O thriller Para Minha Amada Morta conta a história do fotógrafo Fernando que mantém uma adoração quase que beatificada pela esposa. Todas as noites, enquanto o filho dorme, relembra a falecida organizando os seus pertences pessoais, até descobrir uma fita VHS. Esta fita revela uma mulher despida de idealizações que desconstrói toda a imagem imaculada da companheira, logo, o personagem entra numa busca obcecada para entender porque sua mulher amou tão profundamente outro homem.
Segundo Aly Muritiba, Fernando, no processo de reconstrução de si mesmo, irá perceber ao longo da trama que as relações são muito mais complexas, que entre o preto e o branco existem mais cores. Porém, ao final desta jornada será capaz de levar a vida adiante, desprendendo-se do passado.
O elenco composto por Fernando Alves Pinto, Mayana Neiva, Vinícius Sabag, destaca-se pelas boas atuações de Lourinelson Vladimir e Giuly Biancato, ambos premiados como atores coadjuvantes e, também, pela qualidade técnica na produção, que ganhou prêmios de montagem, edição e fotografia no Festival de Brasília.
Para o cineasta os encontros desde o começo com pessoas “interessantes e interessadas” na proposta proporcionaram o bom desempenho do longa nas telas e nos circuitos, num trabalho importante de entrega de atores e equipe técnica. “Pra mim foi muito prazeroso dirigir estes atores, a Mayana, por exemplo, faz uma personagem apagada, evangélica, diferente de tudo que ela já havia feito antes. Os atores gostam de desafios e quando são desafiados”, descreve. A ideia de Fernando Alves para ser o protagonista estava presente já na elaboração do roteiro, pois o diretor acompanha o trabalho do ator desde Terra Estrangeira, por isto dá nome ao personagem.
Realizado com orçamento modesto de apenas R$ 1,450 milhões, arrecadados via Fundo Setorial do Audiovisual e do Prêmio Estadual de Cinema e Vídeo do Paraná, o projeto Para Minha Amada Morta teve seu primeiro tratamento de roteiro ainda em 2009 e até a chegada aos festivais, e agora no cinema comercial, sofreu algumas alterações passando por consultorias, revisões e alguns sobressaltos no caminho. “Um mês antes de iniciar as filmagens o governo do estado decretou uma moratória dizendo que não havia dinheiro pra pagar o prêmio que havíamos ganho, o que significava mais 70% do orçamento do filme. Mas já havíamos investido no projeto e não tínhamos como parar. Resolvemos filmar”, ressalta Aly.
O filme teve uma pré-produção extensa de três meses, exigência do diretor, que auxiliou na contenção de tempo e gastos financeiros. No entanto, o longa-metragem contraiu dívidas e apenas depois de seis meses, pagando juros pelos empréstimos obtidos na praça (por omissão do governo do Estado que atrasou o pagamento), receberam. De acordo com o cineasta o problema é que “não há um planejamento/investimento em relação ao desenvolvimento da cultura no estado e quando o fazem é desta maneira atrapalhada”.
Muritiba é sócio da produtora Grafo Audiovisual e tem no currículo trabalhos como os longas Circular (ficção) produzido com outros diretores, e A Gente, híbrido de gêneros (documentário e ficção) que está em processo de lançamento e conclui a trilogia do Cárcere, com os curtas O Pátio e A Fabrica. Este último de maior repercussão ganhou mais de 70 prêmios, passou por 200 festivais, foi pré-indicado ao Oscar 2013 e projetou a sua carreira no circuito internacional. Porém, Para Minha Amada Morta é o primeiro trabalho de ficção que dirige sozinho.
Embora, acostumado à direção de curtas-metragens, Aly considera que o caminho para chegar ao produto final foi natural, apesar desse imprevisto financeiro. “A diferença no final das contas, entre o curta e o longa, é apenas quantitativa. Há uma equipe maior pra gerir custos, diárias, verbas… Enfim, a gente [A Grafo] está acostumado a fazer tanto curta com pouca grana ou sem que, com alguma grana fazer um longa, de certa forma, chega a ser tranquilo”, diz.
Para o realizador participar dos festivais de cinema a partir do segundo filme, abriu portas para mercado de produções internacionais, agregou valor à formação, trouxe legitimidade e deu continuidade a carreira, definindo a linha de trabalho da Grafo, que atua no segmento cinematográfico de filmes de Arte. “Nestes encontros [Sundance, Toronto, Montreal e Cannes] acontecem experiências muito mais enriquecedoras e produtivas, que lhe ensinam mais que nos bancos acadêmicos. Tem a oportunidade de assistir a filmes que jamais veria, conversa e debate com realizadores, nos quais se obriga a defender seus projetos para o público, isto tudo faz você refletir sobre o que esta fazendo, saber o seu papel e o lugar do seu filme no mundo”, enfatiza Muritiba.
O diretor baiano radicado em Curitiba traz muitas das suas experiências pessoais para dentro dos filmes. Aly saiu aos 18 anos da pequena cidade de Mairí, no sertão da Bahia, para morar com uma tia evangélica na periferia de São Paulo. Trabalhou como bilheteiro de trem, operador de caixa noturno numa farmácia, convivendo com prostitutas, seguranças e travestis, com pessoas de extratos sociais distintos. Contatos que refletem na diversidade da sua carreira, entre documentários, projetos ficcionais e animações, trabalhando com variados temas na construção da narrativa. Na trajetória não linear de vida, casou-se com uma gaúcha descendente de poloneses que conheceu na USP, com quem tem dois filhos, e atualmente mora em Curitiba.
No suspense Tarântula, que dirigiu com a pernambucana Marja Calafange, o enredo permeia a vida de três mulheres que vivem entres os afazeres e suas orações até a chegada de um desconhecido que irá desestruturar este equilíbrio, entretanto sofrerá com represálias dos moradores. Outro projeto recente, a animação Parque Pesadelo, em que atua como roteirista e assina à direção ao lado de Pedro Giongo e Francisco Gusso, Muritiba aborda figuras do folclore brasileiro que convivem num parque itinerante com segredos ocultos, flertando com elementos do terror.
Na adaptação do livro de Lourenço Mutarelli, Jesus Kid, que teve os direitos adquiridos pelo ator Sergio Marone, que convidou o cineasta para dirigir e escrever o roteiro, Muritiba trabalha com a meta linguagem. A história narra a trajetória de Eugênio, escritor de Westerns em crise criativa que à pedido de publicitários, é impelido a escrever um roteiro sobre a experiência de isolamento durante três meses num hotel rodeado por figuras bizarras, onde um filme acontece dentro de um filme.
Distribuído pela Vitrine Filmes em parceria com a Grafo Audiovisual, Para Minha Amada Morta, estreia em oito capitais e em aproximadamente 20 salas com perspectivas de rodar o circuito comercial do país, conforme aceitação nas bilheterias. Neste mês também chegaram aos cinemas películas com orçamentos mais expressivos, como Batman VS Superman, que ocupam boa parte dos espaços numa briga desproporcional com filmes nacionais. “Sem a cota de tela o exibidor enchia as três mil salas pelo país só com blockbusters, ainda bem que existe uma legislação que permite filmes pequenos como o meu e tantos outros possam estrear. Batman VS Superman, não está tirando público do meu filme, são filmes com públicos completamente distintos. Sem a cota este filme estaria tirando salas, porque no fim das contas o lance do dono de cinema e vender bilhete e pipoca,” conclui Aly.
O decreto n.º 8.386 de 30 de dezembro de 2014, sobre a cota de tela, assegura a diversidade mínima de filmes brasileiros nos cinemas numa cota 30%, com o intuito de promover a autossustentabilidade da indústria cinematográfica e o aumento da produção, da distribuição e da exibição das obras brasileiras.
Leia também: http://www.ancine.gov.br/legislacao/decretos/decreto-n-8386-de-30-de-dezembro-de-2014
Fotos e vídeo: Fernando Bernardes
Trecho da entrevista com Aly Muritiba
Trailer oficial do filme