Queria escrever uma história de gato personagem de reportagem policial. Um crime bestial. Homem com martelo e voz grossa e o bichano encurralado.
Queria escrever, no entanto uma coisa intensa percorre minhas veias, latentes, agitam meu sistema nervoso. O celular treme. Eu tremo. As ideias tremem por dentro das veias. Uma coisa se agita, complexa, me apunhalando o medo.
Escuto a agitação dos teclados agredidos pelos meus dedos indicadores. Dentro cá uma boca morde a calma. Brota dentro das veias uma agitação louca de teclado batendo. As pupilas procuram letras. Letras descumprem o dia a dia.
Letras lembradas quando o sentimento geme.
Minhas veias arrancam do peito substância biográfica.
Planto a mim no mundo e rego com sangue e letras. Minhas veias são mangueiras que fazem circular um sangue iletrado de tanta dor.
Minha torneira é a boca.
Percorro as ruas da cidadela. Perturbado, inencontrável, arrecadando – já falei que odeio gerúndio? Gerúndio empobrece a escrita já torta, mole, pálida.
Arrecado experiência cinza e um verde tosco das plantações. Escuto o miado viciado.
Incerto, cavouco por dentro com a palavra. Deixo infiltrar-me com a descontextualização. O perigo me cerca. Aponto minhas veias para inverdades. Apago, como um bombeiro herói, a aflição.
Suspiro profundamente.
Quero contar uma história de um repórter que escreveu sobre um gato assassinado.
Requerem-me o maldito lead. O lead me limita. Rasga-me. O lead é o padrão suicida de qualquer escritor sob a ótica empresarial do jornalismo. A rapidez do lead limita a vida do gatinho. Do homem irado, foragido de si e aprisionado na prisão da hipocrisia social.
A escrita percorreu meu sistema nervoso em um sangue adulado pelo frenesi do medo.
Deixo a redação contornando o pavor de ser aquele homem um dia sequer. Desço as escadas desestimulando o pânico que tenho de escadas. Não queria mais sentir o cheiro da voz do delegado do outro lado da linha ilustrando o crime. A brutalidade de um homem que se tornou felino. O homem desgastado. Encabulado de ter sido uma voz bruta num silêncio de morte.
Ao escrever essa maltratada crônica me torno ingênuo inda mais. Tentei entrevistar o homem. Queria saber se matar o gato descomplicou a insatisfação pelo miado seco do bicho. O miado da vida mesmo. Queria perfilar. Contar que ele é um homem normal – pelo menos até ultrapassar os limites aceitáveis de agressão a um gato e o matar com uma martelada. Bem na cabeça. Bem na cabeça, me Deus!
Ele só tinha uma coisa a dizer – e disse ao delegado: “Não vou contar minha história. Repórter só sabe distorcer”.
Só. Digitei dezenas de vezes o início da notícia: E o gato não miou mais.