Reportagem de Tiago Nhandewa (Mídia Nativa On) e fotos de Emerson Nogueira – Especial para o Parágrafo 2.
Na foto principal: Ilson Karaí Rokaju
Cerca de 500 indígenas de onze delegações da região Sul estão presentes na 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) que acontece em Brasília (DF). Eles representam as etnias Kaingang, Guarani Nhandewa, Guarani Mbyá, Avá Guarani, Charrua e Xokleng dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O Acampamento Terra Livre começou no último dia 04 e vai até 14 de abril e este ano tem como tema “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política” e pretende reunir cerca de 8 mil indígenas de todas as regiões do país. O evento acontece no mesmo período em que o Congresso Nacional e o governo federal pautam a votação de projetos que violam os direitos dos povos originários, como o Projeto de Lei 191/2020 que abre as terras indígenas para a mineração.
O ATL 2022 está instalado no complexo da Fundação Nacional de Artes (Funarte), localizado no Eixo Monumental, na Capital Federal. Após dois anos de pandemia da Covid-19, a mobilização ocupa a capital federal não só por causa da luta dos povos indígenas, mas por todo o povo brasileiro.
Os indígenas do Sul que se deslocaram para Brasília no último final de semana fazem parte da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL), que compõe a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). O objetivo da participação é somar na luta contra Projetos de Leis que tramitam no Congresso Nacional. Além da ARPINSUL, estão presentes outras organizações de bases de diferentes regiões do Brasil como: APOINME, COIAB, ARPINSUDESTE, CGY, ATY GUAÇU e o CONSELHO TERENA.
Muitos temas estão sendo debatidos pelos indígenas durante o ATL. Entre eles estão a questão da presença indígena nas eleições de 2022; questões fundiárias e jurídicas envolvendo terras indígenas; violência contra os povos indígenas; saúde física e mental de indígenas, entre outros.
Indígenas de Guaíra falam sobre a violência que atinge a T.I. da região
Ilson Karaí Rokaju pertence a terra indígena tekoá guaçu guarvirá, que fica no município paranaense de Guaíra, na fronteira com o Paraguai e tem uma população de cerca de 4.000 mil pessoas. Ele revela que a questão fundiária da terra indígena está parada por questões jurídicas da portaria nº 418 e o Relatório circunstanciado de identificação e delimitação (RCID) foi anulado pelo presidente da FUNAI a mando justiça federal de Guaíra. As comunidades desta T.I. passam por constantes ameaças de pessoas ligadas ao latifúndio e ao narcotráfico. “Inclusive tiros foram desferidos contra os indígenas desta região. Há registros de indivíduos que adentraram as aldeias mais afastadas causando o terror e proporcionando medo em todos que vivem ali. A soja traz um problema sério em vários aspectos”, ressalta.
Outro grave problema enfrentado pelos indígenas que vivem em Guaíra é o suicídio. Segundo Ilson , esse problema teve início em 2012 a partir da criação da Organização Nacional dos Direitos de Propriedade (ONGDIP) que é uma ong formada por empresários e ruralistas e com apoio de políticos locais, como prefeitos. Ela promoveu manifestações anti-indígenas pedindo o fechamento da FUNAI e a expulsão dos indígenas de Guaíra. “Eles fizeram um panfleto dizendo que os indígenas daquela região são de origem paraguaia, além de dizer que a presença indígena naquele lugar feria os direitos dos fazendeiros locais”, conta Ilson que chegou a ser ameaçado de morte.
Os conflitos se acirraram em Guaíra e os não-indígenas ameaçavam fazer justiças com as próprias mãos, caso os não indígenas não fossem removidos do município. Houve casos de discriminação nas escolas contra crianças guaranis, destaca Ilson. A discriminação chegou inclusive ao comércio que começou a recusar vagas de emprego para os indígenas. Com toda essa situação, desde então aproximadamente 22 jovens tiraram a própria vida. Sem perspectivas de futuro e não poder dar continuidade aos estudos e outros propósitos, muitas famílias perderam indígenas em tenra idade.
E esses acontecimentos se refletiram em outras terras indígenas, dos munícipios de Diamante do Oeste, na Reserva Indígena Itamarã, onde ocorreu uma emboscada e a agressão de quatro jovens indígenas, sendo que um deles veio à óbito e o outro ficou com sequelas. Ilson revela ainda que nada foi feito contra os criminosos por falta de provas. “Foi o que a delegacia falou. O CIMI entrou com pedido de investigação, mas caso foi arquivado. Os agressores distribuíram na região um panfleto que tinha como título ‘A verdade” e colocaram uma faixa na entrada das cidades dizendo ‘Invasão indígena não combina com ordem e progresso’”, revela.
Atualmente os problemas mais ocorrentes são reflexos da pandemia, que trouxe fome por conta do desemprego e a dificuldade ao atendimento à saúde, por conta de uma equipe reduzida da SESAI.
Ilson enfatiza que a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) entrou com processo para criação de um Polo Base para prestar melhor assistência aos 4 mil indígenas. Mas um dos grandes problemas é a falta de água prejudicada pela plantação de soja matando as nascentes e rios. “O agronegócio afetou as plantas medicinais que haviam nas matas derrubadas para expansão do agro, fazendo com que os indígenas se deslocassem para outras regiões e estados a procura das plantas, os animais desapareceram por falta de floresta”, diz.
A situação em Guaíra afeta também os servidores da FUNAI. Eles foram transferidos para outras cidades após receberem ameaças. Eles, e também os indígenas, eram constantemente ameaçados e hostilizados inclusive pela Polícia Militar. “Hoje tem outros servidores que agem de forma indiferente não dão atenção, são somente dois servidores apara atender a grande população, não veículo para atender nas comunidades”, conta Ilson que reforça que o racismo ainda não acabou. “Um antropólogo de nome Antônio Pontes Pimentel foi contratado para fazer um laudo contra os indígenas, alegando que os povos indígenas haviam se extinguido com o fim das reduções jesuíticas. Um encontro de fazendeiros e políticos fez com que surgisse a ideia de que os indígenas tomariam as terras dos pequenos proprietários”, relata.
Ilson destaca a tese do marco temporal na reintegração de posse, não houve remoção por conta da ação da CGY. Empreendimentos continuaram sendo construídos, linha transmissão de energia (Kaiowa, Guaria e Ivaí), além do presidio construído na terra em processo de demarcação. “Não se constrói escola, mas se constrói presidio. Nossas vidas foram anuladas e voltamos à estaca zero, há insegurança jurídica, condições precárias, aumento de suicídio, inclusive um suicídio há três dias no centro da cidade de Guaíra, mas não há comprovação do real fato da morte”, conclui Ilson.
A região sul possui outras questões que envolvem outras povos e terras indígenas. E o ATL é o espaço para se discutir e propor soluções nesse sentido. As lideranças Kaingang das delegações que vieram a Brasília visam se organizarem para a mobilização que ocorrerá no mês de junho a respeito do julgamento do Marco Temporal.
Os indígenas da Região Sul precisam de ajuda para alimentação durante o Acampamento Terra Livre.
Doações podem ser feitas para fortalecer a luta das delegações que fazem parte da Arpinsul.
Contatos: Márcio Kokoj – (41) 99948-6532
Kretã Kaingang – (41) 99776-6426