos serviços prestados à população de rua e também o respeito às normas que regem a prestação desse trabalho. As falhas encontradas nos equipamentos têm impacto direto na prestação das políticas a essa população em situação de extrema vulnerabilidade, e podem dificultar a superação da condição de rua. “Do ponto de vista jurídico, podemos concluir que não há condições materiais suficientes [nesses espaços] para que a pessoa em situação de rua consiga superar essa situação de vulnerabilidade”, conclui.  

Resumo das sugestões entregues no documento à FAS:

  • Disponibilizar espaços que assegurem a realização de atividades de lazer, profissionais e de educação nos espaços destinados ao acolhimento de pessoas em situação de rua;
  • Garantir a salubridade dos banheiros;
  • Disponibilizar guarda-pertences distribuídos na cidade, assegurando seu uso inclusive por pessoas não vinculadas aos serviços da Assistência Social;
  • Garantir acesso livre a banheiros públicos para a população em situação de rua;
  • Realizar concursos públicos, especialmente para educadores(as) sociais, assistentes sociais e psicólogos(as);
  • Capacitar continuamente os(as) agentes sobre os direitos da população em situação de rua;
  • Garantir equipes multidisciplinares nos equipamentos destinados ao atendimento da população em situação de rua;
  • Efetivar o funcionamento do Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua (CIAMP) Municipal, assegurando uma fiscalização da política de assistência social da população em situação de rua;
  • Realizar o censo da população em situação de rua;
  • Ampliar o cadastro de pessoas em situação de rua no CADÚnico;
  • Regulamentar o benefício de Aluguel Social, previsto na Lei Municipal n° 14.700 de 2015, a fim de auxiliar a promoção do direito à moradia da população em situação de rua;
  • Garantir o uso de dormitórios no período diurno e vespertino;
  • Fiscalizar os serviços prestados pelos(as) agentes de segurança atuantes nos equipamentos de acolhimento institucional, prevendo formação em Direitos Humanos a esses(as) agentes;
  • Estabelecer fluxo entre os equipamentos de Assistência Social e os hotéis sociais com as demais políticas públicas de saúde, habitação e trabalho, a fim de assegurar a superação da condição de rua;
  • Extinguir a Unidade de Resgate e Cidadania (URC) e das Operações Integradas, tendo em vista os objetivos da política de assistência social à população em situação de rua;
  • Ampliar o acesso à alimentação gratuita nos Restaurantes Populares, sem a necessidade de vínculo com algum equipamento de acolhimento institucional;
  • Fornecer água potável, especialmente em locais de grande circulação de pessoas em situação de rua;
  • Assegurar a prestação de serviços de saúde às/aos cidadãs(os) em situação de rua, sem a exigência de documentação ou comprovante de residência.

Rondas Noturnas

Outra iniciativa da Defensoria Pública, com previsão de acontecer periodicamente ao longo de todo o ano, são as Rondas Noturnas promovidas pelo Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) e da Assessoria de Projetos Especiais (APE). O objetivo é levar atendimento e orientação jurídica gratuita à população em situação de rua em Curitiba. No último dia 31 de janeiro, servidores e defensores públicos realizaram a primeira ronda do projeto, na região do Mercado Municipal de Curitiba e da Rodoferroviária, no Centro da Capital.  A Defensoria atendeu 30 pessoas na ação. 

Milhares de pessoas em situação de rua vagam pelas ruas da capital- Foto: José Pires

Durante a atividade, a equipe também coletou relatos sobre atuação violenta de agentes de segurança privada que trabalham nas imediações, principalmente na Rodoferroviária. Segundo o coordenador do NUCIDH, defensor público Antonio Vitor Barbosa de Almeida, além de relatos de agressões físicas e verbais, as pessoas em situação de rua atendidas relataram que os seguranças cortam o acesso à água e aos banheiros no local. Com base nos relatos, o NUCIDH deve solicitar providências à Urbanização de Curitiba (URBS), responsável pela administração da Rodoferroviária. 

“Essas pessoas, principalmente as mais vulnerabilizadas, não chegam ao atendimento regular da Defensoria ou até mesmo aos serviços das demais instituições do sistema de Justiça por inúmeras razões, como pelas vestimentas, medo de ser expulso, e pelo grau de vulnerabilização. É muito importante irmos até essas pessoas para apresentar nossos serviços”, afirmou o coordenador do NUCIDH. 

Para o coordenador da APE, defensor público Matheus Munhoz, o atendimento na rua, onde essa população está, é fundamental para criar um vínculo de confiança e fundamental para levar o serviço da instituição até a população em situação de rua. “Nós pudemos apresentar a instituição a eles e elas até porque a Defensoria ainda não é tão conhecida. Por isso, há também uma necessidade de criar uma relação de confiança entre a população em situação de rua e a instituição para que possam receber os serviços”, ressaltou Munhoz. 

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.

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