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Diário de Dominique – 1. A mala (dia de Ano Novo)

Coluna La Plume des Immigrés

O sol penetrante de Ano Novo atingiu meus olhos às 6 da manhã. Olho distraído através de meia janela aberta. Rua deserta e silêncio sério. A noite foi agitada, os foliões agora estão na cama. Ontem, recusei todas as ofertas para sair. Eu queria ver o ano novo do meu quarto. Meu irmão Russel conseguiu me tirar de casa, jogávamos futebol às 19h no asfalto, na frente de sua casa, com dois meninos animados. A impressão foi de voltar à minha infância, quando estava brincando sob a lua. Certamente foi um ato desesperado, mas eu entendi que fizemos isso para escapar da pressão da noite que estava se formando. Quando cheguei em casa, imediatamente fui pro chuveiro. Fiquei lá apenas por um tempo, embora a água estivesse fresca e boa. Nesta época do ano, aqui, o tempo está bom, apesar das fortes chuvas.  Esta é a onda de calor. E a temperatura varia entre 30 a 35 graus (enquanto em outros lugares do mundo, nós congelamos). O calor sempre me leva à minha ilha, não importa onde estou. À meia-noite, pensei que o céu cairia sobre nossas cabeças. Até que o sono me pegou, sem aviso.

Quando acordado, não conseguia pensar em nada melhor para fazer do que construir uma “parede de vergonha” na minha janela. EM folhas brancas anotei algumas metas para 2020. Levei um tempo louco para fazê-la. – Esta é minha primeira vez. O tempo deve sempre se misturar com tudo. Quando reli meus objetivos, percebi que meu principal objetivo era ele.

Eu estava com fome, abri a caixinha de chocolate que um vizinho me deu no Natal (se deu tanto ao trabalho que não me deixou um segundo para dizer a ele que eu não me preocupo com esta festa.). Comi a caixa inteira em tempo recorde. Procurei, pela primeira vez em muito tempo, a mala verde que me acompanhava para o Brasil quando deixei o Haiti. Lembro que, naquela época, coloquei nela jeans e camisetas, alguns livros (não necessariamente tudo o que eu queria, não havia espaço para todos), meus documentos e algumas coisas que estavam perto do meu coração. Tudo ainda está lá hoje: um velho jornal enrolado, meus velhos cadernos da ANA (narrador do aprendiz), meus textos nunca publicados e meus velhos poemas de amor (hoje, esse é um assunto pelo qual sou mais apaixonado).

Gostaria de saber se um migrante precisa de todas essas coisas, dada a ideia de que o mundo moderno é feito dele. Neste ponto, estou começando a me preocupar muito. Desde que eu tive meu emprego há seis meses, minha vida só significou isso. Eu digo para mim mesmo, finalmente, que escrever pode não ser uma coisa boa, vista daqui. Olho meus livros (presos nessa pequena mesa) com essa dor (ainda queimando em mim) de tê-los abandonado por muito tempo. Eles só podem respirar se eu respirar.

Carlile Max Dominique Cérilia


 

About Carlile Cerilia

Carlile Max Dominique CERILIA, nascido em Petit-Goâven no Haiti, é um jovem poeta e escritor. Caminha quando não está lendo ou escrevendo. Gosta de se misturar com as paisagens: árvores, pessoas e animais. Ama cinema e música clássica. Lê Jean-Jacques Rousseau, Albert Camus, Victor Hugo, Voltaire, Dany Laferrière, Shakespeare. Hoje estuda Literatura no CREL (Centro de Pesquisa e Estudos Literários); Departamento, ANA (Narrator Apprentice Workshop). É imigrante e mora no Brasil há alguns meses.