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Aceita um cigarro?

Texto de Alexsander Machado 

Em 2011, no campeonato mundial de atletismo, Usain Bolt protagonizou uma cena que ficou marcada. Segundo as regras do atletismo, os atletas devem tomar posição em suas raias e somente após o disparo do arbitro é que eles podem iniciar a corrida. Largar na frente dos outros atletas é considerado uma falta grave e quando isso ocorre o atleta pode receber uma advertência disciplinar e até mesmo ser desclassificado. Bolt havia queimado a largada e por isso foi imediatamente desclassificado. Ele ficou arrasado e abandou o estádio.

De acordo com jornalistas, horas antes da competição Bolt foi flagrado em um canto do estádio com uma carteira de cigarros. Isso parece algo bastante incomum, ainda mais quando se trata de um mito do atletismo. Entretanto, logo surgiram fotos que comprovaram a suspeita. Bolt segurava um maço de cigarros da extinta marca Vila Rica. Quando perguntado sobre o fato, Bolt afirmou: “eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?”

Essa pequena distopia revela muito daquilo que a sociedade brasileira se tornou durante a pandemia. Com regras às avessas, a competição real glorifica os trapaceiros. Não que a pandemia tenha criado a competição, mas é como se ela tivesse colocado os jogadores em um outro nível a partir do qual a corrida recomeçou. A lógica desse jogo é a eliminação constante da vida humana utilizando-se de vontade e consciência deliberadas. Numa sequência de falsas largadas, que já dura mais de um ano, muitos perderam o folego e ficaram pelo caminho. Outros, na tentativa de preservar a própria vida e das pessoas mais próximas, foram eliminados por desrespeito às regras.

Em sua maioria, as ações antivacina, a negativa quanto ao uso de máscaras, a proposital aglomeração em festas e a conclamação suicida de retorno às aulas presenciais têm um elemento em comum: a propensão ao risco daqueles que apostam em queimar a largada desde que em troca possam ter algum tipo de vantagem. Tanto faz se isso irá comprometer o seu bem estar físico, mental ou, até mesmo, se vai colocar em risco a vida de todos ao redor.

Com o passar dos dias, olho ao redor e vejo que o estádio da vida vai ficando cada vez mais vazio. Sem torcida, sem competidores e sem árbitro. Ao vencido, a morte; ao vencedor, as batatas. Mas e daí? Você aceita um cigarro?

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