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“Fiz o filme como uma forma de continuar conversando com ele, continuar escutando sua voz”

“Sei que sou um inútil total, não sei fazer nada, que tentei desenhar, pintar e nunca consegui sair de uma mediocridade escandalosa, quis ser jogador de futebol e era um perna-de-pau, quis ser santo e era um pecador inevitável, era de fracasso em fracasso e escrever é o  que mais ou menos consigo, então não posso ficar sem escrever, porque além do mais eu gosto, pra mim não é um suplício escrever, escrever é uma festa”. Essa fala é do escritor uruguaio Eduardo Galeno, em entrevista concedida ao Programa Sangue Latino, do Canal Brasil, no ano de 2009. E é com ela que começa o documentário “Vagamundo”, filme de Felipe Nepomuceno lançado no início deste mês  em Fortaleza. A produção foi uma das sensações do Cine Ceará-Festival Iberoamericano de Cinema de 2018.

O documentário traz nomes como Paulo José, Mia Couto e Ricardo Darín lendo e interpretando textos de Eduardo Galeno, um dos maiores escritores da literatura mundial, falecido em 2015. A obra é uma espécie de “elogio à saudade”, ou como seu diretor diz, “uma maneira de manter Galeano vivo”.

Felipe Nepomuceno é diretor da série Sangue Latino, exibida pelo Canal Brasil. Seu pai, Eric Nepomuceno, jornalista e escritor, é o apresentador da série e o tradutor dos livros de Eduardo Galeno para o português.

Ao Parágrafo 2 Felipe fala sobre o Vagamundo, as lembranças de Galeano, os textos e a produção do documentário. Confira.

Parágrafo 2:   Creio que escolher falar sobre Eduardo Galeano, fazer um documentário sobre ele, não foi difícil pra você, já que a relação do escritor com sua família, especialmente na figura de seu pai, Eric Nepomuceno, vem de longa data. Mas em qual momento específico você decidiu gravar um documentário sobre o uruguaio? Foi logo depois de sua morte?

Felipe Nepomuceno: Recebi a notícia da morte do Galeano através de um telefonema, no próprio dia, de manhã cedinho, enquanto fazia o credenciamento para o Festival É Tudo Verdade, em um hotel na Avenida Paulista. Estava participando do Festival com um curta-metragem chamado “Caetana”, no qual o Ariano Suassuna conversa sobre a morte. Naquele momento saí para caminhar pela Avenida e antes de chegar no fim do primeiro quarteirão já sabia que tinha que fazer o filme, não tinha outra alternativa.

Parágrafo 2: Li, em uma crítica sobre o Vagamundo, que você não tem intenção de explicar Galeano, pelo menos não no sentido didático da palavra, durante o documentário. Quais foram os principais objetivos do filme, então?

Felipe Nepomuceno: Fiz o filme como uma forma de continuar conversando com ele, continuar escutando sua voz, ter ele por perto e matar a saudade,

mas no fundo o objetivo do filme é uma utopia, porque a morte não tem volta.

Parágrafo 2: O documentário reúne grandes nomes como Mia Couto, Ricardo Darin e Paulo José. Todos imbuídos da tarefa de interpretar um texto de Galeano. Que tipo de critérios você adotou pra escolher esses personagens?

 Felipe Nepomuceno: Gravei com cerca de 30 pessoas, buscando mais leituras do que intepretações, utilizando diversos critérios, como a proximidade em relação ao Galeano e sua obra, mas também pela curiosidade de ver certas pessoas lendo seus textos, como o Francisco Brennand, por exemplo. Outros leitores têm uma forte ligação com pessoas sobre as quais o Galeano escreveu, como é o caso do João Miguel, que tem uma peça dedicada ao Arthur Bispo do Rosário e o Armando Freitas Filho, grande admirador de Emily Dickinson. Mas talvez o principal critério tenha sido mesmo a intuição, difícil de explicar.

Parágrafo 2: E quanto aos textos. Há muitos narrados por Eduardo Galeano em primeira pessoa, mas tantos outros trazem o olhar único e marcante do uruguaio que parecia trazer um final surpreendente para tudo o que relatava. Diversos que parecem terem sido observados por ele do alto, de fora do lugar comum, como o homem do povoado de Neguá. Os textos que aparecem no documentário se atêm apenas ao livro “Vagamundo”, ou encontramos também textos de outras obras? Como foi escolher os textos usados no documentário em um universo literário fabuloso como o do Galeano?

Felipe Nepomuceno: Li e reli toda a obra literária dele e selecioneis textos de diversos livros. Desde “Vagamundo”, até “O caçador de histórias”, publicado um ano após a sua morte, em 2016.

A escolha se deu pela emoção. Ia lendo e quando chorava, selecionava. Se tivesse feito o filme meses antes ou meses depois muito provavelmente teriam sido outros textos, mas aqueles tinham a ver com o que estava vivendo e sentindo no em momento que li.

Muitas leituras acabaram ficando de fora do filme. Foram mais de 50 gravações, que pretendemos disponibilizar na internet, junto com as que entraram na seleção final do filme, onde me guiei pelo ritmo e pela relação de umas com as outras, com as imagens e com a entrevista do Galeano.

Eric e Felipe Nepomuceno

 

Parágrafo 2: Sobre a produção: Quanto tempo você levou pra gravar, em quantos países vocês filmaram? Como foi o processo de produção e como você viabilizou financeiramente o documentário?

Felipe Nepomuceno: Desde a primeira leitura que gravamos, com o Mia Couto em 2015, até as últimas em 2017, foram 2 anos de filmagens. Utilizamos imagens gravadas anteriormente, para a série Sangue Latino, e voltamos para Montevideú, para fazer novas imagens da cidade e da casa dele. Ao todo são 5 países: Argentina, Brasil, México, Portugal e Uruguai. O filme foi feito com uma equipe mínima e uma estrutura muito simples, viabilizada através de uma co-produção com o Canal Brasil.

A escolha se deu pela emoção. Ia lendo e quando chorava, selecionava

Parágrafo 2: O que vi sobre o documentário se resume apenas ao trailer. Assim, se posso resumir o sentimento passado a mim por meio do trailer, ele é “saudade”. É possível, pra você, definir o documentário por meio de um sentimento?

Felipe Nepomuceno: É esse mesmo (“saudade”). E também “gratidão”, por ter conhecido o Galeano e ter tido a colaboração de tantas pessoas para fazer o filme.

Parágrafo 2:  As exibições do documentário se estenderão pelo país? Há previsão para a estreia no Sul?

Felipe Nepomuceno: Ainda não temos previsão de novas exibições. Estamos enviando para diversos festivais de cinema, mas é sempre uma incógnita.

Ia ser lindo conseguir entrar no circuito de salas comerciais e exibir o filme para o grande público, principalmente no Sul do Brasil, onde o Galeano tem um grande número de leitores.

Parágrafo 2: Existem planos para que o documentário seja disponibilizado na internet em alguma plataforma streaming, ou mesmo no Youtube?

Felipe Nepomuceno: O filme tem garantida a exibição no Canal Brasil, ainda sem data marcada. Na sequência, deverá também estar disponível em plataformas digitais e VOD.

Confira o trailer de Vagamundo

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.