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Cem anos de estrela, a hora de Clarice

Cem anos de Clarice Lispector

Por Jaque Marcelino 

 

Em 10 de Dezembro de 1920, nascia Haya Pinkhasovna Lispector. Em 1922, a pequena Haya e sua família deixaram a Ucrânia e vieram para o Brasil, mais precisamente Maceió. Por vontade do pai, todos mudaram de nome, a fim de melhor se estabelecer na nova morada, nascia, então, Clarice Lispector.

Embora tenha revelado seu medo da eternidade, comendo o chiclete pela primeira vez, em Recife, não conseguiu fugir, tornou-se eterna. Mais do que isso, eterna, intensa e inesquecível. No centenário de Clarice, não quero fazer um texto acadêmico, uma análise, com citações e embasamentos literários, estéticos e linguísticos. Isto não é um ensaio, uma tese ou uma dissertação. Este é um texto de alguém cuja presença de Clarice chegou à vida, e posso afirmar: Só se pode existir em dois momentos nesta vida, antes e depois de Clarice.

Chamada de hermética por alguns, Clarice negava: “Eu me compreendo, de modo que não sou hermética”, afirmou em uma entrevista. Eis a chave para também compreendê-la: para se ler, é necessário ser Clarice. Não se está a desvendar enigmas ao ler sua obra, se está a viajar por si mesmo e pelo outro. É possível encontrar muito da autora em suas obras, ao mesmo tempo que vemos muito de nós mesmos. A menina ruiva, sentada com sua bolsa ao pé da escada, no conto Tentação, representa a sua e a nossa solidão e o desejo de se reconhecer no mundo, no outro.

Seu primeiro romance, Perto do coração Selvagem, fora publicado em 1943, trazendo a introspecção da personagem Joana, suas reflexões que transitam entre o passado e o presente, sua infância e sua vida adulta. De uma maneira que poucas pessoas conseguem fazer, nos tornamos Joana, suas lembranças tornam-se nossas lembranças e, diante dessa identificação, os fluxos de pensamentos já não se perdem mais. Segundo Antônio Candido, a autora “soube criar o estilo conveniente para o que tinha a dizer. Soube transformar em valores as palavras nas quais muitos não vêm mais do que sons ou sinais’.

Para escrever este texto, espalhei meus preciosos livros – chamo de preciosos pois, se há, em minha vida, algo que eu salvaria de um incêndio, seriam meus livros da Clarice – como ia dizendo, espalhei-os a fim de tentar escolher sobre qual haveria de dividir com vocês, entre eles estão:

  • O Lustre (1946)
  • A Cidade Sitiada (1949)
  • Laços de Família (1960)
  • A Maçã no Escuro (1961)
  • A Legião Estrangeira (1964)
  • A Paixão Segundo G. H (1964)
  • O Mistério do Coelho Pensante (1967)
  • A Mulher que Matou os Peixes (1968)
  • Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969)
  • Felicidade Clandestina (1971)
  • Água Viva (1973)
  • A Imitação da Rosa (1973)
  • Via Crucis do Corpo (1974)
  • Onde Estivestes de Noite? (1974)
  • Visão do Esplendor (1975)

Mas separei meu favorito para indicar-lhes do fundo do coração, com muito carinho, o que eu chamo de “O meu livro”, lido, relido e re-relido: A hora da Estrela. Às vezes, sinto vontade de sair de casa em casa, nas manhãs de domingo, bater palmas e assuntar “Bom dia, A senhora já leu A hora da estrela”. Eu seria uma espécie de testemunha de Macabéa, tamanha a minha vontade de poder conversar com todo o mundo sobre esse livro.

Macabéa é a grande estrela da obra, uma personagem tão complexa que não pode ser entendida de imediato, em uma leitura apenas. Uma Heroína que, segundo Suzana Amaral (cineasta que levou a obra para as telonas), é a contrapartida do Macunaíma, o herói sem caráter.

Macabéa- A Hora da Estrela

A novela traz o processo de criação, através de um narrador Fictício Rodrigo S. M, que, assim como nós vai desenvolvendo uma espécie de amor e ódio por Macabéa, uma jovem de 19 anos, alagoana, que perdera os pais ainda criança e fora criada por uma tia muito má. Dentre as maldades da parenta, a pior era privar a protagonista de sua maior paixão: queijo com goiabada.

A vida leva Macabéa para a cidade grande, onde consegue um emprego como datilógrafa, a partir de então conhecemos o mundo junto à personagem. Vou parar de contar por aqui, espero que vocês leiam e não esperem que es apareça em seus portões.

Segundo Clarice, o nome Lispector significa “flor de lis no peito”, nem sempre, mas muitas vezes o nome faz jus à pessoa. É no peito que guardamos para sempre suas palavras, é no peito que carregamos Clarice. Neste seu centenário, espero plantar a semente de uma flor de lis no peito de cada um de vocês.

About Jaque Marcelino

é formada em Letras pela PUC-PR, professora de Literatura, Língua Portuguesa e Espanhol. Dizem por aí que não é mulher para casar.