Com informações da RFI
Fotos: Divulgação
Nesta quinta-feira (09) aconteceu, na cidade de Paris, a primeira audiência do processo que Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) movem contra o varejista francês Casino, presente no Brasil pelo Grupo Pão de Açúcar. A rede Casino é acusada de vender, na França, carne de origem ilegal e proveniente de terras indígenas do Brasil.
Um grupo formado por indígenas brasileiros, entre eles Kretã Kaingang que é coordenador executivo da Apib, organizador do Território Indígena da Floresta Estadual Metropolitana e pré-candidato a deputado estadual, está na capital francesa e realizou protestos em frente ao Tribunal de Paris. Os protestos foram coibidos pela polícia.
Apib, Coiab e Fepipa acusam a multinacional de não cumprir uma lei pioneira da França, de 2017, segundo a qual as companhias com mais de 5 mil funcionários têm um “dever de vigilância” quanto a violações ambientais e dos direitos humanos nas suas filiais pelo mundo. As organizações denunciam que o Casino, com suas marcas locais no Brasil e também na Colômbia, comercializa carne como resultado de desmatamento ilegal na Amazônia, incluindo em uma reserva indígena dos povos Uru-Eu-Wau-Wau.
Depois de uma advertência enviada ao grupo francês em 2020, as organizações entraram com um processo contra o varejista em março de 2021. Na audiência nesta quinta-feira, uma reunião de mediação judicial ficou acertada para julho. Se não houver acordo, o calendário processual será detalhado em setembro.
A queda de braço entre os dois lados deve se focar nas provas de que produtores que atuam sobre áreas desmatadas ou ocupadas ilegalmente foram parar na cadeia de fornecedores do frigorífico JBS, que vende a carne para o Pão de Açúcar. O Casino alega que até hoje não recebeu os detalhes sobre quais seriam esses pecuaristas irregulares, apesar de ter feito o questionamento no âmbito do processo.
Um relatório do Centro para Análises de Crimes Climáticos (CCCA), baseado em Haia (Holanda) e divulgado na semana passada, aponta que os produtores foram responsáveis pelo desmatamento ilegal de 50 mil hectares da Amazônia. O coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena, ressaltou à RFI que imagens de sensoriamento remoto identificaram mais de 25 mil cabeças de gado em reservas dos Uru-Eu-Wau-Wau ilegalmente ocupadas, em Rondônia. Ele afirma que 37 fornecedores dessa zona entregaram carne para os frigoríficos da JBS e, na sequência, o produto parou nas lojas do Casino.
“Não existe um protocolo único no setor da carne, que reúna toda a cadeia, apesar de existirem vários diálogos entre o chamado G6, os três principais frigoríficos e os três principais varejistas, entre eles o GPA, que vem discutindo para tentar chegar num protocolo. Cada um acaba tendo um compromisso e uma prática próprios”, aponta Fabíola Zerbini, da força-tarefa de rastreabilidade da carne da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. A entidade reúne mais de 300 organizações, empresas e especialistas engajados com uma agricultura sustentável. A JBS e o Grupo Pão de Açúcar (GPA) integram a iniciativa.
“No Brasil, é difícil você trazer uma informação padronizada sobre a carne. Muitas ações vêm acontecendo, sim, mas a cadeia da pecuária é enorme”, salienta Fabíola, por telefone. “Tanto JBS, quanto Marfrig e quanto Minerva têm políticas, mas não para a gente afirmar que elas estejam cobrindo 100% da cadeia. Não estão. E essas políticas não estão sendo regulamentadas ou monitoradas por nenhum sistema que vá além do seu próprio”, explica.
Alerta internacional
“A lei francesa faz com que as multinacionais se responsabilizem. No Brasil, as leis não são cumpridas, mas aqui na Europa elas existem e podem o ser”, comenta Edilena Krikati, conselheira da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e também presente no protesto.
“Talvez as pessoas aqui desconheçam totalmente a realidade brasileira e dessas empresas europeias e francesas lá, em que a atividade parece legal, mas não é. Já é uma vitória o fato de chamarmos a atenção para isso e alertar as pessoas na Europa, mesmo que a Justiça talvez seja lenta”, afirma.
Dinamam Tuxá reconhece que não foram criados mecanismos legais no Brasil para que a rastreabilidade do gado ocorra como deveria, mas avalia que essa falha não pode servir de desculpa para multinacionais estrangeiras não fazerem a sua parte para a proteção das florestas e dos povos indígenas no Brasil. “Eles podem até estar cumprindo a legislação brasileira, mas não estão cumprindo a francesa”, acusa.