Foto: Agência Senado
Coluna: Evangélico à esquerda
A ideia de que existe uma perseguição implacável contra os evangélicos, a chamada cristofobia, é bastante difundida nos veículos online da mídia gospel. É comum ler comentários sobre isso, ou matérias falando sobre como os cristãos são perseguidos por sua fé. Será que isso é verdade? Esse papo se parece muito com o de “racismo reverso” dos brancos e “feminazismo” dos homens. É um opressor inventando argumentos para parecer ser oprimido, em pautas onde claramente tem privilégios. Cristãos que costumam ser vocais sobre sua fé aparecem em todo lugar, as vezes de maneira impertinente, mas dificilmente vão encontrar problemas. Vivemos em um país de maioria cristã, então falar em cristofobia nessa situação é como pensar que o nazismo alemão aconteceria num país como Israel. Sequer há nexo nisso. Mas os evangélicos no Brasil estão construindo, a partir de suas atitudes como grupo, um grande incômodo. Crente virou sinônimo de bolsonarismo, de terraplanismo, de hipocrisia, de estelionato, e de intolerância. E estas alcunhas têm fundamento? Mudar a percepção geral vai demandar tempo, porque as igrejas escolheram se afundar num projeto fadado a manchar qualquer imagem positiva que poderia ter antes. Fica difícil mostrar o amor de Cristo pra quem não é cristão, quando tudo o que a igreja espelha é a antítese nefasta desse amor…
Vamos falar de perseguição: a igreja é perseguida? Vou falar que há uma igreja perseguida hoje no Brasil, e ela é de matriz africana. São abundantes as notícias de casas dedicadas às religiões de matriz afro sendo invadidas, depredação e violação comendo solta, em muitos casos sendo completamente destruídas. Quem se declara praticante de religião dessa matriz tende a ser hostilizado. A perseguição é sistemática e implacável. Quem comete esse tipo de crime? O crente… E isso é muito triste, e não tem fundamentação alguma em Cristo. Mas já houve perseguição assim contra cristãos no Brasil? Na verdade, já, e a razão é bastante impressionante. Houve um período em que já estavam consolidados no Brasil o que nós chamamos de evangélicos históricos, as tradições protestantes mais antigas e/ou reformadas. Conviviam com um país majoritariamente católico. Veio com os imigrantes europeus, principalmente. Aí, no início do século XX começaram a chegar os pentecostais, instalando-se e alastrando-se por todo o país. Há registro de que estes foram hostilizados, tiveram suas casas de oração vilipendiadas, sofreram o mesmo tipo de perseguição que sofrem hoje as religiões de matriz africana. Mas aqui vêm a revelação do porque isso acontecia: porque o modo de culto pentecostal era parecido com as giras, na percepção dos tradicionais. A raiz do movimento pentecostal nos EUA é negro, na rua Azuza. O falar em línguas pentecostal e a experiência estática era demasiado semelhante, para quem via de fora, com as giras da umbanda e do candomblé. Até hoje há falas pejorativas entre os reformados que apelidaram os pentecostais de “candombléia”, juntando candomblé com assembleia, referenciando a Assembleia de Deus, maior igreja pentecostal no país. Outra razão desse preconceito era que o pentecostalismo encontrava lastro principalmente nas camadas mais pobres da sociedade, ao contrário dos irmãos abastados e de maioria branca dos outros protestantismos. Essa sempre foi uma questão racista, classista, de perseguição preconceituosa. Infelizmente, a vítima se tornou algoz conforme cresceu e se tornou instituição poderosa. Hoje quem persegue, depreda e macula os espaços de culto afro são justamente os pentecostais.
Esse triste retrato expõe que, verdadeiramente em nosso país, há Cristofascismo, e não Cristofobia. Os cristãos são os perseguidores, não os perseguidos. Não aprenderam a respeitar e amar como Cristo, mas adoram imitar aqueles que o perseguiram e mataram. Infelizmente…
Há bons cristãos. Não há dúvida que há os tolerantes, os sãos, os que seguem realmente a Cristo apesar do conluio institucional da igreja. Eu peço perdão a todos os meus amigos, conhecidos, e praticantes de cultos de matriz africana, que sentem na carne até hoje esse tipo de perseguição. Afirmo a vocês que estas atitudes não refletem o Jesus que eu sirvo, e sei que como eu, há tantos cristãos por aí que compreendem mensagem de Cristo. Há bons evangélicos, há bons católicos, não somos todos intolerantes. Assim Cristo nos ensinou. Somos filhos de uma mesma terra, de um mesmo Deus, e devemos saber conviver em paz e harmonia.
Rafael Bührer é estudante de Teologia na Faculdade Unida de Vitória/ES, EAD, Marxista-leninista, Cristão, ex-músico independente, recepcionista bilíngue, marido, torcedor do Coritiba e cearense naturalizado.