Coluna Autofagia
Em um cenário catastrófico, similar a um contexto de guerra, o Brasil segue sua saga em contabilizar, todos os dias, recordes de mortes em decorrência do novo Coronavírus. Na contramão destas lastimáveis estatísticas, a vacinação segue a passos lentos, apenas 5% da população brasileira está imunizada com as duas doses da vacina. Mesmo com números, indiscutivelmente, baixos de vacinação, o debate público predominante na Câmara dos Deputados é a essencialidade da educação. O projeto de lei 5505/2020, de autoria da Deputada Paula Belmonte (CIDADANIA-DF), fora aprovado em meio a criticas da comunidade escolar e acadêmica as quais não foram sequer ouvidas.
Durante o ano de 2020, escolas públicas e privadas, universidades, centros tecnológicos e institutos de educação ficaram fechados em virtude do alto risco de transmissibilidade e propagação da Covid-19. A falta de políticas sanitárias voltadas à educação, como testes e até a vacinação de professores, funcionários e alunos, protelou o retorno às aulas presenciais no ano de 2021. Neste interim, instituições públicas e privadas buscaram alternativas para reduzir os impactos negativos à formação de crianças, adolescentes e jovens. As aulas remotas surgiram como paliativos a estes “prejuízos” pedagógicos.
A educação brasileira, desigual desde os primórdios, pautada na ideia neoliberal, clientelista, voltada à formação para o mercado, não demorou a perceber o esvaziamento das salas de aulas em todos os níveis, desde o ensino infantil à pós-graduação. A ineficiência, aliada a efemeridade do ensino remoto, esbarrou em uma prática defendida pelo próprio capital: oferta e demanda. A oferta – o ensino – já não era mais “atrativa” (ideia clientelista). Enquanto a demanda – a procura – caía vertiginosamente. Neste contexto “catastrófico”, o sistema educacional/neoliberal, liderado pelo baronato dos grandes conglomerados educacionais, começou agir para a reabertura de escolas e universidades, sob o falacioso prisma “a educação não pode parar”. A partir de então, a educação brasileira, especialmente os docentes, sofreram, ainda sofrem, reiterados ataques em todas as esferas.
Para angariar o apoio popular, o discurso neoliberal deveria atingir o âmago das famílias e dos estudantes, tornando-os propagadores do discurso genocida de “necessidade educacional”. A elite brasileira, a mais impiedosa e abjeta do mundo, incutiu nas classes mais baixas o medo, impondo-lhes uma apócrifa dicotomia entre “a vida e os estudos” e “a vida e o trabalho”. Para corroborar com a política do medo, o governo brasileiro contribuiu, significativamente, para que a classe trabalhadora – parte dela – não só assimilasse, mas, também, disseminasse tal discurso. A suspenção do auxílio emergencial, em dezembro de 2020, fez muitos chefes e chefas de famílias saírem às ruas para lutar pelo sustento e a subsistência. Isso alimentou, nessas pessoas, o espirito de insurgência reversa – imposto pelo próprio governo e as elites – de que se o pai e a mãe devem sair para trabalhar, por que os professores não podem? Aqui, escancara-se a ideia de reversão insurgente, colocando o trabalhador contra o trabalhador, enquanto a classe política e as elites econômicas veem “o parquinho pegar fogo”.
Sabe-se, portanto, que não existe uma preocupação com a formação cidadã, crítica e acadêmica dos estudantes. Isso nunca foi uma preocupação. A preocupação concerne, única e exclusivamente, à logica do lucro. O sistema educacional brasileiro, mesmo antes da pandemia, nunca buscou superar, por meio da escola e da universidade, os problemas crônicos de nossa sociedade, as desigualdades sociais. Pelo contrário, uma educação neoliberal, cuja prática pedagógica se baseia em teorias como “Aprender a aprender” e “educação ao longo da vida toda”, é prova irrefutável das desigualdades sociais, tornando a pobreza e a miséria vetores de lucros às elites econômicas das quais os grandes conglomerados educacionais fazem parte.
A pandemia do novo Coronavírus, o pior cataclismo de nosso tempo, despiu nossas maiores injustiças sociais. Fortificou, como cimento sólido, todas as diferenças econômicas, sanitárias e educacionais de nosso tempo. Desconstruiu, de maneira irretocável, todas as teses sobre igualdade de oportunidades e educação libertadora. Mostrou ao mundo, com números incontestáveis, a epidemia educacional que assola este país há décadas, evidenciando o porquê o Brasil não avança no segmento educacional, tornando-se uma espécie de “paraíso fiscal da educação”. Por fim, a crise do Coronavírus mostrou, ainda, como a classe política, os meandros dos quais ela se apropria para manter intacta, impenetrável, os privilégios de uma classe exclusiva, na qual não há espaço para os descamisados, os pobres, os negros e os iletrados.