Com informações do Cimi
Foto: PRF/Divulgação/CSC
Nesta quinta-feira (11), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) publicou uma denúncia revelando que um município de Santa Catarina e um do Rio Grande do Sul estariam destinando cerca de R$ 300 mil de recursos públicos para disseminar ódio contra os povos indígenas Kaingang e Guarani e frear os processos demarcatórios.
Um dos projetos é uma Lei de iniciativa da prefeitura e aprovada no município de Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul e o outro, um edital assinado pela gestão da prefeitura de Palhoça, em Santa Catarina.
Em Vicente Dutra, a prefeitura lançou um edital de contratação de serviços jurídicos com o objetivo de atacar os procedimentos de demarcação da Terra Indígena Rio dos Índios, investindo recursos financeiros do orçamento municipal no valor de R$ 140.000,00 e em Palhoça, a lei prevê a contratação de serviços de antropologia para produzir peças supostamente técnicas para atacar e combater os procedimentos demarcatórios. Tal articulação seria desenvolvida em um período de 11 meses a um custo de R$ 14.090,91 mensais, representando um montante total de R$ 155.000,00.
O prefeito de Vicente Dutra, Tomaz de Aquino Rossato (MDB), argumenta no Projeto de Lei que os recursos serão destinados a auxiliar a Associação dos Amigos das Águas do Prado a custear despesas de ações judiciais que terão como objetivo para o processo de demarcação de terras indígenas na cidade de 5 mil habitantes.
No PL, o prefeito diz que a demarcação vai remover mais de 70 famílias de agricultores e prejudicar a cidade na arrecadação de impostos e também no turismo.
Águas do Prado é um clube privado com piscinas de cabanas de campo. A prefeitura da cidade pretende destinar R$ 140 mil dos cofres públicos para que o clube entre com ações na justiça na tentativa de barrar a demarcação de terras indígenas na região.
Já em Palhoça, na Região Metropolitana de Florianópolis, a consultoria que a prefeitura pretende contratar, segundo o documento expedido pela administração municipal, vai “atualizar, adensar e completar todas as peças técnicas contestatórias necessárias para contestar, denunciar e combater a 04 (quatro) reivindicações territoriais indígenas no Morro dos Cavalos, Morro do Cambirela, Massiambu e Praia de Fora, atuando em defesa dos direitos de propriedade dos cidadãos e dos melhores interesses e o direito de desenvolvimento do município”.
Para Cleber Buzatto, membro do Conselho Indigenista Regional Sul, equipe Florianópolis, é evidente a tentativa de combate aos procedimentos de demarcação dessas terras indígenas. Segundo Buzatto, o Cimi solicitou que o Ministério Público Federal investigue a situação de Palhoça, a fim de coibir qualquer prática que fomente o ódio e interfira nos direitos originários dos povos indígenas dessa região. No documento, o Cimi descreveu:
“Como é de conhecimento, as terras indígenas tradicionalmente ocupadas são de domínio da União (CF Art 20, Inciso XI). Sendo assim, a prefeitura de Palhoça, SC, pretende fazer uso de recursos financeiros públicos da municipalidade para agir contra a própria União, a quem cabe a obrigação constitucional de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas CF Art 231). Mais do que isso Sra. Procuradora. A prefeitura de Palhoça, SC, com esta iniciativa, favorece e privilegia parcela de seus munícipes ao mesmo tempo em que pretende atacar, com uso de recursos públicos municipais, injusta e arbitrariamente, o direito de outra parte dos seus próprios munícipes (membros da comunidade indígena que habitam a área de abrangência do município). Os recursos públicos municipais devem beneficiar toda a população municipal, não sendo pertinente, nem legal, o seu uso com a finalidade de produzir e ou potencializar discriminação entre seus cidadãos e cidadãs do próprio município por qualquer motivação, inclusive aqueles de caráter étnico”.
No caso de Vicente Dutra, o Cimi também encaminhou um pedido de investigação ao Ministério Público Estadual e Federal, explicando a situação da seguinte forma:
“O Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, vem, respeitosamente, requerer que o Ministério Público Federal proceda à averiguação do seguinte fato: A Câmara de Vereadores de Vicente Dutra recebeu do Prefeito Municipal, Senhor Tomaz de Aquino Rossato, a proposta de lei municipal, cujo número é PL 2926/2024, através do qual autoriza o Poder Executivo Municipal a estabelecer um Termo de Fomento com a Associação dos Amigos das Águas do Prado de Vicente Dutra, e dá outras providências. Pretende, o Executivo Municipal, destinar recursos financeiros do orçamento municipal, no valor de R$ 140.000,00, para custeio de despesas inerentes a ações judiciais, desta associação privada, contra a demarcação da Terra Indígena Rio dos Índios, portanto, agindo contra a própria União, a quem cabe a obrigação de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas, porque elas compõem seu patrimônio. Há flagrante descumprimento de finalidade em tal iniciativa, porque não cabe ao Poder Executivo Municipal, proceder o pagamento, com dinheiro dos munícipes – de todos eles, incluindo-se os indígenas – de ações judiciais de particulares, especificamente 70 (setenta) famílias. Essa proposta, além de ser uma afronta aos indígenas e aos demais cidadãos e cidadãs de Vicente Dutra, é inconstitucional, porque financia-se com recursos municipais medidas judiciais de interesses particulares, privados, para afrontar os direitos indígenas e os interesses públicos da União. Além disso, trata-se de flagrante violação a princípios basilares e constitucionais que devem reger a Administração Pública, nos termos do Art. 37 da Constituição Federal de 1988. O PL 2926/2024 foi aprovado, pela Câmara de Vereadores de Vicente Dutra, na sessão ordinária do dia 26 de março de 2024”.