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Conflito entre Kaingangs no Paraná chega ao ápice, mas está longe de ter um fim

Uma centena de indígenas se reuniu ainda de madrugada. Ao amanhecer já está tudo pronto. Um ônibus e vários carros iriam transportar homens, espingardas, facões e pedaços de pau. Era o quarto dia de 2025 e os Kaingangs da Terra Indígena Ivaí, nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga, na região central do Paraná, partiram para a guerra.

O ataque marcou o ápice de um conflito que acontece há 20 anos na região. Os kaingangs avançaram contra seus próprios parentes, em uma investida contra seu próprio povo. Indígenas da Aldeia Ivaí se deslocaram por uma estrada de chão rumo à Aldeia Serrinha, em Pitanga, município vizinho a Manoel Ribas de onde partiu o comboio. Lá, queimaram todas as casas e os carros, feriram sete indígenas e enterraram definitivamente a possibilidade de uma convivência pacífica entre as duas aldeias.

E no centro de toda a violência está a disputa por terras para o arrendamento. A influência de não indígenas ligados ao agronegócio e também de políticos da região alimenta o conflito entre os Kaingangs ao longo das duas últimas décadas. Há mais de um ano o Parágrafo 2 acompanha e produz reportagens sobre a situação da Terra Indígena Ivaí. Alertamos diversas vezes que um conflito armado poderia acontecer e, infelizmente, estávamos certos.

O dia 04

Ao longe era possível ver as chamas que consumiam os barracos de madeira da Aldeia Serrinha. Das casas e carros ficaram só as cinzas. Era sábado, 04 de janeiro, quando o ataque começou. A maioria do Kaingangs, incluindo mulheres e crianças, fugiu. Muitos foram para a mata e só saíram horas depois. Os que ficaram tentaram resistir. Cinco, segundo informações encaminhadas ao Parágrafo 2, foram feridos. Entre eles dois baleados. Da Aldeia Ivaí dois se feriram.

O grupo que realizou o ataque tinha como principal alvo o cacique da Serrinha, Valmir Olivério. Valmir foi um dos baleados, levou um tiro na boca. Seu irmão também se feriu. Os dois foram hospitalizados e já receberam alta.

Ao longe era possível ver a fumaça das 60 casas queimadas. Foto: Colaboração.

Na versão do grupo que realizou o ataque, a investida foi um revide a uma agressão que teria acontecido na sexta-feira (03). Conforme a versão das lideranças da Aldeia Ivaí, por volta das 15h, na localidade chamada Laranjal, houve um ataque de integrantes da Serrinha contra Dirceu Pereira Santiago (personagem central de todos os conflitos na reserva indígena) e Osvaldo Crispim. Ambos são Kaingangs da Aldeia Ivaí e a ação da manhã do dia 04 foi uma resposta a uma comoção que tomou de toda a Aldeia. Os comboios teriam a intenção, na versão da Aldeia Ivaí, de prender os agressores que seriam o cacique Valmir e seu irmão, Amilton Olivério.

Valmir Olivério, por sua vez, destaca que os ataques contra a Aldeia Serrinha foram motivados pela disputa de terras. “A área é da União, tem que ser dividida entre todos os indígenas e era isso que eu estava fazendo aqui na Serrinha. Mas as lideranças da Aldeia Ivaí queriam essa terra para arrendar, por isso me perseguem desde que fundamos a nova aldeia. Eu era o principal alvo deste ataque”, diz.

 “Nós perdemos tudo, tudo mesmo. Isso é uma crueldade, uma crueldade com as crianças. Quem fez isso não tem coração e a justiça precisa ser feita, nenhuma casa sobrou, nem roupas, nem móveis, nem comida, nem carros…”, lamenta Valmir.

Há muitos vídeos (veja alguns abaixo) sobre os momentos dos ataques, os feridos e a fuga dos Kaingangs da Serrinha. Algumas fotos revelam os indígenas da Aldeia Ivaí reunidos antes da investida. É possível ver, em ao menos duas fotos, a presença de espingardas.  

Um dos carros utilizados no ataque, conforme denúncias encaminhadas ao Parágrafo 2, pertence à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) que é um órgão do Ministério da Saúde. Segundo as denúncias, a caminhonete da SESAI foi utilizada para o transporte de indígenas e também de armas.

O Parágrafo 2 questionou o Ministério da Saúde sobre essa denúncia. O Ministério respondeu por meio de nota que “até o momento, não recebeu nenhuma denúncia formal sobre o uso indevido de veículos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no contexto do conflito ocorrido entre indígenas Kaingang nas cidades de Manoel Ribas e Pitanga, no último dia 4.

Os veículos da Sesai na região têm como finalidade exclusiva o transporte de pacientes e a prestação de serviços de saúde. No dia do ocorrido, o veículo de plantão foi utilizado exclusivamente para encaminhar os feridos às unidades de saúde de referência nas localidades afetadas.

Caso alguma denúncia seja apresentada, o Ministério da Saúde assegura que ela será devidamente apurada, em conformidade com os princípios de transparência e responsabilidade que norteiam a gestão pública”.

Espingardas sobre os veículos mostravam a gravidade do ataque. Foto: Colaboração.

Os indígenas da Aldeia Serrinha, quase 300, estão hoje abrigados em Colégio de São João da Colina, no município de Pitanga. Os feridos já receberam alta dos hospitais para onde foram encaminhados no sábado. Agora, o que sobra é um profundo trauma e muita incerteza sobre o futuro da Aldeia e também sobre novos capítulos deste conflito.

Quem ganha com essa guerra?

Em março de 2024, centenas de famílias Kaingangs abandonaram a Aldeia Ivaí. Elas migraram para o Sul da Terra Indígena, em Pitanga, onde criaram uma nova aldeia batizada com o nome de “Serrinha”. E esse movimento migratório, que fez com que mais de 30% dos Kaingangs abandonassem a aldeia onde viveram por décadas, tem relação direta com a violência na região.

O conflito que envolve as duas aldeias tem relação com o plantio de áreas agricultáveis e também com o arrendamento das terras indígenas, prática proibida por lei, mas que acontece na região desde 2005.

A Terra Indígena Ivaí, segunda maior reserva do Paraná, tem 7.306,35 hectares. Destes, cerca de 900 alqueires são arrendados todo ano para o plantio de soja, trigo, milho, entre outras monoculturas. Uma prática que rende mais de R$ 1 milhão todos os anos para a Associação Comunitária Indígena Ivaí (Aciva), entidade criada em 2005 e que é a responsável por administrar o dinheiro de parte do arrendamento. A Aciva surgiu por meio de um grupo de lideranças e é ela que administra boa parte das terras que são arrendadas.

Hoje, o cacique da Aldeia Ivaí é Domingos Zacarias. Seu vice se chama Reinaldo Ninvaia. Os dois, porém, conforme as denúncias encaminhadas ao Parágrafo 2, pouco mandam. Quem dita as regras desde 2005, segundo as fontes ouvidas pela reportagem, é Dirceu Retanh Pereira Santiago. Ele é indígena, funcionário da prefeitura de Manoel Ribas, um dos fundadores da Aciva e já foi cacique e vereador no município.

Sobre ele pesam diversas acusações. O uso da violência, por exemplo, é uma delas. “O Dirceu é um cara muito perigoso. Ele usa de violência, tem capangas e impõe o medo quando é contrariado”, diz uma fonte. Segundo indígenas e outras fontes consultadas pela reportagem, Dirceu criou, ao longo dos anos, uma espécie de milícia indígena, que impõe sua vontade por meio da violência. Essa acusação, no entanto, não é nova.

Ele foi preso em 13 de dezembro de 2012 na Operação Forte Apache, deflagrada pela Polícia Federal (PF) para o cumprimento de nove mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão preventiva, expedidos pela Justiça Federal em Guarapuava e pela Justiça Estadual em Manoel Ribas.

Na época, Dirceu foi acusado de arrendar terras indígenas ilegalmente e enriquecer com isso. A denúncia do Ministério Público Federal o acusava de, em conluio com dois agricultores da região, arrendar 240 alqueires da Reserva.

Sete indígenas ficaram feridos durante o ataque, cinco da Aldeia Serrinha e dois da Aldeia Ivaí. Foto: Colaboração.

Segundo o MP, Dirceu também era suspeito de destituir diversos caciques e praticar os crimes de ameaça, constrangimento ilegal, corrupção, apropriação indébita, bando armado, posse e porte ilegal de arma de fogo, entre outros. O grupo de Dirceu foi investigado também pelo assassinato de dois indígenas na Reserva de Ortigueira, em abril de 2013.

Com a divisão das aldeias, no entanto, a Aldeia Serrinha ficou com significativa parcela dos alqueires usados para plantio e também arrendamento e, segundo o cacique Valmir, Dirceu tem feito investidas contra a nova aldeia desde então.

O Parágrafo 2 teve acesso a esse conflito em março de 2023, quando um menino de 10 foi anos estraçalhado por uma colheitadeira dentro da Aldeia Ivaí. A partir deste episódio, uma investigação levou a reportagem a descobrir uma série de assassinatos, agressões, mortes misteriosas, corrupção e atuação de grupos de milícia na Terra Indígena.

A primeira reportagem da série pode ser lida neste link:

Além de o arrendamento de terras gerar cerca de R$ 1 milhão por ano, os alqueires cultivados por indígenas também dão lucro. Mesmo assim, a maioria dos kaingangs da Terra Indígena Ivaí vive na pobreza. Sua principal renda vem de programas sociais como o Bolsa Família. E a subsistência é garantida também pela venda de artesanato em outras cidades do estado, incluindo Curitiba.

E essa miséria é causada pela concentração de renda das lideranças da Aldeia Ivaí, incluindo o cacique e o vice cacique. São eles que dominam o plantio, fecham acordo de arredamentos com agricultores da região e concentram o lucro na Associação Indígena. As demais famílias pouco se favorecem com o plantio da soja e de outras culturas.

Quem lucra com o arrendamento das terras – e se beneficia com conflitos como o ocorrido no dia 04 – são fazendeiros de Manoel Ribas e Pitanga. Eles arrendam (alugam) a terra dos indígenas para plantar soja, milho, feijão e outras monoculturas. Há anos enriquecem plantando em terras indígenas, que são terras da União Federal e não podem, segundo a Lei Federal 6.001/73, ser “objeto de arrendamento ou de qualquer negócio jurídico que restrinja a posse da comunidade indígena”.

A soja plantada de maneira ilegal na terra indígena é vendida à Coamo Agroindustrial Cooperativa, prática feita pela cooperativa há muitos anos, como prova a Ação Penal Nº 5000182-26.2013.4.04.7006/PR, movida pelo Ministério Público Federal do Paraná no ano de 2013, onde a Coamo é denunciada como destino da soja fruto do arrendamento ilegal.

Na época, como revelou o Parágrafo 2 na primeira reportagem, o então cacique da Aldeia, Dirceu Retanh Pereira Santigo e mais dois agricultores foram presos pela Polícia Federal depois de denúncia do Ministério Público Federal.

A Coamo, nesta ação, é citada como receptora da soja. “Vale acrescentar que o produto da exploração das terras indígenas era, em sua grande maioria, repassado à COAMO, conforme demonstram as notas fiscais colacionadas no evento 35”, diz um trecho da sentença.

Segundo o AgroLink https://www.agrolink.com.br/regional/pr/manoel-ribas/estatistica , no ano de 2023, o município de Manoel Ribas produziu 122.700 toneladas de soja em 30 mil hectares.

Boa parte dessa soja, cuja produção cresce a cada ano, é destinada à cooperativa Coamo. Ela é responsável pelo recebimento e pela comercialização de 16% da produção paranaense e de 2,8% de toda a safra de grãos e fibras produzidas no Brasil. Em 2023, a Coamo teve um lucro líquido de R$ 2,32 bilhões. Esse valor representa um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior.

A Cooperativa tem 114 unidades localizadas em 74 municípios nos estados do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, para recebimento da produção agrícola dos mais de 30 mil associados. A soja é o principal produto recebido, seguida pelo milho, trigo, café e outros.

A extensão territorial da Coamo é de 4 milhões de hectares e sua capacidade global de armazenagem é superior a 7 milhões de toneladas. A cooperativa é a sétima maior do mundo e teve uma receita de R$ 26,7 bilhões no ano de 2022.

E a prática de comprar soja de terras indígenas pela Coamo, entretanto, não se restringe apenas ao Paraná. Reportagem do De Olho nos Ruralistas em parceria com a Ong Earthsight, publicada em maio de 2022, revela que a Coamo comprava na época soja produzida em terras indígenas no município de Juti, no Mato Grosso do Sul. A reportagem identificou produtores locais que plantavam em terras indígenas invadidas na região. E a produção de suas lavouras, segundo a publicação, seria vendida à Cargill e à Coamo.  As duas têm filiais em Caarapó, localizadas a um raio de 30 quilômetros da sede do imóvel de onde sai a soja.

Uma dessas unidades, da Coamo, segundo a reportagem, foi o local de partida dos pistoleiros que promoveram o Massacre de Caarapó, um ataque realizado por produtores rurais em 2016 contra os Guaranis da região e que matou o agente de saúde Clodiode de Sou

Políticos também se beneficiam

Em novembro de 2023 o Parágrafo 2 publicou uma reportagem revelando como políticos da região de Manoel Ribas se beneficiam com o arrendamento das terras e da influência das lideranças sobre as famílias indígenas.

A Reportagem pode ser lida neste link: https://paragrafo2.com.br/fraude-e-fome-o-saldo-do-arrendamento-de-terras-kaingangs-no-parana/

Na época, Roberto Antônio Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, explicou que o Arrendamento de terras indígenas só se torna viável se quem está do lado de fora se relaciona com o poder local e estabelece contratos para plantar em solo indígena. Assim, grupos econômicos se beneficiam muito dos espaços das reservas porque muitas vezes eles estão em municípios muito pequenos onde a economia é baseada na agricultura. “Aí, quando se tem grandes extensões de terras indígenas que são usadas para o plantio de grupos locais, outros grupos como comerciantes, políticos, empresas que vendem equipamentos agrícolas, venda de insumos, cooperativas, todos se beneficiam com o arrendamento, menos os indígenas mais pobres, é obvio. Esses núcleos econômicos locais têm responsabilidade também sobre os conflitos e sobre a escalada de violência”, diz Liebgott.

O indigenista ressaltou que nos últimos anos alguns caciques e lideranças passaram a negociar internamente a terra e se apoderar de todas as áreas produtivas, especialmente nas reservas indígenas. E essas pessoas, ligadas ao cacicado, é que fazem as intermediações do arrendamento com os produtores.

Como o poder público começou a intervir fortemente para combater essa prática, houve, especialmente aqui no Sul do país, conforme explica o indigenista, tentativas de negociação com a Funai e esses grupos para criar, no âmbito das comunidades, cooperativas e associações para gerir os arrendamentos. “Mas essas cooperativas servem para burlar a lei. Com a atuação delas dá a impressão que o arrendamento deixou de existir e toda a produção seria feita pelos cooperados ou associados. No entanto, os grupos que controlam essas entidades têm relações com não indígenas que controlam os processos de cultivo destas áreas”, diz.

E o lucro de alguns é a miséria da maioria. E é em cima desta condição de extrema pobreza que se beneficiaria, segundo várias fontes ouvidas pela reportagem, um vereador de Manoel Ribas e também seu irmão, um comerciante local.

Marcio Patera (PMN) é o presidente da Câmara Municipal do município de Manoel Ribas. É conhecido como Marcio do Mercado e precisou de pouco mais de 300 votos para se eleger em 2020.

Marcio e seu irmão, Fabiano Patera, são muito conhecidos na cidade, especialmente na Aldeia Ivaí. Os dois têm mercados no município. Marcio é dono do Mercado São Luiz, que existe desde o ano de 2015 e Fabiano é o proprietário do Supermercado Bom Preço, que existe desde 2005, coincidentemente o ano em que as terras da reserva começaram a ser arrendadas.

Os dois irmãos são acusados, pelas fontes ouvidas pela reportagem, de apropriação indevida de cartões de benefícios sociais, como o Bolsa Família. Segundo a denúncia, indígenas que têm direito a esses benefícios são coagidos pelas lideranças da Aldeia a comprar nos supermercados dos Patera. Lá, os cartões ficariam retidos, o que obriga os índios a comprar mantimentos apenas nos dois comércios.

O vereador e seu irmão cometeriam esse crime, conforme fontes ouvidas, há muitos anos. “Faz muito tempo que eles fazem isso. Os cartões dos índios ficam no mercado Bom Preço e as famílias tem que comprar lá. Além disso, o Fabiano Patera cobra valores a mais, passa a perna nos índios”, diz uma fonte.

E essa prática realmente é antiga, como comprovam operações da Polícia Federal deflagradas em Manoel Ribas ao longo dos anos. Em 2006, proprietários de três mercados da cidade foram indiciados por apropriação indevida, após serem flagrados na posse de 64 cartões do programa Bolsa Família, pertencentes a famílias residentes na Aldeia Ivaí. O flagrante foi feito nos mercados Avenida, São Pedro e Bom Preço, mercado de Fabiano Patera.  Cada um dos cartões recolhidos tinha anexado um adesivo com a respectiva senha, permitindo que os próprios comerciantes fizessem os saques.

Já em 2014, a Polícia Federal cumpriu quatro mandados de busca e apreensão em dois mercados e em duas propriedades particulares do município. Durante a Operação, denominada “Pantera” (que por conta de um “n” não foi batizada com o sobrenome do vereador e de seu irmão), foram apreendidos treze cartões em nome de indígenas, além de outros documentos. Na ocasião ninguém foi preso.

Segundo as investigações da polícia na época, os comerciantes retinham os documentos para subtrair valores e garantir o pagamento de compras feitas pelos índios, para realizar fraudes em financiamentos e também para saques de benefícios previdenciários de indígenas já falecidos.

Mesmo depois de anos e de ao menos duas operações da PF, indígenas da região afirmam que Marcio e Fabiano Patera continuam com a prática de reter cartões. Agora, porém, conforme as fontes ouvidas pela reportagem, existe o uso da violência para cobrar aqueles que ficam devendo no Mercado Bom Preço. “O Fabiano, se alguém ficar devendo no mercado, vai até a casa da família, entre a força e pega alguma coisa de valor, como uma TV, por exemplo, pra poder cobrar essa dívida”, diz um indígena ouvido pela reportagem.

Quando publicou a segunda reportagem desta série o Parágrafo 2 entrou em contato com Marcio Patera que respondeu por meio da seguinte nota:

“Mormente, ressalto que, não há e nunca houve apropriação de cartões de benefício sociais indígenas. Destaco ainda que, a mais de 5 anos o Supermercado São Luiz não existe mais. Anteriormente e atualmente existem vários Mercados que realizam a venda para indígenas, e que nunca se submeteram a realizarem compras apenas nos mercados citados, inclusive dentre da própria Aldeia Indígena Ivaí existem comércios que realizam vendas para os Indígenas. Não obstante, destaco ainda que, em operação realizada pela Policia Federal em bojo de inquérito policial sobre suposto atos ilegais cometidos pelos citados, ambos foram inocentados e o referido inquérito foi arquivado pela autoridade policial, sem desencadear qualquer tipo de ação penal. Destarte, as perguntas elaboradas pela reportagem em momento algum se fazem inquisitivas, sempre trazendo em seu teor o direcionamento de resposta, e as acusações apontadas ao Vereador Marcio Patera e seu Irmão Fabiano Patera, deveria ser trazida com indicativo de “suposto”, uma vez que, não há processo penal movido em face dos mesmos. Além disso, como já destacado acima ambos tiveram acusações improvidas em bojo de inquérito policial e posterior arquivamento. Contudo, diante das perguntas tendenciosas apresentadas, encaminho minhas respostas, e me coloco a disposição para qualquer outra explicação que se fizer necessária”.

Graves omissões

A Funai é citada como omissa pelos indígenas pois, segundo eles, sabe dos arrendamentos ilegais de terra e inclusive ajudou na “implementação” deste modelo por meio da participação do servidor Alvacir Jesus Sales Ribeiro, que era chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Coordenação Regional da Funai na cidade de Guarapuava.

Os índios afirmam que Alvacir tinha contados importantes no poder judiciário e, por isso, sabia antecipadamente de fiscalizações e também operações policiais que aconteceriam na aldeia. “Ele sabia e avisava as lideranças para que elas sumissem com provas”, diz uma fonte.

Mas não é a primeira vez que a Funai é acusada de facilitar o arrendamento de terras na Reserva Ivaí. E não são apenas os indígenas que a acusaram. Nas alegações finais do processo que envolvia arrendamentos de terra na Aldeia, quando Dirceu foi preso ao lado de três agricultores, esses arrendadores confessaram a prática e, segundo eles, apenas a fizeram porque “foram induzidos a erro por funcionário da Funai”. Naquele processo, a Fundação foi intimada a se manifestar, mas se manteve “inerte”.

Na época, o servidor da Funai era Maycon Dione Moura. Ele era coordenador técnico da Fundação em Guarapuava, onde fica a unidade responsável pelas ações na Terra Indígena Ivaí. Moura foi condenado pela justiça com base no Artigo 317 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 por receber, por conta de sua função, vantagem indevida. Ele teria recebido, entre 2012 e 2013, R$ 9.500 para facilitar o arrendamento das terras indígenas, cometendo o crime de corrupção passiva. Ele é hoje secretário de Meio Ambiente na prefeitura do município de Cândido de Abreu, também no interior do Paraná.

O Parágrafo 2 entrou em contato com a Funai pedindo um posicionamento sobre o conflito ocorrido no dia 04/01. A Fundação respondeu por meio da seguinte nota:

“A Funai acompanha o caso do conflito ocorrido na Terra Indígena Ivaí, envolvendo as aldeias Ivaí e Serrinha. Ao ser informada sobre o conflito, a instituição entrou em contato com as lideranças indígenas locais e acionou a Polícia Federal para que as providências necessárias fossem adotadas. Além disso, a Funai mantém diálogo com as comunidades indígenas e as autoridades locais para que o impasse seja solucionado com a maior rapidez possível”.

O Parágrafo 2 entrou em contato também com o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná, pedindo um posicionamento sobre a violência contra a Aldeia Serrinha. O MPF respondeu com a seguinte nota:

“Não localizamos nenhum procedimento em nosso sistema envolvendo os fatos mencionados em seu pedido. Isso não quer dizer que não exista; em caso de procedimentos sob sigilo, eles não aparecem nos resultados da pesquisa e não temos acesso a qualquer informação”.

Entramos em contato também com a Polícia Federal, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Mas até a publicação desta reportagem, ninguém se manifestou.

Futuro incerto

No dia 07/01 foram realizadas duas reuniões com a presença do prefeito de Pitanga e do prefeito de Manoel Ribas, o coordenador Regional da Funai, um representante do Conselho Estadual dos Povos Indígenas e um da Polícia Militar.

Os encontros aconteceram de manhã com representantes da Aldeia Ivaí e à tarde com representantes da Serrinha. Mas elas não foram frutíferas. As lideranças da Aldeia Ivaí não querem que a Aldeia Serrinha continue existindo.

Agora, novas reunião com Funai, Polícia Federal e Ministério Público Federal devem acontecer nos próximos dias.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.

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