A realidade dos negros na política do Paraná e de Santa Catarina
A porta do gabinete se abre e nele entram o prefeito e seu vice. Um assessor se adianta em cumprimentar os visitantes vindos do pequeno município rural. “Como vai prefeito?”, diz com a mão estendida. “Vou bem, mas eu não sou o prefeito, sou o vice”, responde o homem branco que usa terno e gravata. “O prefeito é ele”, mostra apontando para o único negro na sala. Adauto Mandú (PHS) foi eleito no último mês de outubro para o cargo de prefeito no município de Lidianópolis no interior do Paraná. Depois da eleição, as visitas a deputados estaduais e empresários na busca por recursos e parcerias para a cidade o tem surpreendido. “Na maioria das vezes as pessoas se dirigem ao meu vice, Cido Buzato, que é branco e um sujeito que sempre anda bem vestido, como se ele fosse o prefeito. Depois que descobrem que sou eu, sempre fica um clima de constrangimento no ar”, conta.
Adauto Mandú é um dos cinco prefeitos negros eleitos no Estado do Paraná. Ser deixado em segundo plano em reuniões e encontros, no entanto, é o menor dos problemas que os negros que ousam se candidatar no Paraná e em Santa Catarina enfrentam. Os dois Estados tiveram o menor índice de votos válidos computados para candidatos que se declararam negros nas eleições deste ano. Os dois registram também a maior porcentagem de votos para candidatos brancos. Além disso, a política em ambos excluí a participação de negros em todas as esferas, desde câmaras de vereadores, secretarias municipais e estaduais, câmara federal e senado.
Prefeitos
Levantamento feito pelo Parágrafo 2 com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, se é difícil para os negros se elegerem em outros Estados do Brasil, no Paraná e em Santa Catarina a realidade é muito pior. O Estado catarinense tem o menor percentual de votação em candidatos negros que concorreram à prefeitura de algum dos seus 287 municípios. No total, os três candidatos negros que concorreram ao cargo de prefeito em Santa Catarina receberam 0,10% dos votos válidos (quando não são computados os brancos e os nulos) e apenas um conseguiu se eleger. Já os candidatos brancos, que se elegeram em 286 cidades, receberam 99,0% dos votos, maior percentual entre todos os Estados do país.
Nadir Baú da Silva (PR) foi o único candidato que se declarou negro eleito em Santa Catarina. Ele recebeu 2.489 votos e é o novo administrador do município de Araranguá, na região litorânea do Estado. Juntos, os três candidatos negros existentes receberam 3.754 votos; já os 723 candidatos que se declararam brancos somaram 3.908.463 votos válidos, ou seja, a votação dos brancos é mais de mil vezes maior do que a dos negros. O Censo do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 revelou que 800 mil negros viviam em Santa Catarina, o que corresponde a 13% da população.
No Paraná, além de Adauto Mandú também se elegeram Claudinei de Paula Castilho (PSDB) em Bituruna, Gilmar Paixão (PDT) em São Jorge D’ Oeste, Policial Jaimir Darci Gomes da Rosa (PHS) na cidade de Marmeleiro e João Nicolau dos Santos (SD) em Loanda. Ao todo 16 candidatos negros concorreram a uma vaga no executivo dos 399 municípios do Estado. Os que se declararam brancos somaram 971 candidatos, que conquistaram 362 prefeituras.
Juntos, todos os candidatos a prefeito que se declararam negros no Paraná conseguiram 41.777 votos, representando 0,71% de todos os votos válidos. Os brancos, segundo os dados do TSE, receberam 5.594.674 votos, representando 95,33% do total, segunda maior média do país. O Paraná é o Estado do Sul com a maior população negra. Segundo o Censo do IBGE de 2010, cerca de 28% da população do Estado é negra. Ao todo, 2.976.844 pessoas se autodeclararam afrodescendentes.
Quatro Estados brasileiros não elegeram nenhum prefeito negro. No entanto, proporcionalmente houve maior quantidade de votos para candidatos que se declararam negros e menor para candidatos brancos em relação ao Paraná e Santa Catarina. No Acre, por exemplo, os dois candidatos de cor negra que concorreram a uma vaga nas prefeituras somaram juntos 0,53% dos votos. Os brancos, porém, chegaram a 42,65%, menos da metade da proporção de votos conseguidos pelos candidatos em Santa Catarina. Também não elegeram prefeitos negros o Espirito Santo, Rio de Janeiro e Roraima. Entretanto, nos três Estados a votação dos negros é maior e a diferença entre votos para brancos e negros é expressivamente menor do que nos dois Estados do Sul.
Em todo o país 93 candidatos negros foram eleitos prefeitos no dia 02 de Outubro. Juntos, todos os candidatos de cor negra que concorreram ao executivo municipal receberam 2,12% dos votos válidos. Entre os brancos, 3.847 foram eleitos, e todos os candidatos brancos juntos receberam 74,86% dos votos válidos. Nenhum negro foi para o segundo turno.
Confira a tabela de votação de candidatos a prefeito e vereadores negros e brancos nos Estados do país
Vereadores
De bata, turbante e colares, a candidata negra percorre as ruas de alguns bairros da capital. Caminhadas e panfletagem durante o dia e visitas a casa de amigos e parentes à noite. No total, R$ 1.500 investidos do próprio bolso. Servidora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) há 25 anos, Tecnóloga em Gestão Pública, pós-graduada em Educação, integrante da Rede das Mulheres Negras e coordenadora do Projeto Culto Afro que trabalha a cultura africana nas igrejas evangélicas, escolas e comunidade, Ivanete Paulino Xavier Raimundo concorreu a uma das 38 vagas na Câmara de Vereadores de Curitiba. Como ela, outros 73 candidatos se declararam negros, e apenas um se elegeu. Ivanete, que concorreu pelo PRTB, recebeu 248 votos. O candidato mais bem votado na capital paranaense é branco, recebeu 11.272 votos e gastou R$ 115.986,87. “Minha campanha foi praticamente voltada para a população negra e para a mulher. Lembrando que 54% da população brasileira se auto declara negra e parda, e 52% é mulher. Mas ainda temos um grande caminho a trilhar, pois não é o negro, nem a mulher que detém o poder no país. Precisamos de políticas públicas mais intensas, não só na Semana da Consciência Negra, para termos um resultado diferente nas urnas de Curitiba”, opina Ivonete.
O abismo que separa a quantidade de votos recebidos por negros e brancos foi marcante também para o cargo de Vereador no Paraná e em Santa Catarina. Os dois Estados têm a maior diferença entre votos recebidos por candidatos negros e brancos. Em Curitiba, 74 candidatos negros concorreram a uma vaga para vereador. Destes, apenas Mestre Pop (PSC), que já é legislador, conseguiu se eleger. Juntos eles receberam 51.938 votos, o que representa 5,90 % dos votos válidos. Os candidatos que se declararam brancos eram 900, conquistaram 36 cadeiras e receberam 717.947 votos, que representam 81, 05 % dos votos válidos.
Em nível Estadual, os paranaenses puderam escolher entre 1,459 candidatos declarados negros e 22.160 candidatos declarados brancos. Em dois de outubro, 111 negros foram eleitos e 3.288 conquistaram uma vaga nos legislativos municipais. Os votos destinados aos negros chegaram a 4,34 % e aos brancos 77,90%. Entre os 111 negros eleitos haviam apenas quatro mulheres. Ao todo, 174 cidades do Paraná não terão nenhum representante negro na Câmara Municipal à partir de 2017.
Já na capital catarinense dois vereadores negros se elegeram no último pleito. Tiago da Silva (PMDB) e Lino Peres (PT) que se reelegeu para mais um mandato. Ao todo, 49 candidatos de cor negra concorreram a uma vaga na Câmara Florianopolitana e receberam 8,51% dos votos. Já entre os brancos a votação foi uma das maiores do país: 84,39 % dos votos válidos, com 21 vereadores eleitos.
No Estado a diferença entre os votos recebidos por negros e brancos também é marcante. Dos 459 candidatos negros apenas 18 se elegeram, recebendo 2,45% de todos os votos válidos destinados a candidatos a vereador. Já os brancos, por sua vez, conquistaram 2.755 cadeiras em câmaras municipais e os mais de 14 mil candidatos receberam 88, 38% dos votos, maior porcentagem do país. A partir de 2017, 270 cidades de Santa Catarina não terão nenhum vereador negro.
No Brasil todo, mesmo diante do cenário de 54% da população ser negra (segundo o Censo do IBGE de 2010), 2.899 negros foram eleitos para o cargo de vereador e receberam 7,05% dos votos, enquanto os brancos conquistaram 33.031 vagas no legislativo municipal com 52,04% dos votos válidos.
Confira a tabela de votação de candidatos a prefeito e vereadores negros e brancos nos Estados do país
Escravidão, ditaduras e a cultura social
A falta de representatividade negra na política pode ser explicada por uma série de mecanismos extremamente eficientes que operam numa lógica de convencimento de que o campo da política não é uma área adequada para a população negra, pois ela diz respeito a sociedade como um todo, enquanto as ações e conquistas de personalidades negras, quando destacadas, são descritas como se fossem relevantes apenas para a população negra. É o que afirma Megg Rayara Gomes de Oliveira, travesti negra, doutoranda em Educação na Universidade Federal do Paraná, especialista em História e Cultura africana e Afro-Brasileira, membro da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), diretora do Instituto de Pesquisa da Afro-descendência (Ipad Brasil) e ativista no Movimento Social de Negras e Negros do Paraná, do Movimento LGBT do Paraná e do Movimento de Travestis e Transexuais do Paraná. “Um exemplo bem conhecido é a Revolta da Chibata em 1910 no Rio de Janeiro liderada por João Cândido. Ele lutou pelos direitos de todos os marinheiros, e a maneira como o fato é narrado parece que o interesse dele estava voltado apenas para a população negra que compunha o quadro da marinha naquele momento. Ou seja, a ideia corrente é a de que uma pessoa negra no poder governa apenas para os seus iguais, e isso dificulta sua presença no campo da política”, destaca.
Saul Dorval, jornalista e presidente do Instituto África Brasil, ressalta que a política no Brasil desde o tempo do Império é formada por oligarquias de famílias brancas, e a realidade dos negros nunca lhes deu chances de ascender politicamente. “Os negros já chegaram no país como prisioneiros, sem direitos e sem perspectivas. Durante a escravidão chegavam ao Brasil escravos de diversas etnias, de culturas e dialetos diferentes. Isso teve como consequência uma falta de unidade por parte dos negros que existe até hoje. A história, sempre condicionou o negro a segundo plano, economicamente e socialmente. Politicamente então essa realidade foi muito pior”, afirma.
Segundo Megg, Curitiba e Paraná como um todo, passaram por uma violenta política de embranquecimento, iniciada ainda no século XIX durante o regime escravista. “A importação de imigrantes europeus sob a justificativa de que o Estado precisava de mão obra qualificada, relegou a população negra, livre inclusive, a uma posição secundária, ficando de fora dos projetos políticos do Estado. Quem recebeu investimentos, em todos os sentidos (educação, saúde, emprego, terras, cargos públicos, etc.) foram os imigrantes brancos e seus descendentes, enquanto a população negra foi sendo gradualmente expulsa das áreas que já passavam por um processo de urbanização que ela mesma ajudou a construir. Tais investimentos criaram condições de desigualdade e disputas sociais, além de operarem (e continuar operando até hoje) no campo da autoestima. As pessoas negras não têm espelhos em que possam se reconhecer, principalmente no campo da política, ainda que o primeiro presidente da Província do Paraná, Zacarias Góes e Vasconcelos tenha sido um homem negro. Quando o presidente Zacarias é lembrado, é tratado como um homem branco”, explica.
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Partidos
Para os especialistas, os partidos têm grande responsabilidade pela falta de representatividade dos negros na política brasileira. “Alguns partidos tem núcleos de negros. O primeiro a criar esses núcleos foi o PDT, e esse nicho foi idealizado pelo Brizola na década de 1980. No entanto, décadas antes os negros já buscavam espaço na política. Em 1929 foi criada a Frente Negra no Brasil, um partido que durou até 1937. Se ele ainda existisse teríamos hoje muitos vereadores, prefeitos, deputados e até governadores negros. Porém, esse partido foi extinto durante a Ditadura Vargas porque o presidente sabia que a ascensão dos negros seria grande”, ressalta Saul. O presidente do Fórum Paranaense de Etnias, vice presidente nacional do PMDB Afro, presidente do Instituto e Brasil África e também candidato a vereador em Curitiba. Saul diz ainda que o fator financeiro é essencial para o sucesso de quem busca uma vaga em um cargo eletivo. “Os partidos sempre privilegiam, além das famílias tradicionais na política, aqueles que possuem mais condições financeiras, e dados econômicos do Brasil provam que a maioria dos negros pertencem à parcela mais pobre da população. Dentro dos partidos, os negros são candidatos coadjuvantes e não protagonistas, por decisão dos próprios comandos partidários. São aqueles candidatos ‘escada’ que servem apenas para aumentar os votos de legenda”, esclarece.
Megg Rayara ressalta que a criação de quadros específicos para pessoas negras e para mulheres dentro dos partidos políticos pode ser interpretada de duas maneiras: revela uma tentativa de inclusão de pessoas historicamente excluídas, mas também confirma que política é coisa para homem branco heterossexual. “A primeira dificuldade que um futuro candidato a negro enfrenta é conseguir visibilidade dentro dos próprios partidos políticos onde, via de regra, estão relegados a espaços menores, desempenhando funções consideradas irrelevantes. Quando suas candidaturas são aprovadas existe uma pressão para que adotem posturas bem pontuais e dirijam seus discursos para as camadas mais pobres e com nível de formação escolar mais baixo. Ou seja, há um limite bastante reduzido para que possam circular, o que dificulta imensamente o diálogo com outros setores da sociedade e reduz, em termos reais, suas chances de eleição”, afirma.
Estereótipos
Outro fator que interfere bastante para a manutenção da ausência de pessoas negras na política, segundo os representantes dos movimentos negros, são os múltiplos estereótipos associados às pessoas negras, como por exemplo, intelecto reduzido, corpos adequados para o exercício do trabalho braçal e a falta de capacidade administrativa. Tais estereótipos são heranças do regime escravista, mas que ainda, em menor ou maior proporção, continuam em operação. “Este tipo de estereótipo foi muito reforçado durante o Regime Militar. Os militares, por meio da TV e da imprensa, incutiram na sociedade a ideia de que o negro tinha talentos apenas para o futebol e o samba. Esse tipo de ideal foi pregado para a comunidade negra, as meninas não eram incentivadas a estudar para ascender socialmente, mas convencidas de que elas representavam uma cultura que valorizava o corpo. Já para os meninos negros era pregado que o sucesso só viria por meio do futebol, como acontecia com muitos jogadores da época. Por outro lado a população branca era incentiva a estudar, a se formar como engenheiros, advogados e médicos”, ressalta Saul.
Confira a tabela de votação de candidatos a prefeito e vereadores negros e brancos nos Estados do país
Para Megg, estes estereótipos muitas vezes são internalizados pelas próprias pessoas negras. “Não se trata de uma característica inata, mas é o resultado de um longo, cotidiano e eficiente mecanismo de controle que chamamos de racismo. Ao longo de nossa existência, somos apresentados a situações que naturalizam a exclusão como um prolongamento da identidade negra. Dessa maneira, ser uma pessoa negra é exercer funções menos importantes e que pouco interferem na dinâmica de uma sociedade”.
“Imagine um preto desse como prefeito”
Adalto Mandú, eleito no dia 2 de outubro como o novo prefeito de Lidianópolis no Paraná, tirou do poder uma oligarquia que comandava a cidade há mais de duas décadas. Porém, o caminho trilhado durante a campanha nem sempre foi fácil. “O racismo é muito velado, mas ele existe. Muitas situações chegaram até mim ao longo da campanha. Muitas pessoas questionavam minha capacidade como administrador pelo fato de eu ser negro. Muitos diziam ‘imagine um preto desse como prefeito’. Isso, infelizmente, aconteceu muito”, conta o prefeito.
O Paraná, inclusive, é um Estado que contabiliza casos emblemáticos de racismo na política. Em 24/11/2015 o vereador Mestre Pop (PSC) registrou um Boletim de Ocorrência contra um colega da Câmara Municipal de Curitiba, vereador Zé Maria (SD), por injúria racial. O motivo foi uma fala de Zé Maria (SD) em meio à sessão plenária do Legislativo. Vizinhos de gabinete, Mestre Pop e Zé Maria foram a uma sala anexo ao plenário da Câmara durante a sessão para tomar café, quando houve a ofensa. Segundo Mestre Pop, Zé Maria afirmou em voz alta: “Sabe por que preto entra em igreja evangélica? Para poder chamar o branco de irmão”. A Câmara Municipal abriu processo por racismo e injúria.
No dia 25 de agosto de 2016, em plena campanha eleitoral, advogado Renato Almeida Freitas Júnior, candidato a vereador em Curitiba, ficou detido por três horas acusado de desacato à autoridade e resistência à prisão. Após ser posto em liberdade, ele denunciou que sofreu uma série de agressões físicas e psicológicas, além de injúrias raciais. Entre os abusos, o jovem diz que os guardas municipais que o prenderam duvidaram que ele fosse advogado pelo fato de ser negro. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acompanha o caso. Renato foi abordado ao ouvir Rap em volume elevado em seu carro no Centro da Capital. Os Guardas alegaram que ele foi preso por desacato.
Muitos atos racistas, no entanto, acontecem de maneira velada, por meio de manobras políticas. É o que afirma o professor Alexandre Cezar, gerente do escritório regional da Câmara de Comércio, Indústria e Agropecuária Brasil – Moçambique (CCIABM) no Paraná. “Há alguns anos me envolvi na política da Cidade de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. Lá, eu comecei a ser ‘limado’ dentro do partido que eu fazia parte e isso acontecia porque outros integrantes perceberam que eu tinha muita capacidade, porque eu era uma liderança com muitos contatos em quilombos, era uma referência negra. Nunca ninguém tinha levantado essa bandeira na cidade. Eu tinha muitos contatos, havia trabalhado na Organização das Nações Unidades, conhecia muitos embaixadores e comecei a ser encarado como uma ameaça. Era um caso claro de racismo institucional. Literalmente me isolaram e me neutralizaram politicamente”, conta Cezar.
Confira a tabela de votação de candidatos a prefeito e vereadores negros e brancos nos Estados do país
Representatividade de negros no Sul vai além de cargos eletivos
Conquistar um cargo político no Sul não é difícil apenas para aqueles negros que se candidatam, mas também para os que sonham com um cargo nomeado, os famosos cargos comissionados. Curitiba, por exemplo, não tem nem um secretário municipal de cor negra. Florianópolis, por sua vez, tem dois: O secretário de Cultura Hudson Pires e o secretário Municipal de Defesa do Consumidor Tiago Silva.
O Departamento de Comunicação da Prefeitura Municipal de Curitiba afirma que não tem, no Departamento de Recursos Humanos, um controle da ocupação dos cargos de chefia por cor de pele. O que há disponível é o levantamento realizado com base no cadastramento dos servidores no sistema interno, onde nem sempre o funcionário declara a cor da pele. Logo, esse dado não corresponde fielmente à realidade. Por esse cadastro, a prefeitura afirma ter 834 declarados negros, num total de 30.002 servidores cadastrados.
Já o Governo do Estado do Paraná, que há algumas semanas lançou um vídeo muito interessante retratando o “racismo institucional”, não tem nem um secretário estadual negro. Além disso, nenhum dos nove diretores da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) é negro, nenhum dos cinco diretores da Companhia Paranaense de Energia (Copel) é negro e não há negros na diretoria de importantes órgãos do Estado como a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar) e o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).
No Governo do Estado de Santa Catarina também não existem secretários negros.
Deputados
Não é apenas no âmbito municipal que eleitores do Paraná e Santa Catarina escolhem candidatos brancos para serem seus representantes no poder público. Nenhum dos dois elegeu um deputado negro em 2014.
Com os deputados federais, o quadro também não é diferente. Entre os 513 deputados eleitos, 410 deles (79,9%) se declararam brancos. Outros 81 deputados (15,79%) se disseram pardos e 22 (4,29%), negros. Paraná e Santa Catarina também estão entre os cinco Estados que terão bancadas formadas apenas por deputados federais brancos. Além destes dois, os negros não representam ainda Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Tocantins na Câmara Federal.
O caminho para a mudança ainda é longo
A mudança de práticas enraizadas ao longo de centenas de anos é um desafio claro do país. Os números da última eleição mostram que no Paraná e em Santa Catarina o problema é ainda maior e a mudança dessa realidade possivelmente ainda vai demorar a acontecer. “Em 2003, quando eu era voluntário de políticas negras na ONU, acreditava que essa realidade começaria a mudar. Tinha certeza de que a gente ia conseguir vencer o racismo por conta das políticas incentivadas pela Organização das Nações Unidas. Mas, com o passar dos anos, percebi que o racismo está enraizado na sociedade, e não apenas na brasileira. Sou carioca e quando eu vim para Curitiba, no ano de 2005, sofri muitos episódios de racismo. Comecei então a perceber que a realidade aqui é muito pior, no tocante ao tratamento dispensado aos negros, do que em outros lugares do país”, conta Alexandre Cezar. Para ele, o processo de racismo ainda é muito profundo e a mudança demanda tempo, educação e conscientização. “Tivemos sim avanços sociais importantes nos últimos anos. As políticas de cotas, o ProUni, são projetos que conseguiram possibilitar a entrada de muitos negros na universidade, isso precisamos reconhecer. Mas, o caminho a ser trilhado ainda é muito longo”, enfatiza o professor.
Para José Snoopy Rodrigues, ex-campeão brasileiro de boxe e coordenador de um projeto social para crianças carentes, a sociedade precisa mudar muitos de seus conceitos e derrubar muitos de seus estereótipos. “A visão que ainda se tem do negro é aquela ligada aos esportes, do ser humano forte fisicamente, bom apenas para tarefas que envolvem esforço físico. Ganhei minha vida por meio dos esportes, fui campeão brasileiro de boxe, morei e lutei no exterior. Pude treinar grandes nomes do MMA e sou negro, conheço a capacidade dos negros e sei que somos capazes de desempenhar um bom trabalho, inclusive na política. Só mudaremos esse quadro por meio da cultura e da educação, não vejo outros caminhos”, diz.