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Diário de Dominique – 3. O gato branco

A janelinha do meu quarto dá para o telhado da casa da frente, onde, todo dia de manhã, gatos vêm fazer a ronda deles, como se fossem guardas de plantão. Há algum tempo, tomei o habito de observar o deslumbrante nascer do sol que surge por trás dessa mansão. Hoje de manhã, não há vento. O tempo está tão calmo que mal acredito na sua existência. Sonolento, o gato branco que se estica ao sol no lugar de sempre, parece fundir-se com a paisagem. Sem sair da minha janela, fiquei por um bom tempo, observando-o tirar uma soneca até que ele me pegou invadindo a sua zona de conforto. Seu olhar na minha direção era tão persistente que de repente comecei a me interessar pelo que podia passar pela cabeça de um gato, em uma hora como essa.  É uma tarefa tão difícil que desisti antes de começar. Seria muito mais fácil ler o olhar de um ser humano. Nesse caso, teria pensado que ele me considera como um estranho que veio forçar a sua fronteira. Tomar parte da sua língua, da sua cultura; seu universo protegido… O olhar de um homem revela a sua alma, enquanto, o desse gato não me deixa acessar nenhuma parcela da sua personalidade.

Eu teria seguido em frente com esse confronto ambicioso caso o outro gato não tivesse interrompido a nossa conversa. O gato branco se deixava embalar pelo carinho do outro gato. A fronteira, agora, entre esse gato e eu, é tão fina que tenho certeza que voltaremos a nos encontrar.

Uma olhada distraída para a casa ao lado. A velhinha, plácida, com a cabeça coberta de um pano azul grosso, faz à faxina. Observo-a na sua tarefa. Gestos certeiros. Parece ter feito isso a vida toda. Aos 80 anos, ela já não possui mais a vigor da sua juventude, porem ganhou em destreza.  Como esbanjar tanta habilidade em manejar a vassoura, estando tão perto do fim? Após um momento, desisti de observa-la.  Deixei minha janelinha sem que ninguém o percebesse. Enquanto tomava banho, pensei na comunidade dos gatos. Me pergunto se eles têm línguas e costumes que nem a gente, uma civilização? Se eles têm classes, fronteiras e governos desejosos de criptografar e controlar tudo a fundo? Pelo menos, é o que Hollywood pensa.  Tenho a impressão de que não se pode encontrar nada no olhar de um gato a não ser ternura, nada mais!

Devo ter comido uma comida duvidosa ontem à noite para que meu estomago me deixe em tão mau estado, tão cedo, logo de manhã. Nesse ritmo, vou demorar pelo menos uma hora. Tempo em que posso me dedicar à meditação…

Carlile Max Dominique Cérilia  

Tradução de Nathalie Dessartre


 

 

About Carlile Cerilia

Carlile Max Dominique CERILIA, nascido em Petit-Goâven no Haiti, é um jovem poeta e escritor. Caminha quando não está lendo ou escrevendo. Gosta de se misturar com as paisagens: árvores, pessoas e animais. Ama cinema e música clássica. Lê Jean-Jacques Rousseau, Albert Camus, Victor Hugo, Voltaire, Dany Laferrière, Shakespeare. Hoje estuda Literatura no CREL (Centro de Pesquisa e Estudos Literários); Departamento, ANA (Narrator Apprentice Workshop). É imigrante e mora no Brasil há alguns meses.