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Operadores de telemarketing são largados à própria sorte na pandemia do Covid-19

Nesta segunda (23) operadores de Call Center terceirizados que atuam no setor de Seguro e Previdência do Banco Bradesco em Curitiba iniciaram uma série de manifestações exigindo que o trabalho seja realizado no regime de home office. Além da pausa no atendimento, realizada na manhã de segunda e ignorada pela empresa Neobpo, os operadores organizaram uma panfletagem na frente das duas sedes onde a empresa atua em Curitiba. Ainda há um vídeo, feito pelo coletivo Ana Montenegro, que está circulando nas redes sociais, denunciando o descaso da Neobpo e do Bradesco com os operadores de call center.

“Era para ser um protesto mais efetivo. Mas, como houve retaliação da empresa muita gente não foi”, explica a funcionária Letícia sobre o ato de panfletagem na porta da empresa. Nos grupos de WhatsApp dos operadores circulou a informação de que existe uma lista de demissão com os nomes dos funcionários que estavam participando dos protestos. Segundo Letícia, em uma das sedes (bairro Hauer), o ato foi acompanhado de perto e registrado por coordenadores e funcionários do RH da Neobpo. Na outra sede (Centro) eles foram impedidos de realizar o ato. “A coordenadora disse que não poderíamos panfletar independente do motivo e fomos convidados a nos retirar. Um colega que ficou lá disse que sofreu represália. Sofreu pressão para pedir a conta”, revela Letícia.

Além da mobilização dos operadores, o Sindicato dos Bancários de Curitiba solicitou ao Bradesco que liberasse os funcionários não bancários para realizar o trabalho de forma remota. Nesta quarta-feira (25) o juiz da 20º Vara do Trabalho de Curitiba determinou o fechamento dos bancos na capital paranaense, entre eles o Bradesco. Ainda cabe recurso desta decisão. A Neobpo não passou nenhuma nova orientação aos seus colaboradores, que seguem trabalhando normalmente no chamado “esquema ‘Xadrez’, ou seja, com os funcionários sentados de forma alternada e com as PAs [postos de atendimento] respeitando a distância mínima de 1m entre cada colaborador” e também com escala de um dia sim e outro não de trabalho presencial. Escala que, segundo os operadores, não é divulgada com antecedência. A empresa informou em nota que “segue normalmente com suas atividades, amparada pelo Decreto federal nº 10.282, de 20 de março de 2020”. Outra medida tomada pela empresa é a disponibilização de kits para limpeza das estações de trabalho e realização, de forma assídua, da “limpeza dos espaços comuns – em especial dos itens de manuseio frequente, tais como maçanetas, puxadores, torneiras, bebedouros, micro-ondas, catracas, etc”. De acordo com a apuração, boa parte das funcionárias que realizam a limpeza tem mais de 60 anos, faixa etária esta que, de acordo com as recomendações das autoridades de saúde, deveria estar em quarentena por fazer parte no grupo de risco.

Operadores panfletaram nos locais de trabalho para conscientizar colegas do risco do trabalho presencial.

A incerteza das mães

Diante da falta de uma ação mais efetiva da empresa e do banco, e receosos com o risco de se expor ao vírus, muitos operadores estão recorrendo à licença médica ou mesmo faltando sem justificativa.

As mães com filhos em idade escolar enfrentam uma situação ainda mais delicada. Com os filhos em casa, devido ao fechamento das escolas, as mães se veem muitas vezes obrigadas a faltar ao trabalho, mesmo sem saber se ao fim desta quarentena terão seus empregos ou mesmo seus salários a receber. “Eu não entrei na empresa segunda e terça. Eu tenho filho pequeno e comuniquei à gestora que não poderia mais ir”, conta a operadora Letícia.

Maria Vitória Santos Facchini, 21, está em casa desde segunda-feira (23) sem atestado e nem justificativa formal para suas faltas. Ela teme que seja demitida por justa causa por ter que ficar em casa cuidando do seu filho de três anos.  “Hoje realmente não tem como eu ir trabalhar porque eu não tenho quem fique [com o filho]. Minha avó tem 83 anos de idade e está reclusa em casa. Minha mãe não pode ficar aqui para auxiliar. Eu fico com o meu filho o tempo todo dentro de casa.”, explica Maria Vitória, que está certa de sua demissão em breve.  “Eu vou ser sincera. Estou sentada esperando a minha demissão chegar por causa das minhas faltas. Porque eu não acho que vai mudar muita coisa”.

Outra operadora, que não quis se identificar, tem dois filhos com sintomas de gripe, além de pais e avós em grupo de risco e de pessoas próximas que trabalham na área da saúde. Diante desse quadro ela recorreu a orientações da secretaria de saúde do município que lhe pediu que ficasse em casa para não ser vetor da doença. No entanto o seu pedido sequer foi ouvido pela sua supervisora. “Sinceramente eu não sei o que fazer. Porque eu não tenho coragem de sair de casa. Eu não vou correr o risco de sair de casa e ir lá onde teve suspeita… onde tem gente, com certeza com essa merda desse vírus, e expor a minha vida e a vida dos meus filhos quando eu voltar para casa. A gente está tomando todos os cuidados possíveis. Mas eles vão começar a ameaçar a gente falando que a gente vai tomar justa causa. É isso que eles vão fazer”, desabafa a operadora, que tem problemas respiratórios e está com febre, mas não quer correr o risco de sair de casa para ir ao médico. Ela está a semana toda faltando sem justificativa e com receito de perder o emprego. Segundo ela, a empresa não deu nenhum posicionamento com relação à dispensa, eventual desconto ou mesmo se manterá o vínculo de trabalho.

Há relatos de funcionários que se enquadram no grupo de risco e permanecem trabalhando normalmente.

Bradesco ignora pedido do sindicato

O banco alega que não há possibilidade de que a atividade seja transferida para home office temendo da segurança dos dados dos clientes. Por sua vez, os operadores argumentam que o banco poderia orientar os clientes para que o serviço seja realizado via internet banking e que recentemente foram adotados novos procedimentos para que os clientes tenham mais autonomia nas transações envolvendo resgates de seguros, visando diminuir a demanda no setor de teleatendimento. Segundo os operadores, atualmente a maior parte do trabalho é meramente de orientação.

Em nota, a Neobpo informou que está amparada no “Decreto federal nº 10.282, de 20 de março de 2020, que garante o pleno funcionamento das empresas de Telemarketing por serem estas consideradas de serviços essenciais”, vale lembrar que os operadores não se negam a trabalhar, eles exigem que o trabalho seja realizado via home office para que diminua a exposição e o risco de contágio do Covid-19. Porém, em ofício enviado nesta segunda (23) pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de Curitiba e região ao Banco Bradesco, a entidade sustenta que os trabalhadores que vendem serviços de previdência e seguradora não estão enquadrados como serviços essenciais, e pedem medidas de contingenciamento para estes trabalhadores. “Nós estamos pedindo que o banco estenda o tratamento a esses colegas para o teletrabalho”, explica Cristiane Zacarias, representante do Paraná na COE (Comissão de Organização dos Empregados) Bradesco nas negociações com o banco. Até o momento o Bradesco não se manifestou quanto ao pedido do sindicato.

 

Vídeo do Coletivo Ana Montenegro:

 

Leia na íntegra a nota da Neobpo:

“Nota de esclarecimento: 

Em compromisso com a transparência com seus colaboradores e com a sociedade de Curitiba (PR), a Neobpo esclarece que a operação que mantém na capital paranaense é para o atendimento dos segurados da Bradesco Seguros, e não do Banco Bradesco. Neste instante, a equipe Neobpo trabalha incansavelmente para atender, da melhor maneira possível e dentro da conformidade estabelecida, a todos os segurados da Bradesco Seguros que necessitam de auxílio, cuidados e esclarecimentos durante este momento de crise com o COVID-19.

A Neobpo reforça que segue normalmente com suas atividades, amparada pelo Decreto federal nº 10.282, de 20 de março de 2020, que garante o pleno funcionamento das empresas de Telemarketing por serem estas consideradas de serviços essenciais. A empresa segue com as ações necessárias no preventivo da Covid-19 (popularmente conhecida como novo coronavírus), orientando quanto à higienização das mãos, bem como disponibilização de álcool em gel em dispensers em todos os ambientes.  

Os operadores seguem trabalhando em esquema “xadrez”, ou seja, com os funcionários sentados de forma alternada e com as PAs respeitando a distância mínima de 1,5 m entre cada colaborador estabelecida pela OMS. Da mesma forma, continuamos a realizar diariamente a aferição de temperatura com termômetros digitais em todos os colaboradores, já que a febre é um dos principais alertas da doença, e como reforço de nosso programa educativo interno, disponibilizamos kits de álcool 70% para higienização e limpeza recorrente das PAs. 

Adicionalmente e de forma assídua, a equipe de facilities da Neobpo realiza a limpeza dos espaços comuns – em especial dos itens de manuseio frequente, tais como maçanetas, puxadores, torneiras, bebedouros, micro-ondas, catracas, etc. Todos os materiais de trabalho dos nossos colaboradores  (como teclados, mouse e headset) são higienizados com álcool para garantir a segurança de todas. 

Orientações extras, como não encostar as mãos no rosto; não abraçar; não cumprimentar; manter o espaçamento entre posições e a priorização de reuniões via videoconferência também são destaques de nosso programa interno educativo.

Vale ressaltar que a Neobpo não teve nenhuma paralisação efetiva em suas operações, e que os colaboradores estão sendo constantemente comunicados sobre o tema, bem como auxiliados no esclarecimento de dúvidas e orientações de prevenção. As nossas alternativas para o momento não prevêem nenhum desligamento de pessoas. 

A Neopbo está inserida em um dos segmentos que certamente serão fundamentais para garantir que os cidadãos possam comunicar-se uns com os outros no que tange ao atendimento de suas necessidades. Ao realizar o atendimento às empresas de saúde, de eletricidade, indústrias, e alimentação, a Neobpo trabalha para entregar o melhor à sociedade. Estamos à disposição para quaisquer informações adicionais”

About Everton Mossato

É jornalista, cofundador do Parágrafo 2, "emprestado" ao funcionalismo público. Descabaçou como repórter em jornais de bairro de Curitiba. Já teve uns blogs e editou o documentário Tabaco - As folhas da incerteza. Aprecia o ritmo de produção intermitente e acredita que boas "estórias" devem ser contadas sem pressa.