Parágrafo 2

Até o início de maio apenas 0,0013 % da população do Paraná foi testada para Covid -19

Até o dia 06 de maio o Paraná havia realizado 14.629 testes para detectar pacientes com Covid-19, ou seja, 0,0013299 % da população do estado havia sido testada até então. O Paraná é um dos estados que mais realiza testes no país, mesmo assim, frente à quantidade de habitantes do estado, que hoje é de 11 milhões de pessoas, nem 1% dos paranaenses foram testados. O número é tão ínfimo, que numa pesquisa por amostragem nem aparecia na margem de erro normalmente utilizada que é 2 ou 3 %.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda testes em massa para se identificar focos da Covid e também para se isolar infectados. O diretor-geral da Organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que testes em larga escala para cada caso suspeito ainda são a melhor alternativa para conter a disseminação do vírus. No Paraná, o Laboratório Central do Estado (Lacen) tem uma capacidade diária de 600 avaliações de amostras. A testagem se restringe a pacientes com sintomas graves ou pessoas que tiveram contato com casos confirmados, além de profissionais da saúde e segurança pública, ambos na linha direta de enfrentamento à doença. Outras pessoas, mesmo que apresentem febre, tosse seca, dor de cabeça e demais sintomas comuns à Covid-19, são atendidos em Unidades Básicas de Saúde e Unidades de Pronto Atendimento e saem de lá com uma cartela de Tamiflu e a orientação de isolamento por um período de duas semanas. Quem tem os sintomas por mais tempo precisa ter o quadro de saúde agravado para que o teste seja feito na rede pública. Do contrário, é necessário buscar a testagem em um laboratório privado, o que também pode não ser tarefa fácil.

Célia – nome fictício de uma fonte que prefere não se identificar– peregrinou entre o sistema público e o privado por mais de um mês em busca de teste em Curitiba. Como companhia o desespero por pertencer a um grupo de risco (ela é asmática) e o fato de conviver com duas idosas acamadas e com a saúde muito fragilizada.

No dia 02 de março Célia sentiu uma leve dor de garganta. Á noite teve febre, calafrios, suor e dificuldades para respirar. No dia 03 foi na Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho em Curitiba onde foi atendida. Lá, o médico percebeu que as suas vias aéreas estavam com secreção e a diagnosticou com faringite aguda, receitando descanso para a voz. O motivo, segundo ele, era um quadro alérgico. Como medicamentos foram receitados à Célia Dexclorfeniramina e Ibuprofeno. Este último ainda não era considerado danoso à pacientes com Covid.

No dia seguinte os sintomas de Célia se agravaram. Não tinha sequer forças para levantar da cama. “Fiquei muito mal. Uma falta de ar intensa. Minhas crises de asma são raras, mas mesmo quando acontecem eu não sinto tanta falta de ar como senti”, lembra. Foi então à Unidade de Pronto Atendimento do bairro Fazendinha, em Curitiba. Lá, a médica a examinou, ouviu seus pulmões e solicitou um Raio X. Desta vez foi diagnosticada com um quadro alérgico e lhe foram receitados corticoides e nebulizações.

Entretanto, com exceções de leves melhoras, o quadro de saúde de Célia não mudou. Então, no dia 16 de março, diante das constantes dores de cabeça, buscou atendimento novamente na UPA do Fazendinha. “Esse atendimento foi o pior e o mais marcante de todos. Eu estava com baixa oxigenação no sangue, assim fui atendida em pouco tempo. A médica, no entanto, estava muito estressada. Lhe falei dos meus sintomas com o agravante de uma diarreia. Ela me examinou e me diagnosticou com um quadro de sinusite e enfatizou que não daria, em hipótese alguma, atestado médico. Pedi então que me desse uma declaração dizendo que eu estava apta ao trabalho, já que precisaria apresentar isso pra minha chefia. Foi então que a profissional surtou, gritou e chamou três Guardas Municipais para me tirar do consultório. Foi muito constrangedor”, conta Célia. Decepcionada ela voltou pra casa ainda doente e com uma receita de Amoxilina, Parecetamol e Histamin.

Com três diagnósticos diferentes, Célia precisou recorrer à rede privada para conseguir um teste

Subnotificações

Hoje, o estado do Paraná tem 1.906 casos de Covid-19 confirmados e 113 mortes pela doença. Diante dos números, nem mesmo a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) descarta a subnotificação de casos. O Secretário Beto Preto não costuma fugir deste tema em recorrentes entrevistas. Segundo o InfoGripe, monitoramento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), mais de 1.800 pessoas foram internadas com síndromes respiratórias no Paraná entre 1º de março e 11 de abril. Mas foram somente 502 casos em 2019 e 383 em 2018. Segundo dados da Sesa, entre 15 de março e 17 de abril, o Paraná teve 229 mortes por Síndrome Respiratória não Especificada, ou seja, sem causa exata determinada. O Coordenador do Infogripe, Marcelo Gomes, aponta que o cenário atual de epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) pode ter relação direta com o Coronavírus. Uma portaria do Ministério da Saúde, inclusive, já determinou que todos os casos de SRAG devem ser classificados como suspeitos de Covid-19. “O número de casos está muito alto. Completamente fora do padrão”, afirma Gomes.

Segundo a Central de Informações do Registro Civil do Governo Federal, entre 16 de março e 12 de maio de 2020, o Paraná registrou 61 mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave; 1.393 mortes por pneumonia; 608 por insuficiência respiratória; 1.080 por septicemia e 62 por causa indeterminada. Nas mortes por causa indeterminada fica a dúvida se o teste de Covid-19 foi realizado. A Sesa também não informou se foram, disse apenas que os casos notificados de falecimento por Coronavírus são aqueles cujo material foi coletado para o processamento de exames, conforme constam no boletim diário da Sesa. A secretaria disse também que vem processando o material coletado em até 48 horas pelo Lacen, mesmo que a pessoa tenha falecido, o que atesta se morreu de covid-19 ou não.

Manoel Neto, cientista político que estuda o avanço de pandemias e seu relacionamento com políticas públicas, acredita que o número de infectados e mortos no Brasil, e consequentemente no Paraná, é muito maior do que o divulgado oficialmente. Para ele, o afrouxamento do distanciamento social custará muito caro ao país. “O pior erro do Brasil não foi ter feito uma quarentena parcial, atrasando a explosão da pandemia para próximo do inverno, onde se tornará um caos. O pior foi não ter fechado as fronteiras estaduais, e hoje mais de 2 mil cidades têm presença do vírus. Podemos ter pilhas de focos de contagio comunitário, somando só no Brasil o total equivalente de focos graves de todo mundo, ocorrendo aqui de forma simultânea”, diz.

Célia, que por cerca de 15 dias buscou atendimento no sistema público de saúde e que não foi testada em nenhum momento, conseguiu fazer um teste rápido em um laboratório privado. O resultado veio no dia 24 de abril e deu negativo. Alivio por um lado, apreensão por outro, já que há estudos que afirmam que quem teve Covid-19 ficaria imune à doença. Célia não ficou, e agora teme adoecer novamente e passar novamente por uma maratona em busca de um novo teste.

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