Por José Pires
Colaboração e foto: Emerson Nogueira
Há um ditado venezuelano que diz: Amanecerá y veremos (vai amanhecer e veremos). Ruan (nome fictício) é a personificação desse aforismo. Ele e a família estão dormindo nas calçadas de Curitiba há duas semanas e a incerteza é companheira insistente nas longas noites de vigília. Ruan é patriarca de uma das famílias de venezuelanos que hoje se encontram em situação de rua na capital paranaense. Com ele vagam cinco adultos e duas crianças.
Eles vieram da cidade de El Tigre que fica no estado de Anzoátegui, o sétimo maior dos 23 estados venezuelanos. Ruan e seus familiares saíram do país caribenho e entraram no Brasil por Roraima. Vieram de avião para Curitiba gastando o pouco dinheiro que traziam. Hoje a família sobrevive dos trocados que consegue arrecadar nos semáforos da Vila Hauer. “Sou venezuelano preciso trabalho ou uma ajuda do coração para meus filhos (sic)”, diz um pedaço de papelão que Ruan e seu irmão impunham a cada 30 segundos na tentativa de sensibilizar motoristas.
No país que contabiliza mais de 14 milhões de desempregados Ruan sonha em conseguir trabalho. “Não queremos esmola, não queremos ficar na rua, nem em abrigos. O que queremos é um emprego para nos sustentarmos”, diz.
Segundo o “Painel Interiorização” da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), mais de 46 mil venezuelanos foram interiorizados no Brasil desde o início da crise humanitária no país vizinho. Curitiba é a segunda cidade que mais recebe esses imigrantes, ficando atrás apenas de Manaus. Segundo a Acnur, na capital paranaense vivem hoje cerca de 3.000 venezuelanos.
A coordenação da Cáritas Brasileira Regional Paraná – que faz parte de uma confederação de 162 organizações humanitárias da Igreja Católica que atua em mais de duzentos países- esclarece que a região sul como um todo é vista como um local de grandes possibilidades de integração laboral, por isso tem se destacado no cenário nacional dentro do programa de interiorização do governo federal. “Curitiba é considerada uma cidade com uma boa qualidade de vida, bom clima e oportunidades de trabalho. Além disso, muitas pessoas vieram para Curitiba e acabam recebendo mais pessoas da própria família e amigos”, diz a confederação.
A Cáritas ressalta que para imigrantes em situação de vulnerabilidade o Alto Comissariado da Nações Unidas para Refugiados firma acordos de parceria com organizações da sociedade civil e seus apoios para as situações de refúgios se dão por meio dos serviços prestados por esses parceiros. “A assistência relaciona orientar e garantir que as pessoas em situação de refúgio acessem os serviços públicos como assistência social, saúde, educação e outras políticas sociais”, ressalta a coordenação. Também, conforme a confederação, no âmbito da assistência pode ser concedido a esses imigrantes um apoio financeiro para atender as situações emergenciais e para suprir as necessidades básicas, mediante avaliação da assistente social da organização parceira. Essa rede de apoio pode também auxiliar na integração laboral na busca pela colocação no mercado de trabalho formal. Outra ação, destaca a Caritas, é o advocacy junto ao poder público local para garantir o acesso dessa população às políticas sociais.
Sobre a família de Ruan, a Cáritas diz que a assistência social orienta e encaminha imigrantes em situação de rua para os serviços de acolhimento. “Mas não dá para avaliar de forma rasa. Cada caso é um caso. Por vários fatores que envolvem o acolhimento institucional e por todos os desafios que envolve a migração, muitas famílias optam por ficar em situação de rua do que se separar, porque os acolhimentos não podem receber famílias inteiras no mesmo ambiente onde tentam adultos junto com crianças. Tudo é muito complexo para avaliar a partir de um caso. Todos os esforços são feitos para que as famílias, especialmente quando estas envolvem crianças, não ficarem nessas condições”, completa a coordenação.
Xenofobia e “hostilidade”
Ruan pediu para não ser identificado com seu nome verdadeiro porque, segundo ele, outros venezuelanos que já estão estabelecidos em Curitiba podem hostilizar a família recém-chegada. A Cáritas revela que todas as organizações que desenvolvem o trabalho com migrantes e refugiados têm conhecimento dessas situações. São muitos casos como este acontecendo em todo o país. “Não é uma situação que acontece somente aqui. A ‘hostilidade’ é uma reação para que a comunidade local não estigmatize a população venezuelana que está aqui, fortalecendo assim um processo xenófobo. As pessoas tendem a comparar como se todos/as fossem iguais por isso há um medo e preocupação para que eles não sejam discriminados. Os migrantes também se preocupam com a imagem que as pessoas podem criar desses irmãos/ãs migrantes que estão nessas condições”, esclarece.
Mesmo que os outros imigrantes usem dessa controversa estratégia para preservar a comunidade venezuelana da xenofobia, a família de Ruan não sairá ilesa dos duros dias que tem vivido nas ruas. “Ainda têm muitas pessoas que demonstram solidariedade e ajudam. Mas muitas têm preconceito e nos desprezam. Estar em situação de rua e pedir nos faróis é uma das piores situações que poderíamos viver, não gostaria de estar nesta situação e tudo o que procuramos é um emprego e uma casa para morar”, completa o imigrante.