Há muitos anos a cidade de Campo Largo, na Região Metropolitana, é ponto de parada para indígenas do interior do Paraná e de Santa Catarina. Eles vêm à região para vender artesanato no município, em cidades vizinhas e também na capital. Sem ter como pagar hospedagem, as famílias se abrigam em acampamentos improvisados durante semanas e depois voltam para suas aldeias. Já ficaram próximos ao Terminal Municipal, perto da Rodoviária, no Instituto Federal e, nos últimos meses, abrigados sob barracos de lona ao lado da Câmara Municipal. Mas a área pertence à Polícia Militar e um batalhão será construído ali. Depois de “visitas” constantes de viaturas na PM, parte dos indígenas ficou amedrontada e decidiu ocupar, no último dia 17/03, o Parque do Mate, pertencente ao governo do Estado do Paraná.
Agora os indígenas lutam para que o Parque do Mate (ou ao menos uma parte dele) seja cedido pelo Governo do Estado para que as famílias que venham a Campo Largo possam se estabelecer ali enquanto vendem seus artesanatos. Para isso aguardam uma reunião com a Secretaria Estadual da Comunicação Social e Cultura (Seec), atual administradora do Parque.
Enquanto a reunião não acontece, os indígenas tentam fazer melhorias no local (visivelmente abandonado) e torcem para que um pedido de reintegração de posse, movido pelo Governo do Estado último dia 20/03, não seja cumprido. “Nossa intenção é ficar aqui. Queremos revitalizar esse local por meio de uma parceria com o governo. Precisamos de um lugar pra ficar quando viermos vender nossos artesanatos, não podemos mais ficar nas ruas”, diz Cláudio Lucas Kygna, indígena que mora na Aldeia Ivaí, em Manoel Ribas e líder do movimento de luta para a permanência no Parque do Mate.
Relacionamento com a prefeitura de Campo Largo
Depois de abandonados à própria sorte durante anos, enfrentando frio e chuva sob condições insalubres de barracos improvisados, o desejo por um local seguro, com estrutura, banheiro, água e luz motivou os indígenas a procuraram a prefeitura municipal de Campo Largo. A principio eles queriam um terreno onde pudessem montar um acampamento com mais conforto, já que onde estavam não tinha luz, água ou banheiro.
Depois de muito insistir, e da intervenção da Vereadora Cléa Oliveira (PSB), os indígenas conseguiram uma reunião com a prefeitura Municipal de Campo Largo. Nela, eles expuseram o desejo de conseguir um lugar fixo para se instalarem e a necessidade da construção de uma Casa de Passagem Indígena, a exemplo das que existem em outros municípios paranaenses. Na reunião, a prefeitura se comprometeu a procurar um terreno para abrigar as famílias. Depois de pesquisar, a administração municipal agendou nova reunião, que aconteceu em 23/03. Dela participaram, além dos indígenas, o prefeito da cidade, Maurício Rivabem (União Brasil), secretários municipais, os vereadores João da Água (Dem), Pedrinho Baurausse (Dem) e Cléa Oliveira (PSB), membros do Ministério Público do Paraná (MPM), do Conselho Permanente de Direitos Humanos do Estado do Paraná (Coped), da Comissão de Direitos Humanos de Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná (Ale) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Na reunião, o prefeito de Campo Largo destacou que a prefeitura não tinha nem um imóvel que pudesse ceder aos indígenas. Mas que decidiram locar um terreno para que as famílias se instalassem. “O que podemos fazer neste momento é isso. Corremos atrás e conseguimos alugar um terreno com um barracão para que vocês fiquem lá. E a prefeitura é que vai pagar esse aluguel”, disse Rivabem. Dr. Marcel Jeronymo, conselheiro do Coped, destacou que várias prefeituras do Paraná, com recursos próprios custearam a Construção de Casas de Passagens. “Isso aconteceu em Maringá, Irati, Campo Mourão, Francisco Beltrão, entre outros. A responsabilidade pelo bem estar dos indígenas é da União. Mas frente à omissão da União entra o estado e se o estado for incapaz é preciso que o município assuma a responsabilidade”, ressaltou. Porém, segundo o prefeito, uma casa de passagem, neste momento, não pode ser oferecida pela prefeitura. “Não podemos fazer promessas vazias. Nesse momento não conseguimos construir uma casa de passagens, estamos em ano eleitoral e isso limita nossas ações, além disso uma construção como essa precisa de projeto, de licitação, de verbas, tudo leva tempo e planejamento”, afirmou.
O terreno encontrado pela prefeitura fica na Avenida Bom Jesus, perto do Centro de Campo Largo. No local funcionava uma empresa de reciclagens. Os indígenas não aceitaram a oferta. Um imóvel alugado é uma solução temporária e instável, como destaca Cláudio Lucas Kygna. “Não podemos ficar lá. E se a prefeitura desiste de pagar o aluguel? E se muda o prefeito? Vamos ter que voltar pra rua?”, questiona.
Polícia Militar e suas “visitas amigáveis”
As famílias acampadas próximas à Câmara Municipal receberam, durante semanas, visitas de viaturas da Policia Militar do Paraná. O local pertence ao Estado e ali será construído um Batalhão da PM. Nas rondas, os policiais deixavam claro que em breve “por bem, ou por mal”, os indígenas sairiam dali.
Os recados causaram pânico entre as famílias. Muitas voltaram para suas aldeias e outras decidiram se abrigar no Parque do Mate. Sobre a situação dos indígenas a Assessoria de Imprensa da Polícia Militar do Paraná informou, por meio de nota, que “o 17º Batalhão da PM esclarece que o terreno em questão pertence à PM há mais de 6 anos e a população indígena está se utilizando dele há menos de um ano como um ponto de apoio para o comércio de artesanato. No entanto, o local não é adequado para habitação e nem possui estrutura como água, energia e banheiros. Pensando no bem-estar dessas pessoas, a PM tentou dialogar com o grupo para tratar do tema, de maneira educada, tendo em vista o risco do local até mesmo para as crianças. A PM é cumpridora dos direitos humanos e busca sempre a preservação da lei, no entanto lembra que preocupa-se com a situação em que os indígenas estão no local”.
O Parque do Mate
O Parque do Mate está fechado desde o ano de 2011. Há construções com janelas sem vidro, sem porta e o terreno parece estar há meses sem manutenção. No local funciona o Museu do Mate, espaço que é um engenho construído na metade do século XIX e tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico Nacional (Sphan) em 1980. A área foi tem 317 mil metros quadrados, com árvores nativas e uma lagoa. O Parque foi criado em 1984 e esteve abandonado por várias vezes.
As famílias de guaranis e kaingangs decidiram ocupar o local no dia 17/03. “Nos identificamos com esse lugar. Aqui tem natureza, tem lagoa, tem pinhão, tem peixe. Queremos ficar aqui, o local está abandonado, ninguém está cuidando dele, porque não podemos ficar?”, questiona Cláudio. Maria Helena, Antropóloga da Fundação Nacional do Índio (Funai) ressaltou que essa forma de ocupação dos indígenas é totalmente legítima. “Eles se identificam com a mata, com a área do Parque, lá poderão plantar, pescar. O que me parece que está acontecendo é uma mudança de paradigma. Eles cansaram de vir pra cá apenas pra vender artesanato por alguns dias. Tudo indica que querem se instalar na cidade. E isso será muito bom para a cidade, Campo Largo só tem a ganhar em cultura e turismo com a presença permanente dos indígenas aqui”, disse.
No Parque ainda não há água encanada ou luz elétrica. Também não há banheiros, como não existe no acampamento próximo à Câmara Municipal. Eles pediram essa assistência à prefeitura, mas não foram atendidos. Sobre as demandas dos indígenas, a prefeitura municipal foi procurada pela reportagem, mas não respondeu. Já a vereadora Cléa ressaltou que seu mandato está acompanhado todas as demandas apresentadas pelos povos originários que estão em Campo Largo. “Inclusive fiu eu que agendei a reunião com o Ministério Público, Prefeito e Secretários Municipais, além de representantes do povo indígena. Tive contato com os índios e também com os representantes da Funai em meu gabinete, pois respeito muito toda a história, toda a cultura e todo indígena. Estou sempre em contato com a prefeitura para solicitar que as demandas apresentadas sejam supridas dentro do possível, e o executivo apresentou o imóvel para locação, para abriga-los. Conforme retorno dado pela prefeitura municipal, o Poder Executivo de Campo Largo possuí várias limitações referente ao Parque do Mate, por pertencer ao Governo do Estado do Paraná e o município não pode interferir ou entrar dentro do parque para atender as solicitações, já que a área não é municipal. Devido a essa situação, aguardamos também a manifestação do Estado para que auxilie no cuidado para com os índios”, disse a vereadora.
A administração atual do Parque do Mate é de responsabilidade da Secretaria Estadual da Comunicação Social e Cultura (Seec). Por meio de nota a Secretaria informou que “O imóvel ficou sob a gestão do Município de Campo Largo no período de 2014 até 18 de agosto de 2021, quando fez a entrega das chaves. Desde então, o governo estadual está trabalhando visando a melhor destinação para imóvel, o que culminou com a publicação da RESOLUÇÃO CONJUNTA Nº 01/2022 – SECC/SEAP/SEDEST/PRTURISMO com membros da Secretaria de Estado da Comunicação Social e Cultura, Secretaria de Estado da Administração e da Previdência, Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo, e Paraná Turismo, os quais tem por competência “realizar e apresentar o estudo de gestão, avaliação e demais procedimentos relacionados ao Parque Histórico do Mate, dos bens tombados, Museu do Mate e Moinho do Mate”. Esse processo ainda está em andamento”.
A Seec afirmou também que uma reunião com os indígenas estava agendada para acontecer no dia 12/04/2022 com membros do Grupo de Trabalho, Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social – Sudis, Casa Civil e Ministério Público do Paraná. Em virtude das chuvas que aconteceram nesta data, a reunião foi transferida para próxima semana, em data a ser definida.
E sobre o pedido de Reintegração de Posse do Parque do Mate (Processo 0002133-47.2022.8.16.0026) movido pelo governo do Estado do Paraná em 20/03/2022, a Secretaria ressaltou que o processo está em andamento e haverá uma definição após a reunião com as lideranças indígenas.
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