Últimas Notícias
Home » Educação » Demissões em universidades de Curitiba expõem face cruel da mercantilização do Ensino Superior

Demissões em universidades de Curitiba expõem face cruel da mercantilização do Ensino Superior

No final do primeiro semestre letivo de 2019, dezenas de professores foram demitidos de duas grandes instituições de ensino superior privado de Curitiba. No Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil 32 docentes perderam o emprego e na Universidade Positivo foram ao menos seis. Centenas ficaram sem trabalho se somadas as baixas em outras instituições da capital.

O mercado das instituições privadas de ensino superior, que saltou de 3,9 milhões de matrículas em 2007 para 6,2 milhões em 2017, promove uma mercantilização da educação e contribui com a fragilidade das relações de trabalho, intensificadas pela Reforma Trabalhista que está prestes a completar dois anos.

Em 2017, o Brasil tinha 296 Instituições de Educação Superior públicas e 2.152 privadas que representam 87,9% da rede. Os dados são do Censo da Educação Superior 2017, que teve seus resultados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em setembro de 2018. Em 2017, 35.380 cursos de graduação e 63 cursos sequenciais foram ofertados nas instituições privadas.

O ensino superior privado abraçou no mesmo ano um mercado de milhões de alunos. No total, 3,2 milhões ingressaram no ensino superior em 2017, sendo que 81,7% foram para as instituições privadas. Nesse mercado bilionário, entretanto, a instabilidade empregatícia é marcante e cada vez mais os professores são obrigados a aderir ao regime de contratos temporários e trocar o registro em carteira pelo modelo de Microempreendedor Individual (MEI).

Demissões em massa

Na última semana aconteceu uma demissão em massa Centro Autônomo Universitário do Brasil – Unibrasil, na capital paranaense. A instituição demitiu, ao final do primeiro semestre letivo de 2019, 32 professores. Se somados os dois últimos semestres, as demissões na instituição ultrapassam 80 docentes.

Entre os demitidos no final deste semestre estão dois pró-reitores e um ex-reitor. As baixas aconteceram nos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Engenharias, Pedagogia, Publicidade e Propaganda e Jornalismo. Entretanto, foi o curso de Direito do Unibrasil que registrou mais demissões, 13 no total. Curiosamente o curso de Direito abriu processo seletivo para contratação “dispondo” de vagas para professores de Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Processual Civil e Direito Penal.

O clima é, segundo um docente que está entre os demitidos, de grande apreensão entre os demais professores da instituição. A incerteza gerada pelas demissões toma conta da universidade, prejudicando o trabalho dos outros profissionais e também a qualidade das aulas para os estudantes.

Ledo Paulo Guimarães Santos, Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, foi professor do Unibrasil por 12 anos. Sempre bem avaliado pelos alunos, ficando acima da média da instituição, chegou a ser homenageado algumas vezes. Segundo ele, as demissões na universidade começaram a ser mais frequentes nos últimos semestres, rompendo com uma tradição do UniBrasil em preservar um corpo docente estável. “Diante desse quadro, o temor pela demissão se tornou presente, porém a concretização desse temor é uma ingrata surpresa. Embora para mim tenham surgido várias oportunidades para lecionar ao longo da carreia, uma demissão após tanto tempo causa incerteza. Afinal, se fui um professor adequado para a instituição por tanto tempo não vejo razão para não ser agora. O que parece prevalecer são questões econômicas: é preferível um professor que custe menos”, diz.

Quase 90% das instituições de ensino superior do Brasil são privadas – Gráfico – Censo do Inep

O lucro como critério para demissões

A Universidade Positivo, uma das maiores do Paraná, e que em 2017 tinha mais de 15 mil alunos, demitiu seis docentes no início deste semestre. No curso de Pedagogia três e mais três na Escola de Negócios. No mês de abril deste ano cerca de 30 educadores foram desligados da UP. Entre os profissionais estavam diversos coordenadores de curso.

Valdyr Perrini, advogado trabalhista há mais de 30 anos e presidente do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana (Sinpes), ressalta que as demissões são, na verdade, o desdobramento de uma crise nefasta que vem afligindo não só o ensino superior, mas o estado social como um todo e que tem na Reforma Trabalhista de 2017 um de seus grandes pilares. “São as consequências do desmantelamento do estado social, tudo isso acompanhado de um caldo de exceção e de um caldo de falta de iniciativa econômica, não temos hoje nenhum projeto social, apenas destruição, desmantelamento. A Reforma Trabalhista deu uma ideia aos empregadores de que eles podem tudo, embora a Constituição Federal ainda estabeleça uma série de direitos constitucionais trabalhistas, que o Governo Temer e o Governo Bolsonaro ainda não ousaram mexer, os empregadores, apegados à Reforma Trabalhista, acabam ignorando tudo isso. E, assim, têm uma sensação de que tudo é possível”, enfatiza.

A Reforma Trabalhista é vista por muitos especialistas como impulsionadora de demissões no ensino superior privado. Com uma semana de vigência a Reforma, segundo a Diretoria de Universidades Privadas da União Nacional dos Estudantes (Une), foi responsável pela demissão de mais de 1.200 professores da faculdade Estácio de Sá, ação que estimulou outras universidades particulares como FMU que demitiu 220 docentes, Universidade Católica de Brasília 40 demitidos, Universidade Metodista de São Paulo com 60 demitidos, Anhembi Morumbi 150 demitidos e outras em uma escala menor.

Para Perrini o lucro, que se sobrepõe sobre as relações de trabalho e também sobre as humanas, é o grande motivador da precarização do trabalho dos docentes no ensino superior privado do Brasil. “A Universidade Positivo e o Unibrasil optaram pela despedida de profissionais extremamente importantes e qualificados pelo simples critério aritmético de potencializar o lucro. O critério, para as demissões nessas universidades, foi pura e simplesmente quem recebia mais. E estes eram os docentes mais experientes e os mais titulados. Isso gera uma intensa precarização na educação”, ressalta.

O presidente do Sinpes ainda exemplifica a precarização e a diminuição de direitos de professores universitários com o novo Plano de Cargos e Salários da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Puc-PR). “A Pontifícia Universidade Católica, que tem demitido professores doutores mais idosos e mais experientes, propõe aos professores um plano de cargos e salários no qual direitos históricos dos docentes são desmantelados pura e simplesmente com o objetivo de potencializar os lucros. Enquanto o governo faz cortes intoleráveis na universidade pública, a universidade privada também se precariza”.

Contratos temporários, Carta Convite e MEI

As alterações da Reforma Trabalhista mexem em pontos como férias, jornada, remuneração e plano de carreira, além de implantar e regulamentar novas modalidades de trabalho, como o home office (trabalho remoto) e o trabalho intermitente (por período trabalhado). O impacto no ensino privado foi o de muitas demissões de professores e a maioria têm relação com o custo. O professor contratado com carteira assinada tem todos os direitos, como o 13º salário, férias, recolhimento de FGTS, aviso prévio, horas extras. Na contratação da mão de obra terceirizada, a empresa contrata o serviço e pronto. Não há encargos, não há impostos.

Para o presidente do Sinpes, a lógica do mercado é a de que o lucro está acima das relações trabalhistas e também sobre as humanas

As instituições de ensino privado de Curitiba e Região Metropolitana têm “abraçado” a Reforma Trabalhista e feito mudanças significativas nos regimes de contratação. Segundo denúncia enviada ao Sinpes, muitos professores da Universidade Positivo começaram o primeiro semestre de 2019 trabalhando por meio de “Carta Convite”, que é, para Perrini, “uma forma fraudulenta de fazer parecer que a carga horária não integra o patrimônio do professor, pois ele é contratado para um número definido de aulas no semestre ou no módulo, como se fosse um contrato por prazo determinado. Ao fim do módulo ou semestre ele recebe outra carta reduzindo ou aumentando a carga horária ao bel prazer do empregador”.

Muitas universidades têm contratado por meio do Contrato de Trabalho Intermitente que é uma nova modalidade de contratação do trabalhador, expressamente prevista na Lei da Reforma Trabalhista. Considera-se como intermitente o Contrato de Trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. 

Outros docentes, por sua vez, se veem obrigados a se transformarem em Microempreendedores Individuais (MEI). Os professores que se aposentam pagando MEI estão no é que é considerada “a pior hipótese de aposentadoria”, que é só por idade e só com o salário mínimo, como alerta a advoga Melissa Folmman, especialista em Direito Previdenciário. “Temos vários professores que inadvertidamente passaram para o MEI. Tenho um exemplo de um professor que tinha 30 anos de contribuição e acabou indo trabalhar por meio do regime MEI. Quando ele criou um MEI abriu mão de se aposentar pelo regime de contribuição, para ele faltavam apenas cinco anos, e ele só vai se aposentar agora por idade”, alerta.

EAD

Por meio da mercantilização um modelo que ganha força no ensino superior privado é o EAD. A Educação a Distância, inscrita num quadro mais amplo do ensino superior no Brasil, acentuou ainda mais a precarização do trabalho docente, na medida em que a legislação sobre a EaD não regulamenta a quantidade de alunos por turma o que leva um mesmo professor a lecionar para turmas de até 300 alunos e a suprimir postos de trabalho. Além disso, o recurso tecnológico empregado possibilita que uma mesma vídeo-aula seja reproduzida indefinidamente ao passo que o docente que a gravou recebe apenas uma vez pelo conteúdo produzido. Visto sob essa ótica o avanço da EaD impulsionou as demissões no ensino superior privado, pois tomada como um processo de inovação tecnológica irrefreável não suprime a força dos interesses do capital no setor educacional, ao contrário revela-se como uma parcela promissora de mercado.

O Parágrafo 2 entrou em contato com Unibrasil e Universidade Positivo para que ambas se pronunciassem sobre as demissões, mas até a publicação desta reportagens não recebemos resposta. 

Gostou desse conteúdo? Você pode ajudar o Parágrafo 2 a produzir mais matérias, reportagens, vídeos e artigos sobre educação, realidade indígena, imigrantes, cultura, entre outros. Acesse nossa campanha de Financiamento Coletivo no Catarse e veja as vantagens de ser um assinante!

https://www.catarse.me/paragrafo2 

About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.