Texto: Baba Flávio Maciel
Fotos: Helder Ramon (Sanosuke Helder)
O terreiro Ilê Alaketu Ijoba Axé Oxum e Ogum, no bairro Xaxim em Curitiba, foi palco de uma emocionante celebração de casamento tradicional no Candomblé. Com a presença de familiares, convidados e lideranças religiosas, a cerimônia, que aconteceu no último sábado (28), uniu o casal Cassiana e Alexandre em um rito ancestral repleto de significados espirituais.
O casamento foi conduzido pelo Babalorixá Sadi de Oxum e contou com elementos sagrados como a consulta ao Ori e ao Obi, a entrada dos noivos ao som de toques ancestrais, a coroação com flores e a consagração das alianças com ervas e elékès. As músicas entoadas — como Kọrin Ewé, Aguere, Hamunha e Satọ — deram o tom de axé, fé e emoção ao ritual, que selou o compromisso do casal diante dos Orixás e da ancestralidade.
A cerimônia também expressou os valores de respeito, cuidado e continuidade da tradição, promovendo visibilidade para as celebrações religiosas de matriz africana.
Crônica de um Ìgbéyàwó no Axé
O casamento foi um verdadeiro rito de axé, um mergulho na ancestralidade, onde cada passo foi guiado por toques sagrados e pela força dos Orixás.
A cerimônia teve início com a entrada dos pajens, pequenos mensageiros da pureza, que adentraram o espaço sagrado jogando folhas ao chão — símbolo de limpeza espiritual e preparo do caminho para o sagrado. Ao som do toque Kọrin Ewé, cantavam-se as folhas, anunciando que a natureza e os encantados estavam presentes.

Logo após, o noivo entrou com imponência, guiado pelo ritmo do Aguere, toque ancestral de seu Orixá, que marcou sua chegada com força e respeito.
Os padrinhos vieram em seguida, ao som da Hamunha, toque que convoca, que chama à responsabilidade: testemunhar aquele compromisso não era apenas honraria, era missão.
Então, o coração do terreiro vibrou: a noiva fez sua entrada ao som do Satọ, um dos toques sagrados de sua mãe Orixá, Iyewa. Ela não vinha só — era guiada por cinco àgbàs, mulheres anciãs da casa, que dançavam, ululavam e abriam os caminhos com sabedoria e alegria. Era o axé da tradição que a acompanhava.
O Babalorixá Sadi de Oxum abriu a cerimônia com palavras profundas sobre o sentido do casamento no Candomblé: um pacto espiritual, assumido diante de Olódùmarè, dos Orixás e da ancestralidade. Com sensibilidade, ele narrou também a história do casal: como se encontraram, o que os uniu, os caminhos que trilharam até aquele momento. O amor deles era visível, mas agora era também sagrado.
Antes de seguir, foi necessário pedir a permissão do Ori — a cabeça, o destino de cada um. Sem o consentimento do Ori, nenhuma bênção se sustenta. Após saudar o Ori de ambos, o Obi foi consultado, e, com alegria, confirmou: os caminhos estavam abertos.
Um casal de padrinhos entrou, trazendo coroas de flores que foram colocadas sobre a cabeça dos noivos. Afinal, o Ori deve ser tratado como rei e rainha — honrar a si é honrar os Orixás que ali residem.
As alianças vieram levadas por um pequeno mensageiro — tímido, mas carregando a jóia que selaria o compromisso. O toque Ijexá e o cântico Àwúre para Ọ̀ṣàlá embalaram a entrada, pedindo que coisas boas iluminem a nova estrada.
O Babalorixá consagrou as alianças com ervas sagradas e guiou os noivos em seus votos. Em seguida, selou a união com os elékès, insígnias dos Orixás, que agora se tornam também guardiões desse amor. Que as forças sagradas estejam presentes não só neste dia, mas em toda a jornada de vida a dois.
O beijo que selou o ritual não foi apenas um gesto: foi a consagração do compromisso. Os convidados, emocionados, celebraram com fé, amor e lágrimas de alegria.
E, enquanto novos cânticos ecoavam, a cerimônia se despedia… mas o axé plantado ali seguirá crescendo, alimentado pelo respeito, pelo cuidado e pelas bênçãos dos Orixás.
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