Foto principal: Ateliê de escritos, Jardim do livro, LIVAKTE – Crédito: ANA
Foi em um país cercado por máfia e gangues que encontrei Jacob Jean-Jacques, o responsável de marketing do LIVAKTE. Esta é a oitava edição, neste ano, do “LIVAKTE Camping” e me pergunto se não é melhor desistir e todo mundo ficar em casa, como a situação parece exigir? Os “Anápiens” (membros da ANA) não se esquivam das dificuldades tão facilmente (eu deveria ter me lembrado disso). E, de acordo com Jacó; mesmo em tempo de guerra em um país, o aprendizado e o trabalho da cultura não devem ser ociosos.
Fui convidado a entrar em Petit-Goâve pela porta dos fundos. Martissant tornou-se, já há algum tempo, um pátio que se atravessa andando nas pontas dos pés para não correr o risco de acordar os sequestradores que cochilam entre dois estupros e um sequestro.
Enquanto o país inteiro está mergulhado em um caos inédito, LIVAKTE está lentamente tomando forma. Os convites já foram enviados, as pessoas estão retirando as barracas do fundo da garagem e se preparando para acampar no “Jardin du Livre”, na pequena comunidade de Marose, não muito longe da grande lagoa de Miragoâne. Eles vão acampar lá de 26 a 30 de dezembro.
Para quem está a se perguntar sobre o conceito LIVAKTE, (em francês “Livre-avec-thé”, portugues “Livro-com-chá), ele é o resultado de um trabalho que foi atribuído a um grupo de jovens estudantes da ANA (Atelier des Apprentice Narrators/Ateliê dos Aprendizes Narradores), em 2013. Eles foram convidados a pensar em um projeto cultural que reunisse pessoas da cidade e do campo/ambiente rural em torno da literatura e da natureza.
No início, a atividade durava apenas um dia. Passamos o dia no Jardin du Livre (Jardim do livro) e à noite nos refugiamos na Rue Enterrement (Rua Enterro) para tomar chá, entre outras atividades culturais. Alguns anos depois, em 2018, tornou-se um Camping, um encontro imperdível em Petit-Goâve. Jacob sublinhou que a ideia do camping era de uma conhecida belga (do projeto de livros solidários do CARE Haiti) que havia participado da primeira edição do LIVAKTE: Sra. Antoinette Deconnick. Além disso, no jardim de LIVAKTE flutua esta bela filosofia de um espírito puro em um corpo puro.
Acreditamos que no Haiti, no momento, os livros são escassos, enquanto as armas estão por toda parte. As plantas medicinais sempre estiveram presentes em algum lugar, um pouco mais no campo, é claro. Na ausência de serviços públicos de saúde, os camponeses enfrentam sozinhos as doenças mais comuns: gripe, muitas vezes febre; preferem tomar chá regularmente. Uma verdadeira estratégia de prevenção e resistência ao sistema.
O menu do “LIVAKTE Camping”, este ano, é bem rico. De vez em quando, paramos no Jardin du livre para nos divertir, rir, fazer um check-up de saúde e um diagnóstico de seu estado mental. Quanto mais curioso você for, melhor fica. Existem feiras de livros, pinturas, plantas medicinais; ateliê de reflexão, leitura e escrita; corridas de cavalos e a pé, passeios, entre outras atividades culturais, jogos tradicionais haitianos também, um pouco mais tarde, sob o céu estrelado de Natal. É assim que LIVAKTE fortalece o vínculo entre pessoas de diferentes categorias e classes sociais.
Não termina ainda aí. Na noite de 29 de dezembro, LIVAKTE CAMPING anuncia um grande desfile de moda. A oportunidade para a AGUAVA (Agência que reúne moda, história e cultura) lançar um grande concurso que aliará moda e literatura, sob o tema: “Dantan”/antigamente. AGUAVA é também o antigo nome de Petit-Goâve e Grand-Goâve quando eram só uma cidade. Moda que entra na sala de história.
O “Jardin du livre”, para dar uma volta na sua história, também é um espaço reservado para projetos muito mais ambiciosos do que isso. Além disso, trata-se de uma doação de alguns camponeses da comunidade de Marose à ANA, inicialmente, o espaço está agora à disposição da ENVIE (Les éditions Enfants du Village/Editora Crianças da Aldeia). A jovem edição pode usá-lo para suas atividades enquanto ele existir. Já por ocasião desta edição do LIVAKTE CAMPING, a equipa da Livakte lança o seu primeiro “coumbite” de construção para o primeiro ateliê da residência cultural “Man Yeye” no Jardim do livro.
Até então, conversamos baixinho sobre LIVAKTE, Jacob e eu. Petit-Goâve parece ser menos afetada pelo controle das gangues, por assim dizer. No entanto, ela não escapou completamente da crise. A cidade havia acabado de passar duas semanas em estado de choque. Onde todos quase se fechavam em casa. As pessoas mal estão saindo agora, ainda um pouco desconfiadas.
Isso não muda o plano, confirma Jacob. Como de costume, personalidades notáveis da comunidade de Marose realizarão uma brigada noturna, que se revezará operando durante o evento. Nada de um grupo armado. Não chegamos lá, em Petit-Goâve.
Como prometido, a missão do “LIVAKTE Camping” segue o seu objetivo: participar na democratização da cultura em um país onde parece haver uma boa distância entre as pessoas da cidade e as do campo. LIVAKTE pretende ser a ponte que levará a uma solução para este problema social.
Nada acontece por acaso no LIVAKTE. Este ano, os temas que vão ser discutidos nas ateliês de reflexão não são triviais: “Yon leta pòv nan yon peyi rich. (Um Estado pobre em país rico.) ”; “Agresyon e asèlman seksyèl. (Agressão e assédio sexual.) ”. Aconteça o que acontecer, a equipe do LIVAKTE faz de tudo para segurar a tocha da cultura em Petit-Goâve. Já me entristece não poder voltar a passar o Natal em Petit-Goâve este ano.
“Jacob me informa sobre sua preocupação em realizar a nova edição do LIVAKTE CAMPING internacional, contando-me os passos que começa a manter para parcerias com elementos relevantes do ambiente universitário brasileiro.”
Carlile Max Dominique Cérilia