Na manhã do último sábado (25) indígenas da Terra Indígena Serrinha, no norte do Rio Grande do Sul, foram atacados. As agressões aconteceram na região conhecida como Capinzal. Uma família foi expulsa e sua casa totalmente destruída.
O conflito se estende há anos, mas se intensificou nas últimas semanas e na sexta-feira (24) os indígenas realizaram um protesto em frente à sede da Procuradoria Regional da República, no município de Passo Fundo. Eles alertavam sobre o risco de ataques contra as famílias, fato que infelizmente se confirmou na manhã do sábado.
O conflito na região é motivado por irregularidades envolvendo o arrendamento de terras e plantio de soja na reserva. Os ataques, segundo os indígenas, foram orquestrados pelo Cacique Marciano Claudino. As terras arrendadas são usadas para o plantio de soja e a Cooperativa dos Trabalhadores Indígenas de Serrinha (Cotrissera) está à frente dos arrendamentos. Trechos da T.I. são cedidos para não indígenas para que estes produzam soja. Os indígenas que se opõem à essa prática estariam sendo ameaçados.
Na manhã de sábado a casa de Marciano Fortes foi invadida por homens armados. Depois de ameaças e agressões a casa foi completamente destruída. “Na sexta fizemos um manifesto para alertar o Ministério Público Federal, a Funai e a Policia Federal. Avisamos que eles entrariam nas casas. E entraram na minha casa, umas sete horas da manhã. Meu filho estava lá com sua esposa e minha neta de quatro meses”, conta Marciano sobre a invasão à sua casa. “Essas lideranças prometeram que não usariam de violência, mas usaram. Vamos ver se agora haverá justiça para eles”, questiona o indígena.
A invasão à casa de Fortes preocupa as demais famílias indígenas, principalmente porque os invasores chegaram armados. “Eles colocaram arma de fogo na cabeça do piá, um menino menor de idade. Será que isso vai ficar por isso mesmo?”, questiona a indígena Camila Candinho.
O arrendamento de terra é o principal causador dos conflitos violentos e das mortes que têm ocorrido nas aldeias do Rio Grande do Sul. A Constituição Federal estabelece que as terras indígenas demarcadas são de usufruto exclusivo das comunidades que habitam aquele local. Porém, no estado grande parte das terras indígenas é explorada para o plantio de grãos e isso acabou dando origem a um ciclo de conflitos
Ainda na sexta-feira, o Conselho de Anciãos da Terra Indígena lançou uma nota com um pedido de socorro.
A nota assinala que 59% da população da Terra Indígena Serrinha não tem terras, enquanto o Cacique Marciano Claudino e sua liderança arrendam toda a área agricultável. “O arrendamento das terras indígenas é realizado por uma Cooperativa denominada Cotrisserra, que recebe 3 sacas de soja por hectare, dos plantadores não indígenas, para um Fundo de Transição que deveria executar projetos sustentáveis que nunca saíram do papel”, afirma a nota do Conselho de Anciãos. Os recursos recebidos pelo arrendamento estariam sendo utilizados exclusivamente para o plantio de monoculturas e para a compra de maquinários, deixando no abandono 387 famílias, em plena pandemia.
Segundo a nota, há 14 meses essas irregularidades foram denunciadas à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério Público Federal e à 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, conhecida como 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria da República, sem que nenhuma medida fosse adotada pelas autoridades para proteger os membros do Conselho e suas famílias. Agora as famílias dos integrantes do Conselho de Anciãos estariam sendo ameaçadas de expulsão pelo grupo ligado ao atual cacique da Terra Indígena. A Terra Indígena Serrinha está situada em uma área que abrange os municípios de Ronda Alta, Três Palmeiras, Constantina e Engenho Velho, e tem uma população de cerca de 3.500 pessoas, divididas em 650 famílias da comunidade kaingang.
Conselho de Anciãos pede socorro
Ainda segundo o documento, o arrendamento das terras indígenas é ilegal e tem gerado problemas, inclusive de corrupção, desde sua implementação pelo governo federal há décadas. De acordo com os integrantes do Conselho de Anciãos, a Funai e o MPF teriam respondido que se trata de “conflitos internos” às terras indígenas. “A Funai e o Ministério Público assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta com a Cotrisserra, que nunca foi fiscalizado e nunca foi divulgado para toda a comunidade”, protesta o Conselho. A nota acrescenta:
“A população da Terra Indígena pede transparência! As famílias do Conselho de Anciãos estão ameaçadas de serem expulsas, por terem denunciado a má gestão das terras a que todo indígena teria direito! O Vice Presidente do Conselho de Anciãos, Dorvalino Fortes, adoeceu e morreu, fulminado por um ataque cardíaco, por ter sido alvo de ameaças desde julho de 2020, porque Funai, MPF e Justiça Federal não adotaram providências e não protegeram as famílias que fizeram a denúncia! Serrinha pede Justiça! Se nada for feito hoje, haverá sangue indígena derramado amanhã!”, diz o documento.