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“É inadmissível que o Estado recorra à contratação temporária como forma de poupar gastos”

Entrevista

O Paraná tem hoje cerca de 30 mil profissionais da educação trabalhando sob o Regime PSS, o que representa 1/4 de todos os trabalhadores da pasta. Tais funcionários são usados como mão de obra temporária para suprir uma demanda que é resultado de longos períodos sem concurso público. Na metade de maio a Procuradoria Geral do Estado do Paraná expediu uma orientação administrativa a todas as entidades da administração pública. A diretriz, publicada no Diário Oficial nº 10438, tratava diretamente sobre a contratação de profissionais da educação que são recrutados por meio de Processo Seletivo Simplificado (PSS) e poderia gerar o desemprego de cerca de 30 mil pessoas em 2020. O governo do estado, entretanto, não acatou a orientação. 

O regime PSS é sinônimo de precarização e instabilidade empregatícia. Um modelo de contrato temporário com baixos salários e poucos direitos. Para entender mais essa realidade, o Parágrafo 2 entrevista a pesquisadora Denize Cristina Kaminski Ferreira. Ela é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, na área de Políticas Educacionais, pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Educação, sua dissertação teve como tema “Os Professores Temporários da Educação Básica da Rede Pública Estadual do Paraná: A Flexibilização das Contratações e os Impactos sobre as Condições de Trabalho”.  

Parágrafo 2: O Estado do Paraná tem hoje cerca de 30 mil profissionais da educação trabalhando sob o Regime PSS. Tais trabalhadores são usados como mão de obra temporária para suprir uma demanda que é resultado de longos períodos sem concurso público. Entretanto, esse regime de trabalho não é algo novo, conforme sua dissertação esse tipo de contratação data no Brasil no século XVIII. Porém, podemos dizer que houve um recrudescimento que é resultado direto de uma reestruturação produtiva gerada pela crise do capitalismo ainda na década de 1970? Ou seja, o Regime PSS é um reflexo da fragilização das relações de trabalho que perduram há quase 50 anos cujas precariedades se mantém até hoje?

Denize Cristina: A admissão temporária no setor público educacional tem ocorrido desde o início da criação do sistema educacional brasileiro, estando prevista em lei desde o século XVIII, a fim de suprir a falta de profissionais concursados. Entretanto, naquele período a causa das contratações temporárias era, sobretudo, a carência de docentes habilitados, todavia atualmente este fenômeno possui determinações diferentes, visto que, muitas vezes, aprovados em concurso público permanecem como temporários por anos, este foi um dos motivos que me levou a pesquisar sobre o tema, à época eu gostaria de entender porque o professor permanecia sendo temporário se ele estava entre os aprovados de um concurso ainda vigente e, portanto, poderia ser nomeado para o cargo efetivo que, de certa forma, já ocupava. Entretanto, cheguei à conclusão que o problema é mais complexo, não se trata apenas da falta de concurso público, mas sim de uma opção política que preza pela contratação de temporários em detrimentos de efetivos. Por exemplo, há poucos dias foi anunciado concurso público para a rede estadual com mil vagas, todavia são mais de 30 mil temporários na rede, por acaso mil vagas vão resolver essa situação? Mas porque o Estado prefere este tipo de contratação sem estabilidade, aponto como um dos principais motivos a redução de gastos na esfera pública, uma vez que estes profissionais com frequência ganham menos, não têm acesso a planos de carreira, gratificações, progressões, etc., grosso modo, podemos dizer que os temporários ‘são mais baratos a longo prazo, porque sempre receberão o valor inicial da tabela de vencimentos, não importando formação, tempo de serviço, etc.

A contratação de temporários é uma forma de gerar economia para os cofres públicos, sobretudo, a partir dos anos 90 com a Reforma de Estado e a ênfase no modelo neoliberal, pois houve a diminuição do papel do Estado, bem como a intensificação de privatizações, terceirizações e contratações esporádicas, a fim de reduzir os gastos estatais e é perceptível que estamos vivenciando este contexto novamente. Outro aspecto crucial que favorece a contratação de temporários é a Lei de Responsabilidade Fiscal (que limita os gastos públicos, de tal forma que as despesas com pessoal não podem exceder 50% das receitas correntes líquidas da União e 60% da receita corrente do Estado), de maneira que o ‘inchaço’ da folha de pagamento da educação, comumente induz os governos a intensificarem contratações temporárias, que tendem a dispender menos gastos com o pagamento desses profissionais.

Parágrafo 2: Nesse cenário, quais são as principais consequências da Reforma Trabalhista: Ela pode precarizar ainda mais as condições de trabalho destes profissionais ou ela pode incentivar a manutenção desse tipo de contrato?

Denize Cristina: Com relação à Reforma Trabalhista, a Lei nº 13.467/2017 legitima práticas de flexibilização dos contratos de trabalho, além da supremacia do acordado sobre o legislado na relação do empregador com o empregado, trata-se de uma lei federal que altera a CLT, os contratos temporários da rede estadual do Paraná não são com carteira assinada, assim sendo, não são afetados diretamente pera Reforma, porém há um forte fator indutor nas políticas federais que tendem a se reverberar nos entes federados.

Mesmo não sendo afetados diretamente pela Reforma Trabalhista, posso citar dois exemplos de redução de direitos dos professores estaduais paranaenses no bojo deste contexto: o primeiro foi a redução da hora-atividade, por meio da Resolução nº 113/2017 que determinou-se que na distribuição de aula aos detentores de cargos de 20 horas semanais lhes fossem atribuídas 15 aulas e 05 horas-atividade, diminuindo de 07 para 05 horas-atividade semanais, isto representou uma redução de praticamente 6 mil temporários (de 2016 para 2017), haja vista que os efetivos assumiram mais aulas. E o segundo ponto polêmico foi a redução do vencimento do temporário de 13,35%, por meio do Edital nº 72/2017, o que representou uma redução de R$400 na remuneração do professor temporário graduado, cumpre esclarecer que pela legislação constitucional os vencimentos dos cargos efetivos são irredutíveis, entretanto, os cargos temporários não estão submetidos a esta mesma lógica, e, portanto, sofreram redução no ano de 2018 na rede estadual paranaense, o que evidencia o tratamento diferenciado dispensado aos servidores conforme seu vínculo empregatício, lesando o princípio da isonomia na esfera pública.

Mas porque o Estado prefere este tipo de contratação sem estabilidade, aponto como um dos principais motivos a redução de gastos na esfera pública, uma vez que estes profissionais com frequência ganham menos, não têm acesso a planos de carreira, gratificações, progressões, etc., grosso modo, podemos dizer que os temporários ‘são mais baratos a longo prazo, porque sempre receberão o valor inicial da tabela de vencimentos, não importando formação, tempo de serviço, etc

Parágrafo 2: A sua dissertação destaca que a existência de diversos vínculos empregatícios no âmbito do magistério público representa estratificação e fragmentação da classe, “pois, embora efetivos e temporários sejam professores da rede estadual, por possuírem diferentes vínculos trabalhistas, não comungam dos mesmos interesses e não lutam pelos mesmos ideais, o que enfraquece o poder reivindicatório e a organização da categoria”. Podemos dizer que algumas pautas dos PSS, por não afetarem a realidade dos estatutários, não fazem muita diferença para estes? Quais as consequências, na sua visão, para as lutas da classe, quem se beneficia com esse enfraquecimento?

Denize Cristina: Acredito que a existência de diversos vínculos empregatícios no âmbito do magistério público representa estratificação e fragmentação da classe, ainda que efetivos e temporários sejam profissionais da mesma rede, por possuírem diferentes vínculos, não comungam dos mesmos interesses e não lutam pelos mesmos ideais, o que tende a enfraquecer o poder reivindicatório e a organização da categoria, pois a pauta de luta não é unificada, uma vez que cada grupo (efetivos e temporários) em sua especificidade, lutará por causas que lhes são próprias, por exemplo, os concursados exigirão melhores planos de carreiras e maiores benefícios; já os temporários, por não terem acesso a esses direitos, reivindicarão por concursos públicos e melhores salários; assim sendo, mesmo tratando-se na prática da mesma categoria, seus interesses não convergem, o que sem dúvida, enfraquece e fragiliza a organização da classe como um todo. Estudiosos da área do mundo do trabalho, como Ricardo Antunes, evidenciam que a flexibilização dos processos trabalhistas vem impactando sobre a classe trabalhadora, que vem se tornando cada vez mais heterogênea, o que impacta inclusive sobre a sindicalização, pois os vínculos precários são frágeis e por isso são difíceis de inserir na pauta sindical, ainda que os sindicatos busquem agregá-los, a rotatividade destes profissionais é intensa. E quem ganha com essa desarticulação? O empregador, sem dúvida, que pouco ou nada negocia com a categoria, mas toma decisões à revelia das pautas dos trabalhadores.

Parágrafo 2: O inciso IX do Artigo 37 da Constituição Federal permite a realização de contratações atípicas, a fim de atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. No Paraná, entretanto, as contratações atípicas da Secretaria Estadual de Educação representam ¼ de todos os seus profissionais. Nosso estado deu uma nova interpretação para a palavra “atípica” ou é mesmo um caso de desrespeito à Constituição Federal?

Denize Cristina: O artigo 37º, parágrafo II da Constituição Federal, determina que a investidura em cargo ou emprego público exige aprovação prévia em concurso público, entretanto o inciso IX permite a realização de contratações atípicas, a fim de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, por período que não ultrapasse o limite máximo de dois anos. Entretanto, na minha pesquisa de Mestrado realizada entre 2011 a 2013, foi possível perceber que o contrato do professor paranaense temporário tem duração, efetivamente, de no máximo dois anos, pois encerrado este prazo, elabora-se um novo contrato. Porém esta forma de interpretação, por parte dos órgãos de gestão do Estado do Paraná, constitui-se numa maneira de prorrogar o prazo estabelecido legalmente, manobra esta que, no meu entendimento, intenciona burlar a legislação vigente.

Recentemente houve uma grande polêmica envolvendo esta situação, pois a Procuradoria Geral do Estado emitiu uma orientação administrativa, proibindo a recontratação de quem já tivesse sido contratado há menos de um ano do encerramento do contrato anterior. A orientação se deu em virtude desta prática ilegal recorrente no Paraná, todavia, a mesma foi suspensa. Sendo, na sequência, noticiado o concurso público de mil vagas, que são insuficientes para resolver a situação.

Entendo que uma contratação por período superior a dois anos não representa necessidade temporária de excepcional interesse, mas trata-se de uma necessidade permanente, que exigiria a abertura de vagas efetivas a serem preenchida com concurso público.

Orientação da PG foi expedida no último dia 17/05

Parágrafo 2: A rotina de trabalho de um profissional PSS é repleta de dificuldades, entre elas a instabilidade empregatícia e a necessidade de deslocamento para conseguir dar aulas em diversos colégios na mesma semana. A pesquisa Sofrimento Mental dos Professores (as) da Rede Estadual de Ensino do Paraná, realizada pela APP-Sindicato em parceria com o Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (Nesc-UFPR) e divulgada em 2018, teve como objetivo mapear as doenças mentais e comportamentais que acometem os professores da rede estadual, comprovando o nexo causal entre o adoecimento e condição de trabalho. Neste estudo, a depressão é apontada como maior gerador de sofrimento mental entre estes profissionais. A seu ver, poderíamos dizer que a realização de novos concursos públicos, o que reduziria a quantidade de PSS, poderia também ser decisiva na diminuição do número de professores do Paraná que são acometidos por doenças como a depressão, por exemplo?

Denize Cristina: A contratação temporária permite reduzir as despesas estatais com pagamento de pessoal, em conformidade com as tendências neoliberais de minimização de gastos nas áreas sociais, porém os trabalhadores arcam com as principais consequências desta opção política do Estado, sendo severamente impactados por esta situação, tendo suas contratações, assim como suas condições de trabalho precarizadas, o que incide negativamente sobre suas vidas e carreiras, não tendo acesso a planos de carreiras, progressão, gratificações por cargo ou tempo de serviço, além de estarem submetidos à incerteza profissional e rotatividade.

A docência sofre atualmente um processo contínuo de desvalorização e precarização, no que se refere à questão salarial e a condições de trabalho; entretanto, é possível depreender que apesar dos docentes efetivos e temporários realizarem trabalhos iguais ou similares, estes últimos, devido a seu vínculo empregatício instável e à rotatividade, inerente à sua contratação, acabam tendo suas condições de trabalho mais precarizadas se comparado com os estatutários, diante da incerteza sobre seu futuro profissional e devido à ausência de plano de carreira.

É difícil mensurar como a contratação temporária afeta o trabalho pedagógico e qualidade do ensino, entretanto, destaco alguns aspectos inerentes à contratação em regime especial, como: admissão de bacharéis e graduandos, possibilidade de atuação em área distinta da formação, fragmentação de carga horária, ausência de continuidade do trabalho pedagógico, entre outros aspectos, que podem incidir negativamente sobre o ensino ministrado na rede e a qualidade de vida do professor.

Sem dúvida, a questão do vínculo é um fator potencializador da precarização das condições de trabalho, porém não exclusivo, no meu entendimento; assim sendo, a realização de novos concursos para contratação com vínculo efetivo poderia minimizar o sofrimento/adoecimento docente.

Parágrafo 2: A quantidade de PSS contratados por ano mantém uma média, ou existem anos que ela cresce significativamente? Se cresce, o que justifica esse crescimento?

Denize Cristina: O Paraná mantém mais ou menos constante o quadro de temporários, visto que há anos o percentual de temporário é de cerca de 30%, já tendo chegado a quase 40%, conforme consta na tabela abaixo. Em anos subsequentes a concursos esse percentual diminui, mas depois volta a crescer, evidenciando que é uma opção política do Estado. Destaco que a figura do temporário não será totalmente suprimida, pois vacâncias de cargo até a homologação de um novo concurso serão preenchidas por temporários, da mesma forma as substituições, como licenças e afastamentos não serão preenchidas por efetivos. Entretanto, para que seja válido o amparo legal, constante no artigo 37º, inciso IX da Constituição Federal, é necessário que a proporção dessas admissões seja a menor possível.

Faz-se necessário ressaltar que não há uniformidade nas formas de contratação temporária no Brasil, visto que a Constituição Federal determina que cada ente federado elabore leis para disciplinar a contratação em regime especial, o que acaba gerando situações ainda mais precárias em alguns estados/redes do país, intensificando a fragmentação da categoria.

Concluo, na minha dissertação, que é inadmissível que o Estado recorra à contratação temporária como forma de poupar gastos, pois esta prática traz graves consequências para o trabalhador; tal situação vem exigindo da classe trabalhadora, dos sindicatos que representam seus interesses e da própria sociedade civil, novas formas de organização e reivindicação, a fim de buscar melhores condições de trabalho que garantam estabilidade e profissionalização aos professores paranaenses.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.