Nesta semana, o governador Ratinho Jr. (PSD) foi à imprensa e também às redes sociais para atacar indígenas da etnia Ava-Guarani que lutam por terras no Oeste do estado. As falas, além de colocarem ainda mais combustível em um conflito que desenrola desde o início de julho, representam também uma afronta a órgãos federais que tentam uma solução para o conflito.
Depois das declarações, várias entidades vieram a público manifestar sua indignação e cobrar uma retratação do estado. Entre elas está o Conselho Estadual do Povos Indígenas do Paraná (CEPI-PR), a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) e o Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Na noite de segunda-feira (29/07), a Agência de Notícias do Governo do Estado publicou um texto e áudios do governador afirmando que o Estado pode intervir no conflito no Oeste paranaense e realizar a reintegração de posse de áreas ocupadas por indígenas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa.
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Já na terça (30/07), em entrevista à imprensa ele se referiu aos indígenas como “índios paraguaios”, dizendo que o governo não admitiria invasão dos mesmos a terras paranaenses.
As declarações de Ratinho se referem a pedidos de reintegração de posse que foram expedidos a partir de 19/07 e determinam a expulsão das comunidades Ava guarani das áreas em retomada nas cidades de Guaíra e Terra Roxa, no Oeste paranaense. Os pedidos dos fazendeiros da região foram apresentados em oito ações judiciais, que obtiveram resultado em decisões do juiz João Paulo Nery dos Passos Martins, responsável pelos casos na 2ª Vara Federal de Umuarama. Ao todo, são quatro reintegrações de posse e quatro interditos proibitórios que atingem quatro comunidades.
As decisões colocam em risco cerca de 550 pessoas, entre crianças, mulheres e idosos do povo Ava Guarani. É importante lembrar que as retomadas foram feitas em área já reconhecida pelo Estado brasileiro como terra indígena tradicionalmente ocupada e que aguarda conclusão do processo de demarcação.
E nesta semana Ratinho Jr afirmou ainda que, caso não haja qualquer movimento federal para cumprir as determinações judiciais, que já estão com prazos próximos de encerrar, o Governo do Estado deve se posicionar juridicamente para o cumprimento da reintegração. “Os agricultores estão cobrando uma solução desta reintegração de posse e o Estado vai ter que se posicionar juridicamente no sentido de fazer a função, que é da Polícia Federal, de realizar essa reintegração de posse”, disse o governador.
Confira abaixo as notas de repúdio contras as falas do governador:
O Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Paraná – CEPI/PR
O Conselho Estadual dos Povos Indígenas manifesta, por meio desta moção, seu veemente repúdio aos ataques violentos perpetrados contra as aldeias de retomada indígena nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no Paraná, ocorridos a partir do dia 13 de julho de 2024.
Segundo relatos de lideranças indígenas e documentos recebidos, fazendeiros armados atacaram duas áreas de retomada, utilizando retroescavadeiras para destruir as áreas ocupadas e construindo obstáculos para impedir o acesso. Além disso, acampamentos foram incendiados, deixando várias famílias desabrigadas e em situação de extrema vulnerabilidade. Existem evidências fotográficas dos territórios retomados incendiados, incluindo imagens chocantes de tendas de lona e barracos destruídos pelo fogo. A grande mídia de comunicação relatou uma indígena alvejada e também relatos de indígenas atropelados que foram impedidos de receber socorro.
Este ataque covarde e desumano representa uma grave violação dos direitos humanos e dos direitos constitucionais dos povos indígenas, que há muito lutam pelo reconhecimento e a demarcação de suas terras ancestrais. Tais atos de violência não só desrespeitam os direitos dos povos Avá-Guarani, mas também ameaçam a paz e a segurança de comunidades inteiras que apenas buscam viver de acordo com seus costumes e tradições.
Neste sentido, é importante pontuar que o conselho reconhece que as presentes violências são frutos da vigência da lei 14.701/23, bem como outros atos institucionais, como à apresentação da PEC 48, que estabelecem a tese do Marco Temporal, vez que legitimam o questionamento das terras indígenas em processo de demarcação. Destacamos que a Terra Indígena Guasu Guavirá é um território tradicionalmente ocupado pelos Avá-Guarani, reconhecido por sua importância cultural, histórica e espiritual. A violência dirigida contra essas comunidades, que reivindicam o direito a 24 mil hectares de terra, é inadmissível e deve ser prontamente combatida pelas autoridades competentes.
Portanto, exigimos:
1. Ação imediata das autoridades competentes: Reforço da presença da Força Nacional na região para garantir a segurança das comunidades indígenas e prevenir novos ataques.
2.Investigação rigorosa e punição dos responsáveis: Que os ataques sejam investigados com rigor e que os responsáveis sejam devidamente identificados e punidos conforme a lei.
3.Criação de uma Comissão Permanente de Acompanhamento dos Conflitos em Guaíra: Para monitorar e propor soluções efetivas para os conflitos fundiários na região, assegurando que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados.
4.Apoio humanitário urgente: Assistência imediata às famílias desabrigadas, incluindo fornecimento de abrigo, alimentos, roupas e assistência médica. Repudiamos veementemente qualquer forma de violência e reiteramos nosso compromisso com a defesa dos direitos dos povos indígenas. É fundamental que as autoridades públicas, organizações da sociedade civil e toda a sociedade se unam para garantir a justiça e a paz para as comunidades indígenas de Guaíra e Terra Roxa.
Atenciosamente, Mauro Rockenback Presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Paran
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul)
Na noite desta segunda-feira, 29 de julho de 2024, a Agência de Notícias do Governo do Paraná publicou um texto e áudios do governador Ratinho Jr (PSD) afirmando que o Estado pode intervir no conflito no Oeste paranaense e realizar a reintegração de posse de áreas ocupadas por indígenas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa.
Nós, povos indígenas, expressamos nosso veemente repúdio às declarações do governador Ratinho Jr. A ameaça de intervenção estatal em áreas ocupadas por indígenas é uma afronta aos direitos constitucionais dos povos originários e aos órgãos federais responsáveis pela mediação de tais conflitos.
Além disso, tais declarações inflamam ainda mais um cenário já tenso e violento, colocando em risco a cultura e vida das comunidades indígenas, principalmente de crianças, idosos e mulheres que vivem desde os antepassados quando ainda nenhum estrangeiro invasor tinha colocado seus pés neste grande território guarani que hoje é delimitado por estados e países pelos colonizadores.
É um absurdo e inaceitável que um governo do estado tenha feito uma declaração dessa, claramente xenófoba e racista, pelas quais nem exigimos uma reconsideração, porque isso é coisa de pura ignorância. Queremos que responda na justiça pela fala em tom ameaçador, de incitação a violência e de desrespeito aos direitos humanos, contra os direitos e dignidade dos povos originários.
É essencial que o conflito seja resolvido através de meios pacíficos e democráticos, mas acima de tudo que respeite os direitos dos povos indígenas conforme rege os artigos relacionados na Constituição Federal.
Os ava guarani não estão sozinhos nesta luta. Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui. Sem fronteiras e sem barreiras exigindo só o que nos foi roubado com sangue de nossos antepassados.
Nota de Repúdio do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná
O Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná vêm a público manifestar seu repúdio às declarações recentes do governador do Paraná, Ratinho Jr., que de forma equivocada e permeada de preconceito, referiu-se aos Avá Guarani do oeste paranaense como “índios paraguaios”. Esta fala desconsidera a história e os direitos dos povos indígenas brasileiros, além de reforçar estigmas e preconceitos que alimentam a violência contra esses povos.
Mais do que refutar uma fala preconceituosa, esta nota tem como objetivo expressar nossa solidariedade à luta dos Avá Guarani pela demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá. A demarcação é essencial para a proteção dos direitos e da cultura desse povo, que historicamente ocupa essa região.
Evidências arqueológicas e antropológicas, amplamente documentadas, atestam a ancestralidade da presença indígena na região. O documentário “Ygá Mirî – Resgate emergencial de canoa localizada no sítio arqueológico Ciudad Real del Guayrá”, produzido em parceria entre o IPHAN, as lideranças Avá Guarani e a Coordenação do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná, evidencia a longa ocupação do povo Avá-Guarani no território paranaense. Essas descobertas são fundamentais para a compreensão da história e da cultura desse povo, destacando a continuidade de sua ocupação e sua conexão inalienável com a terra. Além disso apontam caminhos fundamentais para uma melhor compreensão da história e formação do Estado do Paraná como um todo.
Os Avá Guarani, também conhecidos como Nhandéva, são descendentes dos antigos guaranis de Guairá e Mbaracayú, que tiveram contato com colonizadores europeus desde o século XVI. Como destacado pelo antropólogo Bartomeu Meliá, estes povos foram fortemente explorados na lavoura de erva-mate, e muitos foram forçados a buscar refúgio em reduções jesuítas ou a empreender um dramático êxodo para o sul.
O atual conflito se agrava devido à demora na demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá, historicamente ocupada pelos Avá Guarani. A região tem sido palco de conflitos e violência, e os remanescentes deste povo têm enfrentado dificuldades, incluindo remoções forçadas e separação de famílias. Após anos de luta, em 2018, a Funai identificou e delimitou a terra indígena, mas essa decisão foi anulada pelo próprio órgão em 2020. Em 2023, a Funai retomou o processo de demarcação, desencadeando duas ações judiciais no Tribunal Regional da Quarta Região (TRF-4), uma delas movida pelo município de Guaíra.
Neste contexto, ressaltamos o disposto no Artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, e assegura o respeito a suas formas de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são de sua posse permanente e os direitos sobre elas são inalienáveis. Qualquer decisão que desconsidere esses direitos constitucionais representa uma grave violação às garantias fundamentais dos povos originários.
A ameaça de uso de força policial em ações de reintegração de posse não apenas viola os direitos fundamentais dos povos indígenas, mas também exacerba o clima de tensão e violência na região. Apelamos às autoridades para que respeitem os direitos dos povos indígenas e reiteramos nosso apoio às comunidades Avá Guarani de Guaíra e Terra Roxa e nos solidarizamos com sua luta por reconhecimento e justiça.
Departamento de Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia Universidade Federal do Paraná.
Saiba mais sobre o conflito no Oeste do Paraná:
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