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HOMEM É FODA! Uma crônica sobre a correria nossa de cada dia

Falta pouco para as 17h. Horário que a agência de correio fecha as portas. Começa a chegar muita gente.

A agência tem três balcões para atendimento, seis cadeiras para os clientes – das quais duas eram para idosos ou deficientes físicos. Ocupo uma das quatro cadeiras restantes. O número da minha senha é 126.

O painel indica o número 119. Apenas dois atendentes trabalham. Ambos ocupados com clientes que despachavam caixas de diferentes tamanhos e pesos. A espera é grande e o tempo parece não passar.

Sentada como numa plateia, observo os que chegam “quase em cima”, faltando cinco minutos para o fechamento da agência. Trazem em suas faces aquele ar de alívio, como quem atravessa uma linha de chegada imaginária, suspirando um “Ufa! Deu tempo!”

Infelizmente esse corre-corre contra o tempo não acontece apenas nos correios. Ocorre em festas, batizados, aniversários, confraternizações, declarações de imposto de renda… coisas de São Paulo ou de qualquer cidade grande? Coisas de brasileiro e sua fama de sempre comprar briga com o relógio?

A senha no painel não mudava. Permanecia no 119. Os que esperam ficam agitados e a fazem burburinhos e muxoxos: — Que demora! Meu Deus! Não tem mais ninguém para atender!

A chegada de uma mulher rompe os sussurros. De forma impetuosa, entra na agência, chamando a atenção. Dirige-se ao atendimento e faz alguma pergunta.

Em seguida, sai em disparada! Em menos de um minuto, volta à agência correndo novamente, trazendo em numa das mãos uma grande caixa de papelão. Parece meio atrapalhada. Carregava bolsa e duas sacolas plásticas cheias.

Parece que tudo o que fazemos está em torno do tempo e da falta dele. Não lembramos que ele é nosso primeiro (e provavelmente será nosso último) patrão. Temos o tempo de nascer, de crescer; de pagar as contas… Quando as coisas dão errado, “não era o tempo certo”… quando terminamos um relacionamento, “o tempo cuida de tudo”. E quando menos esperamos – de tanto nos preocupar com o tempo que nos resta – ele acaba.

Sentou-se. Colocou no chão as sacolas e a caixa de papelão. Sobre o colo, num movimento rápido e brusco, coloca a bolsa e abre o zíper. Ainda agitada, tira de dentro uma montanha de papéis. Era possível ouvir sua respiração. Rapidamente – e ofegante – olha e folheia um por um!

— Homem é foda! Eu falei pra ele, deixa tudo arrumado! Não tem nem o endereço! Cachorro! Canalha! O que adianta a gente corrê, querê ajuda se homem é foda mesmo!?”

Vira-se para mim e conclui: “Fala sério! O cara te pede pra fazer isto e aquilo, você já tem um monte de coisa pra fazer na rua. Corro pra vir no correio e ele nem deixa o endereço comigo! Homem é foda ou não é?”.

Quieta e sentada, passo a ser integrante de uma história desconhecida.

Fico sem jeito. Abro um sorriso leve e forçado, mais estranho do que o da Monalisa. Ela, ainda agitada, vira-se para o rapaz que estava à sua direita: “Cara, homem é foda mesmo! Sem a gente eles não são nada!”.

A insistência daquela mulher em puxar assunto com qualquer pessoa, mesmo que desconhecida, me intriga muito: quantas pessoas não procuram um companheiro de prosa por não conseguirem travar um diálogo dentro das próprias famílias? O ser humano às vezes esquece de se comunicar. Seria a falta de tempo?

O rapaz, que também continha uma senha em suas mãos, não mexe um músculo a não ser de sua face, ao abrir um largo sorriso:

— Homem é foda mesmo! Sem a gente vocês não se fodem! E foder é bom demais!

De repente, todos se envolvem em alguma conversa paralela e se ouve risos baixinhos.

Fim de papo para ela, que ficou calada!

O painel eletrônico toca e mostra o número 126. Desgrudo meu corpo da cadeira, dou um passo adiante e paro:

Ela, a mulher desconhecida levanta-se, pega as duas sacolas, empurra com os próprios pés a caixa de papelão para um canto da loja, mostrando certa raiva, dirige-se à porta e esvai-se… Da mesma forma impetuosa que sua entrada!

 

Por Ssmaia Abdul,

Orientação de Victor HugoDde Oliveira Bin

 

About Ssmaia Abdul

Ssmaia Abdul é Psicologa formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mora em São Paulo e tem especialização em Jornalismo Literário .