É isso. Então virei o alvo dessa onda de interesse que persegue tudo o que parece, de perto ou longe, a um intelectual haitiano que vive fora do seu país. Meu amigo jornalista, José Pires do Parágrafo 2 (uma modesta mídia online que rastreia e decifra tudo o que acontece na vida social e politica brasileira), quer saber se eu tinha algo a dizer sobre o brutal assassinato do presidente Jovenel Moïse. Eu deveria, pelo menos, escrever um artigo sobre o assunto. Não é totalmente culpa dele ter pulado em mim desse jeito pela garganta. Poucos dias antes do assassinato do presidente, falei com ele sobre o meu desejo de reagir sobre a violência incrível que assola o Haiti.
Outros amigos, entretanto, oferecem-me “pêsames”. Percebi então, de uma certa forma, que estava intimamente ligado ao presidente. Eles também queriam saber um pouco mais sobre a situação do assassinato. Eles queriam detalhes que eu não tinha. A verdade, é que eu não sabia mais do que o que meu irmão Russel me disse quando me acordou cedo na manhã do assassinato, falando assim com uma grande tristeza no rosto: “Nosso presidente foi assassinado essa noite!” Aí nada mais… Ficamos em silêncio por um tempo. O leitor acabou de perceber que fiquei tão surpreso com a notícia quanto ele.
Antes de prosseguir, gostaria de esclarecer um fato para o leitor. Um intelectual haitiano é aquele que corajosamente cruzou a grande savana desolada observando pausas circunstanciais para meditar; exílio, prisão ou morte. Vou ter, pelo menos, que passar por isso primeiro para chegar a essa altura. Dany Laferrière ou Jacques Stephen Alexis, podem se gabar de tal posição. No momento, sou simplesmente um poeta exilado. Acho, na verdade, que meu amigo José se interessa por mim por esse motivo.
Este assassinato mais uma vez coloca Haiti no centro das atenções. Obviamente, vamos falar dele como costumamos fazer no cenário internacional. Pobre Haïti! Temos que ajudá-lo a sair de lá. Sempre a ajuda volta no bolso de quem a ofereceu. Acredito que o Haiti já viu eventos suficientes para finalmente ser capaz de assumir o comando.
O leitor acabou de sorrir. Como um povo pode assumir o comando quando nem o seu presidente está imune? É o privilégio de estar do lado certo do globo. Ao longo de sua existência, o povo haitiano nada fez além de se esquivar de todos os ataques da comunidade internacional e de seus líderes corruptos. Enquanto conversamos, todo o Haiti está caçando os assassinos do presidente Jovenel. Um povo que busca, entre dois assassinatos, o de Dessalines e o de Jovenel, e mais de dois séculos de tentativas frustradas, de encontrar sua identidade. (Não pense que estou tentando comparar os dois personagens…) De uma certa forma aqui, queriam que eu fosse testemunha dos fatos do que aconteceu no Haiti. Acredito que perdi esse privilégio desde pelo menos três anos, quando deixei o Haiti passando pela pequena janela da imigração.
Sabemos pelo menos que esses mercenários são em sua maioria estrangeiros, colombianos. Não aqueles que ordenaram o assassinato. Uma coisa é certa, é que pelo menos três condições devem ser cumpridas para alguém (ou um grupo de pessoas) ousar cometer o assassinato de um presidente dum país do terceiro mundo; sentir-se constrangido por ele, acreditando-se acima dele e de sua legitimidade e a do seu povo (embora o mandato do presidente Jovenel terminasse meses antes de seu assassinato), e podendo pagar o preço por tal operação.
Você acabou de perceber que o caso é mais complicado do que isso. Quem realmente se interessa pela situação no Haiti sabe que há pelo menos dois anos que as balas comemoram nas ruas e em plena luz do dia. As gangues armadas paralisaram todo o funcionamento do país e o dividiram em várias zonas de não-direitos. Também sabemos que o presidente Jovenel (assim como o seu regime político, PHTK) foi contestado porque a população suspeitava que ele estivesse em conluio com as gangues. A festa acabou se convidando para a residência do casal presidencial então.
Tenho a impressão de que agora no Haiti, entendemos que ninguém está seguro, afinal. Agora, três dias após o assassinato brutal do presidente Jovenel Moïse, a população reclama as cabeças dos responsáveis. Ela própria acompanha a polícia na perseguição dos mercenários, capturados então, dois ou três foram mortos. Mas até agora, nenhumas grandes cabeças foram chamadas pela justiça haitiana que talvez esteja esperando o apoio da comunidade internacional… Uma grande investigação a seguir.
Carlile Max Dominique Cérilia