Na última semana, o colunista Marcelo Rubens Paiva, do jornal O Estado de São Paulo, divulgou que o Legião Urbana voltará a ativa depois de quase 20 anos. A notícia pegou muitos ex adolescentes (bem ex mesmo) como este que vos escreve de surpresa. Muitos aplausos, vivas, likes e comentários depois da divulgação fica uma pergunta inquietante: É possível haver um Legião urbana sem Renato Russo?
Sim, pode haver. No entanto, seria mais um cover do lendário grupo que surgiu em 1982 quando Renato Russo juntou- se a Marcelo Bonfá, Eduardo Paraná (hoje Kadu Lambach) e Paulo Guimarães (o Paulista). Dado Villa-Lobos entrou em 83 e Renato Rocha em 85. Renato Russo era a alma da banda. Simples assim. Compôs a grande maioria das músicas do grupo que lançou oito álbuns de estúdio, cinco álbuns ao vivo e alguns lançados postumamente. É claro que a maioria das canções foram musicadas na companhia de Bonfá e Villa –Lobos, muitas inclusive foram escritas em parceria entre os três. Mas o fato é que as grandes joias do Legião saíram da mente brilhante de seu vocalista.
Clássicos
Eduardo e Mônica, Que país é esse, Tempo Perdido, Geração Coca-Cola, Pais e Filhos. As composições de Renato Russo são ainda hoje repertório obrigatório para quem quer agitar o fim da festa com seu violão a tira colo e quem sabe fazer um sucesso entre as meninas. Porém, para este que vos escreve, as composições mais marcantes de Renato são aquelas carregadas de referências pessoais, que contam um pouco de sua história. Índios, por exemplo, foi composta depois do vocalista superar um profundo quadro depressivo que o levou inclusive a uma tentativa de suicídio claramente percebida no verso: “eu quis o perigo e até sangrei sozinho…”. Meninos e meninas é outra canção intimamente ligada à vida do compositor, uma espécie de “revelação” sobre sua sexualidade: “Acho que gosto de São Paulo, gosto de São João, gosto de São Francisco e São Sebastião e eu gosto de meninos e meninas…”. Tais referências são inúmeras nas letras da banda. O disco “A Tempestade” também chamado de “Livro dos Dias” é totalmente conceitual. Carregado de musicas com cunho depressivo o álbum retrata bem a fase pela qual passava Renato Russo: Acometido por HIV, debilitado, depressivo e solitário.
A genialidade de Renato Russo sempre ultrapassou o Legião Urbana. Outro exemplo é o Aborto Elétrico, criando por ele em 1978. Com a banda, compôs várias canções que iria usar uma década depois, como Que País é Este, Conexão Amazônica e Tédio (Com Um T Bem Grande Pra Você). Outras, porém, seriam gravadas pelo Capital Inicial: Fátima e Veraneio Vascaína. E ainda uma seria aproveitada pelos Paralamas do Sucesso: Química. Mesmo ainda no Legião, em 1993, Renato iniciou sua carreira solo (algo que já tinha feito como Trovador Solitário no intervalo entre o fim do Aborto e a criação do Legião). Lançou The Stonewall Celebration Concert no ano seguinte — e cujo título é uma referência ao bar nova-iorquino onde, em 1969, gays se rebelaram contra a ação da polícia. Em seguida veio o CD Equilíbrio Distante (1995), onde ele aparece interpretando canções italianas e dedicadas à sua família.
Assim, analisando as letras da banda imagino que Bonfá e Villa-Lobos não teriam ousadia para compor um novo disco. Além disso, achar uma nova mente para escrever sagazmente como Renato é quase impossível. Ou vocês acham que qualquer um pode criar uma letra que facilmente viraria roteiro de um filme como aconteceu com Faroeste Caboclo?
Voz e presença de palco
Segundo o colunista do Estadão quem assumirá os vocais do Legião Urbana é André Frateschi. Não conheço o músico, mas uma rápida busca no youtube mostra que nem para cover do Renato ele serve. André poderia se dar bem em um cover do Rogério Flausino ou mesmo do Dinho Ouro Petro, mas nunca de um vulcão como foi Renato Russo. O front-man do Legião, além de ter uma voz incomparável (barítono – 2,6 oitavas), possuía muita presença de palco.
Frateschi já adiantou que não vai tentar imitar Renato Russo. E é bom que nem tente! Os trejeitos de Renato durante as apresentações, muitos deles inspirados em Morrissey (do The Smiths), eram atrativos à parte nos shows do Legião. Além disso, a personalidade forte (Renato chegou a discutir com fãs em seu show) fazem parte da identidade do Legião Urbana. Na verdade, acho que é covardia esperar que alguém encarne Renato Russo no palco (prefiro nem falar do Wagner Moura que como Renato Russo é um ótimo Pablo Scobar). Mas, é impossível pensar no Legião sem seu eterno vocalista e por isso, a volta da banda está mais para uma apresentação cover, como tantas que acontecem no país a fora, do que a volta de um dos mais importantes grupos da história do rock brasileiro. Por fim, sem Renato Russo não há Legião urbana.