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“Em pleno século XXI a sociedade está prestes a assistir novamente o massacre dos povos indígenas”

“Sou Eloy Jacintho, indígena da etnia Guarani Nhandeva. Sou da Região Metropolitana de Curitiba. Estou em Brasília com toda minha família, minha esposa e meus três filhos.  Nos juntamos na última semana à luta dos povos indígenas aqui na Capital do país. Uma luta que começou nas regiões Sul e Sudeste encabeçada pelo Kretã Kaingang,  pelo Cacique Darã, pelo Marciano e todas as lideranças da região Sul e também da Sudeste.

Eles chegaram aqui pela primeira vez em 12 pessoas, vieram de Van saindo de Curitiba. Foi quando o PL 490/2007 voltou para votação na CCJ. Naquele momento não tinha tempo para se organizar, eles conseguiram segurar o PL, e o projeto saiu de pauta.  Mas voltaram para Curitiba sabendo que o PL retornaria à pauta.  Então nos articulamos com algumas lideranças da região Sul por meio de uma reunião online na qual compareceram cerca de 70 lideranças. Começava assim o Levante Pela Terra.

Na ocasião foi decidido que cinco ônibus levariam os indígenas para Brasília. Porém, na última hora não havia recursos para custear a viagem. E na eminência da pauta voltar para a votação na CCJ o Kretã se juntou com lideranças do Norte do Paraná e do interior de São Paulo e conseguiu uma van, um ônibus e mais dois carros de apoio. Assim eles foram pela segunda vez a Brasília, praticamente sem apoio e sem recursos.

Era uma terça-feira quando foram até o anexo II da Câmara dos Deputados onde fica a Comissão de Justiça e Cidadania e mais uma vez conseguiram tirar o projeto da pauta de votação. Ganharam mais uma semana. Neste período organizações indígenas de todo o país, por meio da Arpinsul e da Arpinsudeste, em contato com a APIB, começaram um chamado nacional para todos os povos indígenas, para que quem pudesse fosse para Brasília para tentar, na resistência, fazer com que o PL não passasse.

Neste momento, com todos os ataques, não havia outra alternativa. Há uma frase do Kretã, que foi inclusive reproduzida pelo DJ Alok, que diz ‘prometemos que voltaríamos porque não temos escolha’.

Neste momento, no início da terceira semana, conseguimos mais uma van que sairia de Curitiba para trazer lideranças da Kakané Porã, aldeia da região de Curitiba. Eu e minha famílias decidimos ir, deixamos casa e outras responsabilidades para nos juntar a essa luta. Quando chegamos, no dia 23, mais de 25 etnias já estavam aqui. São milhares de indígenas de todos os cantos do país.

Quando chegamos os indígenas tinham pedido uma reunião com a Funai, mas para a surpresa de todos o presidente da Fundação não quis receber as lideranças. Neste dia havia um aparato policial e fomos atacados. Ficamos muito tristes, passamos no local onde acontecia o confronto. A Funai ainda é uma porta-voz dos indígenas, mas nos deu as costas. E, como sempre, foi um confronto desproporcional. Quem sempre sofre é o lado indígena, não estamos preparados para enfrentar o aparato policial de repressão. Muitos parentes passaram mal.

O clima ficou muito tenso, porque todas as manifestações do Levante são pacíficas. Nos manifestamos através de danças, cantos, maracás, não existe a intenção de confronto, de ferir alguém. Depois do ataque o clima ficou muito tenso entre os indígenas, havia muita apreensão. Ainda tínhamos muitos atos para fazer, muitos lugares para ir buscar apoio e a partir daquele momento não sabíamos como seriamos recebidos.

Um dia antes da votação da CCJ fomos para outro ato. Os indígenas fizeram seus cantos e apresentações. E no outro dia, a PM já estava prepara para uma nova emboscada. Quando os indígenas retornaram, no dia da votação, havia um aparato policial gigantesco, tudo para impedir que chegássemos perto do anexo II. Aconteceu então o segundo confronto, e foi o mais agressivo. Eram muitos policiais, uma força muito grande. Nesse dia o PL estava em terceiro na pauta, mas foi retirado. A força que a PM usou com gás lacrimogênio, de pimenta e bombas de efeito moral  foi tão grande que muito do gás entrou no prédio e as pessoas que estavam no congresso começaram a passar mal, inclusive na plenária da CCJ. Precisaram por isso encerrar a sessão. O ataque foi muito forte, tinha PM em cima de prédios atacando, carros blindados, Caveirão, canil, cavalaria, muita bala de borracha, uma repressão enorme. Muitos foram feridos e passaram mal. Minha família passou mal. Descemos fazendo rezos e cantando e fomos pegos de surpresa. Haviam crianças, inclusive de colo e sendo amamentadas, todas respiraram gás lacrimogênio. Foi uma situação muito grave, uma violência muito grande.

O PL 490 estava parado há mais de 12 anos. Voltou à pauta porque é uma negociação da bancada ruralista com o Bolsonaro. É um projeto muito agressivo com os direitos conquistados em 1988. É inconstitucional, mas esse governo não respeita a Constituição.

E o Marco Temporal é essa aberração, também inconstitucional e um ataque genocida. Colocar a Constituição como um marco é um dos maiores absurdo. O Ministro Fachin tem esse entendimento e precisamos que os demais Ministros também sigam esse entendimento.

Em 1988, os povos indígenas que não estavam no seu território não estavam porque tinham sido expulsos, suas terras tinham sido invadidas, griladas. Como o Marco Temporal pode usar essa data como regulamento para a demarcação de terras? Isso é uma injustiça histórica.  

No século XXI a sociedade está prestes a assistir de novo o massacre dos povos indígenas. É muito triste ver o silêncio das pessoas que conhecem a história. A sociedade não pode ser calar frente a esse crime.

Precisamos pedir a sociedade se mobilize com os povos indígenas, trabalhadores, ambientalistas, antropólogos, estudantes, populações ribeirinhas. Nós precisamos desse apoio.

Não podemos mais lutar sozinhos, a sociedade precisa se levantar com os povos indígenas”.

Eloy Jacintho – Guarani Nhandeva.

Diversas regiões do Brasil registram atos amanhã, 30/06, contra o PL 490/2007 e o Marco Temporal. Em Curitiba a manifestação acontece na Praça Santos Andrade a partir das 10h30.

Entenda o que é o PL 490/2007 e o Marco Temporal: https://apiboficial.org/2021/06/28/nota-tecnica-da-apib-sobre-o-pl-490/?fbclid=IwAR0hsA-_RUlZNEU7GwfiuP_6N1Dhl0ssB49TdWYDmxG6Bqx_oIdrrDrwUw8

 

 

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