Ministério da Saúde sinalizou corte de verbas para veículos e profissionais que atendem aldeias da região Sudeste e Sul
Há uma semana diversos indígenas ocupam a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), em Curitiba/PR. Cerca de 120 membros de 14 etnias saíram dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e de diversas cidades aqui do Paraná para montar suas barracas ao lado dos escritórios, no jardim e no estacionamento da Sesai. A ocupação é pacífica e os funcionários da unidade permanecem trabalhando normalmente. “A gente está convivendo com eles em harmonia. Eles precisam trabalhar para atender a população indígena”, diz Neusa Kunha Taqua Mendonça Martins, Assessora de Saúde Indígena do Estado do Rio de Janeiro. Ela é da aldeia Rio Pequeno, em Paraty/RJ e está na ocupação com sua filha de colo. Neusa frisa a importância de o trabalho da secretaria não parar, devido às muitas aldeias da região que necessitam do serviço prestado na unidade e pela unidade. Sobre ocupar a Sesai e não outro ponto da cidade, a estratégia é muito simples: “não queremos atrapalhar a vida de ninguém”.
Dando uma volta pela ocupação percebe-se o cuidado com a limpeza e organização dos indígenas. Neusa conta que nas reuniões diárias, além de haver conscientização sobre a luta dos povos originários e outros temas, os mais jovens são orientados a não causar nenhum tipo de dano ao local. “É um recurso nosso. A gente é quem paga imposto”. Pelo que parece, eles não querem atrapalhar a vida de ninguém mesmo. Mas a deles parece que tem gente querendo atrapalhar.
São dois os motivos que levaram os indígenas da região definida como Litoral Sul (ver mapa) a ocupar a Sesai: 1º O Ministério de Saúde pretende cortar o número de veículos e profissionais que atendem as aldeias; e 2º há incerteza com relação à vigência do contrato e da própria empresa contratada para fornecer o serviço.
Redução de recursos
Historicamente os recursos e programas voltados à saúde indígena sempre foram geridos pela FUNAI. Foi no final de 1999 que esta área passou a ser responsabilidade da FUNASA, período no qual muito foi conquistado no âmbito da saúde dos povos originários. No ano de 2010 a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), que é um órgão ligado ao Ministério da Saúde, foi criado, e “desde então foram só retiradas das nossas conquistas. A gente foi perdendo vários escritórios locais. A gente perdeu muita equipe, profissionais que trabalhavam anos e anos com a saúde indígena. Foi um caos total. A gente está vivendo um caos total hoje. Não tem atendimento como deve ser. Existem as leis, mas não são cumpridas”, relata Neusa Taqua.
Há um ano e meio as lideranças atendidas pela Sesai Litoral Sul aguarda do Ministério da Saúde a licitação relativa a frota que atenderá sua comunidade, composta por 8,3 mil pessoas dispostas em 14 aldeias. Neste período a Sesai fez um levantamento da necessidade da frota e enviou para a capital federal e, após quase 8 meses, o documento voltou pedindo uma redução de recursos, alegando que o pedido estava acima do orçamento. “Pedimos ao coordenador que não respondesse que nós mesmos iríamos responder. Nos organizamos por conta própria e chegamos até aqui”. Isso aconteceu há cerca de 15 dias, e foi quando as lideranças indígenas, com escassos recursos próprios, decidiram que ocupariam a Sesai em Curitiba/PR. Os primeiros carros chegaram à Vila Isabel em Curitiba na manhã de segunda-feira (29). Os líderes indígenas fizeram a primeira reunião, longa por sinal, e formaram um grupo para levar a pauta de reivindicações para Brasília.
Mais estrada. Esta parece ser a sina deste povo em sua luta por saúde. E a luta sempre traz seus perigos. Perto do amanhecer de terça-feira (30) um dos carros que seguia para o DF sofreu um acidente. Um caminhão cegonha tentou ultrapassagem e colidiu com a caminhonete em que estava o cacique Darã. O carro teve perda total, mas por sorte nenhum passageiro sofreu ferimentos graves. “Estou aqui no pronto socorro fazendo os exames, lutando pela saúde da nossa população. Lutando por toda a população por causa da Sesai que não cumpre com a obrigação com o nosso povo. Será que precisa a nossa liderança perder a vida? Criança morrer em acidente?”, desabafou em áudio o cacique logo após o ocorrido.
“Nós da população indígena só ocupamos quando há uma necessidade muito grande. Só se forem violados os nossos direitos”, Neusa Taqua. Assessora de Saúde Indígena /RJ (Aldeia Rio Pequeno – Paraty/RJ)
Na quarta-feira (30), terceiro dia de ocupação, num ambiente muito mais calmo, Neusa Taqua conversa comigo sem largar a sua filha, que dorme tranquila em seus braços, na capital paranaense, no sofá da recepção da Sesai. Sobre o contrato que o Ministério da Saúde tenta empurrar goela abaixo dos indígenas ela comenta: “Não é possível a gente aceitar por que o que a gente tem de frota de carros hoje não é suficiente. Tem muitas aldeias que não tem carro. Não tem atendimento. O pouco que a gente tem não é suficiente. O mais viável para nós era aumentar e não diminuir”. O que for aprovado agora entrará em vigência no próximo ano, afetando diretamente o dia a dia das aldeias, e, segundo Neusa, o protagonismo da comunidade indígena, fundamental para a manutenção e conquista dos direitos. “Não podemos deixar que essas crianças passem mais necessidades. Eles já estão tirando, enxugando cada vez mais nossos direitos. Então [a ocupação] é para mostrar que nós estamos aqui e quem tem que decidir somos nós e não o governo lá de cima”.
Outra questão nebulosa que preocupa as lideranças indígenas é quanto a mudança frequente de empresa terceirizada contratada para realizar o serviço de atenção à saúde. Antes era a Missão Evangélica Caiuá, já quem venceu o último chamamento público foi a O.S.S. Irmandade da Santa Casa de Andradina, entidade que ficará responsável por atender o a comunidade pertencente a região determinada Litoral Sul. Neusa reclama que os contratos anteriormente tinham duração de um ano, e agora são de apenas 4 meses. A validade do contrato está chegando ao fim e eles não sabem quem será a próxima conveniada, nem como ficará a situação a partir do ano que vem.
Com relação ao tempo que permanecerão ocupados, Neusa é direta: até que haja uma resposta positiva de Brasília.
A importância dos carros para a saúde do indígena
Os carros fazem atendimento de saúde dentro da aldeia. Transportam a equipe multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiras e técnicos de enfermagem. Também levam pacientes indígenas para fazer atendimentos, consultas em hospitais e unidades de saúde fora das aldeias. Ou seja, o acesso do indígena ao hospital é feito basicamente por meio dos carros da Sesai.
“As aldeias são muito distantes das cidades. As estradas são ruins. Dentro da nossa comunidade tem muitas pessoas carentes que dependem do carro. Se tiver carro tem atendimento, se não tiver não tem”, explica a Assessora de Saúde. Com a estrutura atual, em que faltam veículos e a demanda de atendimentos é grande, os coordenadores são obrigados a fazer uma escala de prioridade de uso do carro, e com isso pacientes perdem consultas e interrompem tratamentos, para que outros em situações de urgência tenham acesso ao hospital.
Sobre o próximo presidente
Diante das afirmativas ofensivas contra diversas minorias e com falas que apontam retrocesso na questão indígena, o Parágrafo 2 questionou Neusa Taqua com relação ao presidente eleito. Segue a sua opinião pessoal:
– Ele não pode fechar os olhos. Existem índios, existem negros, existem gays. Ele tem que respeitar isso. Acho que as pessoas vão acordar pra isso. Mesmo com tanta tecnologia e com tanto conhecimento, ao invés de a agente abrir mais a nossa mente, parece que a gente está se fechando. Acho que vai ser um momento muito difícil. Acho que a população em geral vai ter que se unir muito, não só índio, mas os negros, os gays, as mulheres. Estamos preocupados, com os olhos abertos e atentos (Neusa Kunha Taqua Mendonça Martins, Assessora de Saúde Indígena /RJ – Aldeia Rio Pequeno, Paraty/RJ)
Durante a visita da reportagem do Parágrafo 2 à sede da Secretaria Especial da Saúde Indígena na quarta-feira (30) nenhum funcionário da Sesai estava autorizado a dar entrevistas e não nos foi fornecido o telefone do coordenador da unidade para esclarecimentos.
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Os cerca de 120 indígenas (entre crianças, adultos e idosos) seguem ocupando a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai) em Curitiba até que tenham uma resposta positiva da comitiva que está em Brasília. Por meio do site eles agradecem as doações e o apoio recebido até o momento, e solicitam a quem puder que continuem enviando, principalmente, alimentos, colchonetes e cobertores. As doações podem ser entregues nos seguintes locais:
Ocupação Sesai Litoral Sul
Rua Tabajaras, 871 – Vila Izabel
Curitiba
Xondaro Arte Indígena
R. Tibagi, 333 – loja 1 – Centro
Curitiba
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