No último domingo, 16 de agosto, sentei-me às históricas escadarias da UFPR na Santos Andrade. Perdido em pensamentos sobre o vir a serde Heráclito e admirando a profundidade poética de sua máxima “não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”, pois, como tudo flui, o segundo banho já seria em outras águas e o banhista também já teria se modificado – Comecei a imaginar que tipo de mudança poderia ocorrer ao banhista e me questionar se todos os seres realmente mudam.
Foi quando comecei a ser cercado por uma falange vestida com camisas da seleção canarinho. Na hora pensei: “dia de jogo!”. Como há muito não me animo em acompanhar a seleção da Nike, não fazia ideia de quem era o adversário, foi quando começaram a surgir alguns cartazes. A leitura das cartolinas escritas em português semialfabetizado me fizeram lembrar de que aquilo era um protesto.
Cogitei questionar algumas pessoas sobre as frases, estapafúrdias e mal pontuadas, mas percebi nas faces escoriadas de alguns jovens que transitavam de roupas vermelhas que a argumentação da bicuda e do sopapo era a única perspectiva de diálogo. Resolvi não mencionar os erros, tampouco as contradições em banners, que continham intervenção militar e democracia na mesma frase.
Resolvi perambular no grupo que aumentava e ler mais cartazes que, em sua maioria, versavam sobre corrupção. Para minha desilusão, não achei nenhum que falava do deputado Nelson Justus, nem de diários secretos, nomeação dos altos cargos da Sanepar ou Copel, funcionários fantasmas, nada disso. Nem escândalos de campanha do penteadíssimo governador Beto Richa, que provavelmente estava sobrevoando a capital naquele helicóptero alugado a R$ 22.000,00 por dia, ou passeando mesmo, com a turma da Harley Davidson em algum pub retrô.
A complexidade das manifestações é grande, e não é privilégio de curitibano desfilar com tais aberrações conceituais como adereço. Pelo país, o que se viu, além de intolerância e discurso de ódio, foram rezas de terços envoltos à bandeira, pai nosso de joelhos em porta de quartel, anauês integralistas e bailes ufanistas com coreografia de gosto duvidoso.
Obviamente, qualquer sujeito com a mínima capacidade de raciocínio condena a corrupção. Todos queremos muito que as investigações e condenações ocorram, que nossa justiça passe a ser, de fato, para todos, que saíamos de uma vez por todas da época pré-iluminista no âmbito judicial e que sejamos, mesmo, iguais perante a lei.
O que chama a atenção, porém, é que ,enquanto se condena alguns por corrupção, se aplaude a outros. Eduardo Cunha posa como herói nacional, mesmo tendo sido tesoureiro de campanha no RJ do único presidente impeachmentmado da história do país .Mais do que isso, mesmo depois de ter sua própria campanha financiada pela Camargo Corrêa em 2012, empresa atolada até o pescoço com a Operação Lava Jato.
Olhando ainda alguns cartazes, me esqueci de Heráclito. Se existisse ainda, talvez mudaria de ideia sobre a transformação do ser. Se lhe fosse possível ler os pedidos de intervenção militar em um país com histórico de democracia interrompida várias vezes, provavelmente sentiria vontade de se afogar, não no mesmo rio, mas várias vezes.