As eleições de 1989 foram um marco na história democrática brasileira pois definiram o primeiro governo civil, eleito por voto direto, desde 1960. Quem venceu o pleito foi Fernando Collor de Mello que candidatou-se à presidência da República pelo Partido da Renovação Nacional (PRN). Em uma disputa na qual estavam nomes como Leonel Brizola, Paulo Maluf, Mario Covas e Enéas Carneiro, Collor derrotou Lula no segundo turno. Ao assumir o cargo decretou o Plano Collor para conter a inflação. Entre as medidas econômicas drásticas, estava o confisco de todo valor acima de 50 mil cruzados novos depositado em contas bancárias físicas e jurídicas. A medida havia sido sugerida pela então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello.
A gestão de Collor esteve o tempo todo sob suspeitas de corrupção. Desde o começo da década de 1990 esquemas escusos vinham sendo denunciados pela imprensa. O auge das denúncias foi em abril de 1992, quando o irmão Pedro Collor revelou o chamado “esquema PC” de tráfico de influência e irregularidades financeiras, comandado pelo ex-tesoureiro da campanha, Paulo César Faria (o PC Faria). Collor foi então temporariamente afastado da presidência em outubro do mesmo ano, devido a um processo de impugnação de mandato, o chamado impeachment, que estava sendo aberto na Câmara dos Deputados.
Fernando Collor renunciou à Presidência em 29 de dezembro, antes mesmo que o processo de impeachment fosse aprovado. O então vice-presidente Itamar Franco assumiu o cargo. No entanto, o Congresso Nacional o julgou pelo crime de responsabilidade, tendo como consequência do julgamento a cassação de seus direitos políticos, deixando-o inelegível durante oito anos.
Agora, em 2017, o país acompanha os movimentos dos pré-candidatos ao pleito de 2018. Nomes como o de Lula, Ciro Gomes, João Dória e Jair Bolsonaro são tidos como quase certos para a corrida presidencial do ano que vem. Pesquisa recente do Data Folha coloca o ex-presidente Lula na frente em intenções de voto. No entanto, é o segundo colocado que chama a atenção. Bolsonaro, deputado federal pela PSC do Rio de Janeiro, soma 16 % das intenções de voto. O pré-candidato que cogita mudar para o Partido Ecológico Nacional (PEN), representa a extrema direita com pautas voltadas a revogação do Estatuto do Desarmamento, a liberdade para que policiais matem indiscriminadamente e o flerte com políticas neoliberais que prometem fortalecer grandes empresas.
Bolsonaro se vende como uma nova opção, um diferencial diante da velha política tão desgastada na nova democracia. Entretanto, suas estratégias de pré-campanha se assemelham muito com as de Fernando Collor em 1989, mostrando que o deputado carioca é apenas mais um estrategista político, ou seja, é mais do mesmo.
Confira a semelhança entre os dois:
Legendas nanicas
Fernando Collor de Mello foi eleito presidente a bordo de uma legenda “nanica”, o Partido da Renovação Nacional (PRN). Mas tinha sido deputado, prefeito e governador e vinha de uma das famílias mais poderosas do Nordeste, que ainda é dona de uma emissora afiliada à Rede Globo.
Bolsonaro hoje está no Partido Social Cristão (PSC), mas tudo indica que deve se filiar ao Partido Ecológico Nacional (PEN) que foi fundado em 2012 e tem apenas três deputados na Câmara, 13 prefeitos e 522 vereadores.
Uma opção diferente das demais
Em entrevista à revista IstoÉ, no início de 1989, Fernando Collor fazia questão de enfatizar que era “o novo”, a opção diferente da velha política. “Estou na frente porque há uma sintonia entre aquilo que eu venho pregando, e fazendo, e aquilo que espera a sociedade brasileira de um político. Só essa identificação explica o sucesso de uma candidatura de um governador de um Estado pequeno, dos menores do Brasil, inserido em uma região como a do Nordeste, esquecida de todos, uma candidatura sem apoio de nenhum governador, sem apoio de nenhum senador, sem apoio de nenhum deputado federal. Eu sou o novo, a cara da nova política”, dizia o então candidato. Collor era pintado como a única chance de derrotar os candidatos da esquerda, principalmente uma ameaça chamada Lula.
Desde que despontou como pré candidato Jair Bolsonaro é “vendido” como uma nova solução diante das mazelas da velha política. Seria “o novo”, a renovação e a única chance de derrotar uma ameaça chamada Lula.
Homens de Deus
Para manter-se popular entre os mais pobres — os “descamisados”, como os chamava —, Collor procurou vincular sua imagem à de frei Damião, um velho frade extremamente conservador, mas muito influente no Nordeste, onde era apontado como o sucessor do padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço. Também a enorme maioria dos pastores das diferentes igrejas evangélicas optaram por apoiá-lo, temerosos da identificação de Lula com o “comunismo ateu”, temor reforçado por Collor na última fase da campanha, quando adotou uma orientação ainda mais conservadora. Depois de eleito Collor foi acusado de praticar magia negra nos porões da Casa da Dinda.
Bolsonaro é amado por muitos religiosos. Figura querida entre nomes como o Pastor Silas Malafaia. Em visita à cidade de Campina Grande na Paraíba declarou que no Brasil Deus está acima de tudo. “Não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é Cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”, afirmou.
Respeito às autoridades
Na mesma entrevista à IstoÉ Collor pregava a construção de um Brasil em “que a gente se sinta orgulhoso de viver nele, um país em que haja o respeito à autoridade e as instituições sejam respeitadas”.
Respeito às autoridades também é o mote de Bolsonaro, especialmente às militares. Segundo ele, o modelo ideal de educação é o militar, pois nas escolas militares “há educação moral e cívica, cultua-se o respeito às autoridades, no intervalo não tem maconha, o pessoal corta o cabelo, cobra-se o dever de casa…”.
Maior semelhança
A maior semelhança entre os dois está na estratégia política, no discurso que supre o que os ouvidos dos eleitores querem ouvir. No livro A Aventura da Reportagem, o jornalista Gilberto Dimenstein, que cobriu toda a campanha presidencial de 1989 relata que ouvia dos articuladores da campanha de Collor que a estratégia era “canalizar o descontentamento e a frustração do povo para uma bandeira. No caso de Collor a Caça aos Marajás”, se por acaso em um debate ele fosse confrontado com um tema que tirasse o foco de seu mote principal ele “daria uma rápida pincelada e voltaria para os Marajás”.
Bolsonaro, como político que é, usa do mesmo artifício. Canaliza toda a insatisfação popular no problema da segurança pública. Para o deputado a solução para os problemas do país é armar a população e dar carta branca para a Polícia matar indiscriminadamente. Não há propostas de Jair Bolsonaro para os problemas enfrentados pela saúde, pela infraestrutura e com relação à gigantesca sonegação de impostos, por exemplo.
Bônus
Há outra semelhança marcante entre Fernando Collor de Mello e Jair Bolsonaro e essa é com relação à carreira política de ambos. Em seu mandato como deputado federal, Collor não conseguiu aprovar nenhum dos 11 projetos de lei que apresentou, um dos quais determinava a redução do imposto de renda pago por emissoras de rádio e televisão, medida que beneficiaria diretamente empresas de sua família.
Já Bolsonaro aprovou apenas dois projetos de lei em 26 anos de atividades no Congresso Nacional, como apontou um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo. O parlamentar também conseguiu aprovar uma emenda, que deve custar R$ 2,5 bi ao país. Desde que chegou ao Parlamento federal, em 1991, ele apresentou 171 projetos de lei, de lei complementar, de decreto de legislativo e propostas de emenda à Constituição (PECs).