Batman VS Superman: A Origem da Justiça estabelece o início do cânone de heróis da DC Comics, no cinema. O filme interliga o multiuniverso da editora de quadrinhos, desenhos animados, games, séries televisivas e apresenta os heróis que irão constituir a Liga da Justiça, em breve. Mesmo com dificuldade de aceitação do público, críticas divergentes, causando discussões, o diretor Zack Snyder, com excessos de referências, deslizes nas explicações e encaixes de roteiro, consegue promover um embate justo entre os principais personagens da DC. Com tom sombrio e realista, destitui os heróis da aura divina e os humaniza através das relações em família e da mortalidade que nos acomete.
Quando Zack Snyder propôs o reboot de Superman (2013), interpretado por Henry Cavill, a DC Comics em conjunto com a Warner Bros., davam-se sinais da criação do cânone dos heróis dos quadrinhos num universo estabelecido e coexistente, no cinema e em outras mídias. Embora, a Trilogia de Christopher Nolan sobre Batman O Cavaleiro das Trevas, que o antecede, tenha-se saído muito bem nas bilheterias e nas críticas, após o término não deu sinais de sobrevida. As produções cinematográficas, Warner/DC, aconteciam de forma independente sem a interligação dos personagens, Superman estava num contexto diferente de Batman e outros, o arco narrativo encerrava-se com a conclusão, não existindo a preocupação da sequência, das chamadas franquias.
Enquanto, a Marvel/Disney, depois de tentativas frustradas com Hulk, Motoqueiro Fantasma e Justiceiro, apenas para situar, mas um passo a frente, emplacou o Homem de Ferro (2005) encabeçado por Robert Downey Jr. Com perspectivas audaciosas e alguma experiência adquirida no caminho, com tempo de maturação, pinçando o que dava certo ou errado, escolheram apresentar cada qual dos seus heróis em produções individuais com ganchos de acontecimentos e cenas pós-créditos, ligando os pontos da estrutura formada e conseguindo unificar o conjunto, até a reunião destes num único filme, Os Vingadores (2012).
As decisões dos produtores foram tomadas com objetivo principal no entretenimento, inclusive com a descaracterização de histórias sombrias nos quadrinhos como “o Demônio na Garrafa” que na adaptação em o Homem de Ferro 2 (2010) virou uma piada entre mulheres e uma dança cômica. Foram pensados com o intuito de abordar todas as classes de espectadores (homem, mulher, idoso e criança) do fã ao desavisado na bilheteria, com bases clássicas de filmes de aventura com comédia, romance, ação, resumindo: acertaram o tom.
Batman VS Superman: A Origem da Justiça institui o esqueleto de uma franquia para tomar corpo, arrisca bravamente numa abordagem que difere do apresentado até agora nos filmes de super-heróis. Mas, também como produto comercial, com interesse de gerar lucro, deve atender o interesse dos investidores, logo, muito do que o público viu nas telas foi o atropelamento de situações, com a ideia: temos que criar nosso universo. Porém, foi: vamos impô-lo.
O filme que se passa após os eventos de Superman (2013) tem início na batalha entre o General Zod (Michael Shannon) e o Homem de Aço (Henry Cavill) que culminaram na destruição de Metropólis, enquanto Bruce Wayne/ Batman (Ben Affleck) corre desesperado para o prédio da Wayne Interprises em ruínas. A primeira dificuldade do filme foi reinserir o icônico personagem, após o trabalho competente de Christian Bale, numa nova franquia tão cedo. Os narizes virados desde a escolha, e depois da interpretação, de Ben Affleck como o morcego, continuam.
Na abertura há referências a Batman Begins (2005) representando a morte dramática dos pais de Wayne e o surgimento do herói, respeitando o que já foi apresentado antes. Talvez seja desnecessário recontar tudo o que já foi visto e revisto desta cena, porém a origem dos traumas do Cavaleiro das Trevas nunca foi utilizada como uma fragilidade que adquire relevância ao longo da trama.
O personagem baseia-se nos quadrinhos de Frank Miller, violento, repressivo, marginal e amargurado, com 20 anos de combate esta pouco se lixando se quebrar uma perna ou outra e destruir a cidade, os fins justiçam os meios. A meta do Morcego é deter o Golden Boy, pois o poder de destruição que presenciou poderia facilmente dizimar a população e não fica claro se os seus ideais são os melhores, visto como indiferente fruto de uma raça desconhecida.
A presença da mídia retratando os acontecimentos é constante bem como na HQ de Miller, o contraponto da relação com o mordomo cínico Alfred (Jeremy Irons) é também um ponto forte. Vale ressaltar que comparar a interpretação a traços “nicholascagianos” ou “keanureveanos” é um exagero, pois teve êxito no manto do Batman ocupando um lugar entre Michael Keaton e Bale, e pode-se ainda esperar bastante de Affleck numa produção solo, é evidente a evolução do ator desde o Demolidor (2003).
Do lado da Luz, o Homem de Aço, é um personagem em construção rodeado de dilemas morais, escolhas e família. Henry Cavill humaniza a atuação nos momentos de quase descontrole e abate-se facilmente quando o assunto é Lois Lane (Amy Adams) ou Martha Kent (Diane Laine). A dualidade, bem e mal, do herói propõe um futuro distópico que aparece no sonho de Batman, numa Apokolips em que o Superman é um déspota cultuado, referência ao game Injustice: Gods Among Us, e dá gancho para o vilão Darkseid que estará em Liga da Justiça.
O que permeia o seu arco-narrativo é um herói tentando ser uma espécie de salvador, no entanto, está fadado aos entraves mortais como o erro e a consequência das escolhas. O tema das discussões fica sobre o embate de Deuses e humanos, questionando a existência dos mitos e a vulnerabilidade, morte, vida, amor e outros sentimentos são compreendidos como defeitos da raça humana, pois as divindades descem dos céus. O papel de Amy Adams como donzela em perigo ou par romântico é falho e fica longe de ser a jornalista enxerida e esperta, está mais para um MacGuffin, pretexto para a história andar e justificar as ações, de que uma personagem independente que somaria bem mais ao enredo. No entanto, as minorias e a representatividade feminina, ficam por conta da Mulher Maravilha (Gal Gadot) que traz charme e consistência, concluindo a formação da trindade. A guerreira amazona é desacreditada com a humanidade pelo passado sombrio de guerras, porém por algum fio de esperança ainda luta contra o distanciamento, fica na premissa de entrar ou não no combate.
A trama por certos momentos passa com dinâmica e no outros se desfaz em explicações, Zack Snyder parece levar muito a sério as Origem da Justiça e mastiga ao ponto de papa o enredo. Mas, contrário às escolhas da Marvel/Disney e também sem tempo hábil para maturar o universo encavala muitas informações que levam tempo para a digestão do público sem dentes. Os alter-egos na sua concepção são os primeiros a cair por terra, todo mundo já se sabe quem são os heróis, inclusive eles mesmos. Talvez neste presente, vigiado a todo o momento, seja impossível manter uma identidade secreta, mesmo que na fábula.
Nem Lex Luthor (Jesse Eisenberg) tem o lado “bonzinho”. É um paranoico, metódico, num estado narcótico, magnata do vale do silício, que mal consegue estruturar um discurso. O caráter falso de bem feitor na luta contra o alienígena não chega nem perto, já tem organizado os meta humanos, uniformes e símbolos, acesso a tecnologia de Krypton e, logo, tenta igualar-se a um deus na criação de Apocalipse (Doomsday), fácil assim. Na promoção do encontro dos ícones da DC Comics, age como garoto mimado, vulnerável e não sofre mudanças relevantes, apenas perde o cabelo e fica repetindo “ding, ding, ding, ding, os sinos já tocaram”.
A necessidade de Snyder trazer a história para dias atuais ou abordar o realismo, em que os heróis comunicam-se por emails, os vilões são as corporações e o uso desenfreado da biotecnologia, acaba por esbarrar em questões práticas da linguagem. Joga-se muita informação na tela e ainda tenta entreter, não permite que o enredo crie raízes e certas proposições ficam vagas, com pontas soltas no roteiro que não se resolvem em duas horas e meia.
Porém, o tom adulto e sombrio, adotado nesta produção reflete o que Zack dizia “os filmes da DC serão direcionados ao público adulto”, mas tem muita criança chorando, tanto que o diretor prometeu amenizar em Liga da Justiça. Todos os elementos da trama tem sua relevância na construção da tensão que ronda o embate, a dinâmica da trindade nos confrontos dá espaço de tela suficiente aos personagens, momentos menores do enredo podem ser perdoados, com efeitos especiais transbordando, mas justo no que se propõe. Snyder é um FanBoy que leu os quadrinhos, jogou os games e assistiu aos desenhos, esta tudo lá. A DC é um adulto problemático e não um moleque pançudo da Marvel, neste universo, heróis quebram pescoços e não tem pós-créditos, não tem parzinho romântico, alívio cômico, acostume-se.
Batman VS Superman: A Origem da justiça consegue estabelecer o cânone a duras penas e, com atraso, dar início a mitologia da DC Comics nos cinemas. O público ávido a formula estabelecida foi aos cinemas e realmente se decepcionou, tanto que ficaram esperando cenas pós-créditos, teve “nego” xingando o lanterninha, chamando a gerência, provavelmente as instalações do Cinemark também não ajudaram. Mas, você deve ir ao cinema não deixar lixo no chão, isto é coisa de babaca, e aprender a mastigar.