Professor do Departamento de Ciência Política e Sociologia, do programa de pós-graduação em Ciência Política e do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emerson Cervi é doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro- IUPERJ. Coordena o grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (Cpop), com pesquisas e publicações nas áreas de debate e opinião pública, eleições, partidos, comunicação eleitoral, financiamento de campanhas e metodologia de pesquisa. O cientista político falou ao Parágrafo 2 sobre a Proposta de Emenda Constitucional 241, sobre o texto de reforma do ensino médio, sobre as ocupações nas escolas do Paraná e sobre as greves dos servidores estaduais. Confira.
Parágrafo 2: A Pec 241, aprovada em primeira votação na Câmara Federal, se propõe a condicionar investimentos do governo em áreas como saúde e educação com base nos valores da inflação. Como o senhor vê esse projeto e que consequências ele pode ter para o Brasil a médio e a longo prazo?
Emerson Cervi: Me parece que não há uma discussão coerente sobre a necessidade de termos controle sobre os gastos públicos. Qualquer economia moderna precisa limitar gastos públicos. No entanto, o déficit público não é um problema direto, mas indireto. A questão é que o déficit público pode ser gerado por dois fatores: Primeiro, o governo gastar muito mais do que vinha gastando e manter a mesma arrecadação, ou gastar o mesmo que gastava e diminuir sua arrecadação. Então, o déficit público não se trata necessariamente de gastos, pode ser consequência também de uma queda de receita. A meu ver, o grande equívoco do governo ao propor a Pec 241 é olhar apenas para o déficit e não para a sua causa.
Em números muito gerais, em 2010 para cada R$ 100 que o governo gastava ele gastou R$ 98 em 2014. Ou seja, em quatro anos ele reduziu as despesas em 2%, descontando a inflação. Mas então porque houve aumento de déficit no Brasil? Porque de cada R$ 100 que o país arrecadava em 2010 ele passou a arrecadar R$ 94 em 2014, uma queda de 6%.
Á partir de 2009, quando começou a crise, em diversas economias do mundo, e isso acontece até hoje, houve um aumento gradual de déficit orçamentário porque as economias esfriaram. Hoje esses países todos tem mais de 100% do PIB de déficit. O Japão, por exemplo, tem mais de 200%, já nós temos 70%. Então, o que não me convence na Pec 241 é que ela vai interferir justamente na despesa e não na queda das receitas. O que o país precisa é que a economia volte a crescer, para que as empresas produzam mais, gerem mais emprego e as pessoas consumam mais para que isso seja revertido em arrecadação.
Parágrafo 2: A Medida Provisória 746, também proposta pelo governo federal, se dispõe a reestrutura o ensino médio brasileiro, aumento a carga horária, restringindo a obrigatoriedade do ensino da arte e da educação física à educação infantil e ao ensino fundamental, tornando essas matéria facultativas no ensino médio, entre outras mudanças. Como o senhor vê essa medida e, a seu ver, ela pode trazer mais vantagens ou mais desvantagens aos estudantes e a educação no Brasil?
Emerson Cervi: O país necessita sim de uma reforma no ensino médio, pois ele está estagnado há muitos anos. O governo Dilma, inclusive, tentou realizar alterações mas não conseguiu, porém há dois problemas nessa MP proposta pelo governo Temer. O primeiro é que esse tema precisa ser amplamente discutido com a sociedade e com os profissionais da educação. O segundo é que esse não é um governo legítimo, escolhido por voto popular, é um governo de transição e um governo de transição precisa, no máximo, não deixar que as coisas piorem, ele não tem propriedade para fazer reformas estruturais. Não foi feito para mexer no INSS, para fazer alterações na educação, porque ele é a solução encontrada pela elite política para uma crise política pela qual o país passava. Mudanças estruturais para o país precisam ser propostas durante uma campanha, precisam ser amplamente discutidas.
Além disso, a proposta em si gera um problema que não está sendo levado em consideração. O Brasil, como todo país em desenvolvimento, à partir da segunda metade do século XX passou por um processo de forte migração interna. Primeiro do campo para a cidade e depois de cidade a cidade. Nos últimos 25 anos do século passado o que tivemos foi um esvaziamento das cidade pequenas para as cidade médias e grandes. O que segurou essas pessoas nessas pequenas cidades, ou o que deu algum alento a esses municípios do interior, foi a educação. As cidades que mais se desenvolveram no interior do país foram aquelas que conseguiram manter na sua região uma universidade. Ainda não podemos ter uma materialização clara dos efeitos dessa proposta do governo Temer. Mas, analisando que a MP propõe alteração da clássica formação do ensino médio por algumas formações técnicas profissionalizantes, me surge a dúvida de que os governos estaduais terão condições de montar laboratórios nas escolas do interior para formar tecnólogos e outros profissionais especializados durante o ensino médio com se propõe essa medida? Porque se eles não tiverem, as pessoas vão retomar o processo migratório para as grandes cidades em busca de uma formação técnica que só será oferecida em colégios dos grandes municípios. Isso vai inchar as grandes cidades gerando mais problemas sociais como o desemprego e a violência. O que precisamos fazer é o contrário, deixar as pessoas no interior do país. E me parece que hoje os governos estaduais não teriam condições de dar estruturas para suas escolas, principalmente para as do interior, para se adaptar ao conteúdo da medida proposta pelo governo Temer.
Parágrafo 2: O governo Temer voltou atrás em algumas propostas, como a da extinção do Ministério da Cultura, por exemplo, depois de sofrer uma pressão popular. O senhor acredita que o movimento de ocupação, feita por alunos do estado do Paraná, pode surtir algum efeito sobre as decisões do Governo Federal?
Emerson Cervi: Os sucessivos retornos (voltar atrás) que o governo Temer fez mostra que esse governo é politicamente fraco. Mas isso não é um problema do Temer, é uma característica de qualquer governo de transição. É um governo que será pressionado até 2018, é um presidente que é vaiado em muitos lugares e isso não será diferente porque vivemos em um país ideologicamente dividido, então metade aplaude e metade vaia. Sobre o movimento dos alunos, não há controle sobre o que acontece com ele, e o nome “movimento” é justamente por conta disso. Ninguém pode dizer que tinha uma coisa na cabeça como organizador no movimento e que isso se concretizou de fato. Portanto, como esse movimento vai ser transformando ao longo do tempo não dá pra controlar. Se ele vai perder ou ganhar o apoio da sociedade vai depender da dinâmica do movimento. Assim, dizer afirmar que essas ocupações terão efeito ou não sobre as decisões do governo é muito difícil.
Parágrafo 2: O governo estadual divulgou que não vai cumprir os acordos firmados em 2015. Na época as promessas foram feitas com a intenção de encerrar a greve dos professores e hoje, depois de o governo voltar atrás no que foi prometido no ano passado, professores e policiais civis entraram em greve. Como explicar as atitudes do governo Beto Richa?
Emerson Cervi: Há dois fatores para explicar isso. O primeiro é a radicalização da política. Ela faz com que um grupo político, quando está no governo, consiga jogar a responsabilidade de seus atos em outro grupo, porque é mais fácil convencer o meu lado (que está radicalizado) que o problema é do outro. Se as pessoas estivessem menos radicalizadas poderiam pensar de maneira mais clara. Então, o que o governo do Paraná faz hoje é aproveitar a radicalização pra dizer “a responsabilidade não é minha, você tem que colocar na cabeça que não temos dinheiro para te pagar e você não pode fazer greve”. Nós chegamos ao cúmulo de um gestor ter a coragem de vir a público dizer uma coisa dessas, quando ele foi eleito para ser o administrador do estado e, se ele não consegue pagar, é porque ele é o incompetente. No caso da Polícia Civil é pior ainda, porque a questão não é apenas salarial, mas de condições de trabalho. O governo do estado tem um contrato milionário com uma empresa para fazer a manutenção das viaturas, que está sendo investigada pelo Ministério Público Estadual, e ela não cumpre os contratos obrigando as delegacias a pegarem dinheiro de outra fonte para concertar as viaturas porque sem elas não há como prestar serviço à sociedade.
Além disso, o problema também é de arrecadação. Os governo que diminuíram despesas tem um problema menor, já os que não conseguiram tentam de toda a maneira aumentar a receita entrando, por exemplo, no Fundo de Previdência do servidores. No ano passado o governo não pegou o Fundo para pagar contas correntes, mas ele colocou servidores, o que não deveria ter sido feito, para serem pagos com esse Fundo. Essa estratégia foi usada há anos por um governo em Minas Gerais por parte dessa equipe que hoje está no governo do Paraná. Na época eles transferiram o dinheiro do Fundo dos servidores para pagar as contas do estado. Isso fez com que os servidores movessem uma ação milionária contra o governo de Minas Gerais. Aqui o que foi feito foi colocar mais servidores para receber aposentadoria desse fundo, e lá na frente o estado não conseguirá pagar as aposentadorias. Mas, aí muitos governos já haverão passado e nós não nos lembraremos mais quem foi o grande responsável por isso.
A grande questão que envolve o governo Beto Richa é que ele aproveita a grande radicalização política do país hoje para não assumir a responsabilidade que lhe cabe como governador do estado.