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Estudantes em protesto em frente o Colégio Estadual Ivo Leão. Fonte: UPES

Escolas cívico-militares no Paraná: qualidade de educação ou projeto político?

Kauê Avanzi

Rafaela Lúcia Miyake

A educação paranaense está sofrendo mais um duro golpe. Para além da plataformização da educação, que criou um ambiente de insalubridade pedagógica para professores e estudantes da rede estadual de ensino, ao fim do ano, quando acreditávamos que iríamos encerrar o ano letivo sem mais surpresas, a Secretaria de Educação do Estado anuncia a militarização de 127 escolas em todo o Estado, segundo a APP-Sindicato. Entre os dias 28 e 29 de Novembro está ocorrendo a consulta a estudantes, pais e professores ratificarem ou não o processo de militarização. Desde então, um clima de terror se instalou nas escolas que estão dentro do processo de mudança, uma vez que diversas formas de assédio tem sido cometidas contra quem se coloca contra as mudanças propostas, levando a o sindicato dos professores a uma ação junto ao Ministério Público do Trabalho do Paraná devido a práticas anti-sindicais, impedindo, inclusive, que sindicalistas acompanhassem e fiscalizassem as consultas.

Tal processo se dá em continuidade ao projeto de militarização de escolas iniciado pelo Ministério da Educação na gestão de Jair Bolsonaro, que aplicado estadualmente militarizou em 2019, quando ainda estávamos vivendo os horrores da pandemia, cerca de 200 escolas. A pesquisadora paranaense Joselita Romualdo da Silva, em seu artigo formação de corpos dóceis nos colégios cívico-militares no estado do Paraná1 diz que atualmente temos 2.111 escolas estaduais, das quais 207 adotam a gestão cívico-militar, ou seja, cerca de 10% da rede, tornando o Paraná o Estado com o maior número de escolas militarizadas do país. Estas estão dispostas conforme o mapa abaixo:

Mapa elaborado por Rafaela Lúcia Miyake (2023)2

A controversa expansão do modelo, em um momento em que não houve sequer um debate de qualidade com os trabalhadores da educação, estudantes e comunidades escolares, coleciona polêmicas. A princípio os argumentos propagandeados pelos próprios funcionários da secretaria de educação nas escolas, apontam que as escolas de gestão cívico-militar possuem melhores indicadores índices como o IDEB (Ińdice de Desenvolvimento da Educação Brasileira). Mas não se trata de aprendizagem, já que estes índices podem ser facilmente manipulados, conforme nos evidenciou matéria do dia 16/10/2023 no Jornal Plural3, onde a exclusão de cerca de 100 mil estudantes e a extinção do período noturno de escolas garantiu o aumento de índices de educação do Estado. E o mesmo pode estar ocorrendo com as escolas cívico-militares. Segundo dados do Censo Escolar de 2022, a rede pública de ensino do Paraná conta com 7.699 unidades escolares das quais 195 unidades estão sob a gestão da Polícia Militar. Na tabela abaixo é possível visualizar a quantidade irrisória de colégios cívico-militares se comparada com toda a rede estadual.

TABELA 1: Turmas e matrículas do modelo estadual do Paraná

GRÁFICO 1: Infraestrutura rede pública de ensino do Paraná.

GRÁFICO 2: Infraestrutura dos Colégios Cívico Militares do Paraná

Podemos notar a disparidade que existe na questão estrutural de escolas militarizadas em relação a rede estadual como um todo. Com base nos gráficos acima é possível visualizar que 80% dos CCMPR possuem laboratório de ciências enquanto apenas 20% de toda rede pública do Paraná contam com esse equipamento, ao mesmo tempo quase 100% das unidades possuem biblioteca e laboratório de informática, enquanto um pouco mais de 50% e 40% da rede estadual contam com tais equipamentos respectivamente.

Do mesmo modo, a discrepância socioeconômica dos estudantes pode ser indicativa para o bom aproveitamento das aulas e, consequentemente, da aprendizagem. Não se pode, portanto, esquecer o conjunto de condições anteriores que o aluno traz para a vida escolar ou mesmo de sua condição presente, que interferem no seu desempenho e desenvolvimento como todo. O argumento de que as escolas militarizadas do Paraná ocupam as melhores posições nas avaliações de rendimento e exames de qualidade do ensino podem estar vinculadas à outros fatores, e não à militarização de sua gestão, como por exemplo, qualidade de formação do corpo docente; condições estruturais; recursos financeiros para além do disponibilizado pelo estado; perfil socioeconômico dos discentes etc.

Traçando um perfil das unidades participantes do projeto piloto do Programa Nacional das Escolas Cívico Militares e concluímos que as unidades são exceções na rede pública e não condizem com os pré-requisitos estipulados pelos documentos oficiais, ou seja, o modelo nacional estava sendo implementando e escolas que, em sua maioria, eram compostas por um corpo discente de nível socioeconômico privilegiado, já ofereciam bons resultados nos exames nacionais como o IDEB e possuíam uma infraestrutura superior a outras escolas.

IMAGEM 1: Panfleto distribuído a escolas durante a campanha pela militarização de escolas. Fonte: APP-Sindicato

IMAGEM 2: Panfleto distribuído a escolas durante a campanha pela militarização de escolas. Fonte: APP-Sindicato

Por outro lado, a gestão cívico-militar trás para dentro da gestão escolar militares que não possuem qualquer preparo em educação para lidar com crianças e adolescentes em seu processo de formação, com remuneração superior à maioria dos professores da rede estadual. Os estudantes são “selecionados” pelas normas disciplinares, que restringe cortes e cores de cabelo, adornos e vestimentas, utilizando-se deste expediente para remover os estudantes considerados indisciplinados – algo que é extremamente difícil em escolas convencionais, mas que as escolas cívico-militares podem fazer sem restrições – e em paralelo ocorre o fechamento das turmas de Educação de Jovens e Adultos e do ensino noturno, que em qualquer escola jogam os dados educacionais para baixo. Tal fato é evidente na tabela a seguir:

Tabela 2: Escolas com oferecimento de EJA e Ensino Noturno. Fonte: Microdados do Censo Escolar /INEP, 2022.

Observamos, portanto, que nenhuma das escolas da rede estadual no modelo cívico-militar do estado do Paraná mantém aulas no período noturno, o que contribui para que os dados sejam mais elevados que a realidade de outras escolas permite. Assim sendo, podemos inferir que os desempenhos obtidos nas avaliações nacionais não podem ser associados diretamente à gestão militar, mas às condições diferenciadas das quais as unidades militarizadas desfrutam e que não representam a realidade das demais escolas públicas paranaenses. Mesmo assim, seformos analisar as escolas com os 30 maiores índices do Paraná disponibilizada pela APP Sindicato4, nenhuma delas adota o modelo cívico-militar. Trata-se, portanto, de um projeto de poder que envolve a gestão democrática da educação e a formação da subjetividade de grande parte dos nossos jovens.

*Rafaela Lucia Miyake Possui Bacharelado e Licenciatura em Geografia pela Universidade de São Paulo e é mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia Humana na FFLCH-USP. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana. Tem experiência de trabalho e formação no programa QGIS, multiplataforma de sistema de informação geográfica (SIG) que permite a visualização, edição e análise de dados georreferenciados.

1 Disponível em: file:///home/geografxs/Downloads/1662-Texto%20do%20Artigo-5387-6237-10-20230503.pdf

2 Não foi possível georreferenciar todas as unidades escolares devido a um problema com o software QGIS.

3 “Fórmula” garante aumento de Ideb em escolas militarizadas, em 16/11/2023. Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/formula-garante-aumento-de-ideb-em-escolas-militarizadas/

4 Lista de colégios com os maiores Ideb da rede estadual não tem nenhum cívico-militar, publicada em 23/11/2023 em: https://appsindicato.org.br/lista-de-colegios-com-os-maiores-ideb-da-rede-estadual-nao-tem-nenhum-civico-militar/

About Kauê Avanzi

Kauê Avanzi é doutorando em Geografia pela FFLCH-USP, educador no Ensino Básico, poeta e músico. Gosta de escrever, se divertir e confraternizar.

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