Coluna Evangélico à Esquerda
Foto: Agência Reuters
Os quatro anos de governo Bolsonaro se arrastaram. Foram quatro anos de escândalos, tragédias, problemas e retrocessos sem precedente. Voltamos ao mapa da fome. Desemprego e inflação bateram recordes. Passamos de país do futuro para párias globais. Mas, como tudo passa, finalmente esse governo hediondo acabou. E agora?
As igrejas apoiaram irrestritamente esse governo. Fizeram de Jair uma figura messiânica. Torceram a bíblia e todos os fatos decorrentes do caminhar desse governo para aponta-lo, sempre, como “um enviado de Deus para salvar o Brasil”. Tornaram um cara como esse em uma figura religiosa, mesmo que a realidade demonstrasse o oposto. Essa macula, essa prostituição política da igreja no Brasil não vai passar sem deixar marcas profundas na teologia que se prega e que as igrejas aderiram, nas profecias que foram postas na mesa e berradas nos púlpitos e redes sociais, e no funcionamento das instituições religiosas como um todo, especialmente as ditas cristãs. Católicos e protestantes em especial aderiram a esse governo. Alguns espíritas. Os secretismos herméticos em geral também aderiram. Talvez as religiões de matriz africana tenham sido as menos afetadas, até porque foram um dos inimigos escolhidos, foram alvo de parte da perseguição do nefasto governo. Mas agora que acabou, alguma explicação terá de ser dada. Algumas coisas precisarão ser feitas. O estrago foi feito, e como disse Jesus, não se deve colocar vinho novo em odres velhos…
Eu só posso fazer uma análise desse governo sob o meu ponto de vista, cristão pentecostal discordante desse governo terrível e de esquerda. Então, para quem não crê como eu, peço que tentem me seguir nos raciocínios e elucubrações que farei, pois a tentativa aqui é explicar o que foi o governo Bolsonaro na visão de alguém que nunca o apoiou, mas que têm as disposições de crença no sobrenatural de Deus, como os apoiadores iludidos dele têm. Podemos traçar muitos paralelos na bíblia sobre Bolsonaro, os falsos profetas que o apoiaram, a situação aberrante da igreja institucional que aderiu em peso ao seu projeto. O que eu vou tentar nesse texto é fazer um “Silas reverso”.
Primeiro, a bíblia fala sobre Deus como rei de Israel. Não um rei como o de outros reinos, mas como um reino orientado pelo Soberano, para sua glória. Sem reis, sem presidente. Num determinado momento da história, esse povo quis um rei como os outros. Pediu a Samuel, um sacerdote, que falasse com Deus sobre isso. E ele falou, e na verdade Deus foi contra. Deus advertiu o povo de todos os problemas que acarretariam ter um rei humano. Ele falou que era o próprio Deus o rei de Israel naquele momento. Samuel diz ao povo o que Deus lhe comunicou. O povo não deu ouvidos. Aí veio Saul, e segue a história. Saul era um líder como os olhos humanos queriam. Mas não foi fiel a Deus, não foi correto, sentia-se como um Bolsonaro na presidência. Deus o depôs e colocou como rei um homem segundo seu coração, o rei Davi. Não um soldado, guerreiro, líder poderoso. Era um simples pastor de ovelhas, trabalhador comum, um operário. Já havia executado um grande feito quando derrotou um gigante filisteu. Saiu Saul, entrou Davi. Davi não foi perfeito, afinal era humano. Mas era “um homem segundo o coração de Deus”, arrependia-se quando pecava, quando errava. Pedia perdão a Deus. Aceitava e se mantinha firme diante das perseguições de Saul, que queria mata-lo. Ficou preso com seus fiéis companheiros, até assumir a coroa. Davi cometeu erros, mas foi o rei segundo o coração de Deus, e fez Israel prosperar. O Silas gosta de fazer paralelos bíblicos pra falar do Bolsonaro, então este é meu paralelo bíblico para falar de Lula.
Os evangélicos no Brasil pediram sinais, e eles vieram em abundância. Mas os evangélicos não quiseram ver. Primeiro, houve o homem de Deus haitiano, que falou para Bolsonaro no cercadinho “você não é mais presidente”, da mesma forma que Samuel disse a Saul. Depois, todos os planos e profecias dos falsos profetas não deram certo, pois são falsos profetas. Nos acampamentos, os sinais dos céus foram gritantes: chuvas, alagamentos, frustrações de todo tipo. Só não via quem não queria. Eu, que creio no sobrenatural como qualquer pentecostal, vi até no William Bonner dizendo na posse que até a disposição das nuvens no céu estavam fazendo daquele um momento ainda mais marcante e bonito. Alguém aí pode não crer como eu, e isso não é problema. Mas os sinais estavam lá desde o início.
Aí vêm a igreja institucional mentirosa, e seu falso profetismo. A palavra diz que se um profeta diz algo e aquilo não se cumpre, não é profeta de Deus. Pronto! Assunto resolvido! Estes homens que se gabam de ser a voz de Deus na terra são usurpadores, falsos pastores, e bandidos. Suas obras falam por si. Se tu leres o livro de Malaquias por inteiro, e Tiago no novo testamento, já vai bastar pra notar que esses homens são uma farsa e que o rumo que deram as igrejas no país é prostituição. Não acho prudente nenhum apoio messianista e acrítico ao governo Lula, como eles fizeram com o Saul/Bolsonaro. Mas temos o Davi que nos cabe, que vai derrubar gigantes e certamente fará melhor que o antecessor. Agora que o véu se rompeu e esse templo de mentiras, esse comércio que se tornou a igreja, como aqueles que Jesus expulsou do templo, caiu, chegou a hora da igreja voltar a ser igreja. E isso não vai ser nada fácil. Já disseram para a presidência de Lula o seguinte: “vamos te apoiar, mas precisamos de um tempo pra mudar o tom”. É isso. Radicalizaram tanto a massa evangélica que agora precisam de tempo pra mudar o panorama. Muitos desses pastores ainda vão cair tombos como do pastor Everaldo, da Flordelis, dos safados do MEC. Muita coisa vai mudar dentro das igrejas, e espero eu que seja para melhor. Um conserto. Arrependimento. Jesus precisa voltar ao centro que Bolsonaro havia usurpado. Cristão precisa voltar a ser cristão. Eu oro por isso, eu creio que as coisas vão melhorar, que uma nova igreja, de verdade, como de Paulo, Estevão e Jesus Cristo, vá surgir daí. Essa que está suja e sem azeite, terá seu destino como a promessa de Deus no evangelho. Deus é soberano, e mais uma vez demonstrou sua soberania. Falta o povo que diz levar seu nome, entender isso. Que Deus abençoe a todos nós. Um feliz 2023. Seguiremos na luta.
Democracia para sempre.
Rafael Bührer é estudante de Teologia na Faculdade Unida de Vitória/ES, EAD, Marxista-leninista, Cristão, ex-músico independente, recepcionista bilíngue, marido, torcedor do Coritiba e cearense naturalizado.