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Abril Indígena: Evento aproximou comunidade e povos originários, derrubando estereótipos e fortalecendo a luta indígena

Reportagem: José Pires

Fotos: Emerson Nogueira

“O que os Kaingangs fizeram em 10 mil anos e os Guaranis em seis mil, aqui, neste lugar, vocês conseguiram, em apenas 100 anos, destruir. Tudo que Nhanderu deixou pra mim e para meus filhos vocês destruíram”.

A fala é de Eloy Jacintho, Guarani Nhandewa e um dos coordenadores do Território Indígena Floresta Estadual Metropolitana, em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba. Ele se refere à Unidade de Conservação que fica a cerca de 30 quilômetros da capital. Local que classifica como “uma floresta que não tem nada de floresta”. Um deserto verde, composto por espécies não nativas. 

Eloy e sua família, ao lado de Kaingangs, Terenas e Tukanos ocuparam a Floresta Estadual Metropolitana no mês de agosto de 2021. Depois de semanas sob barracos de lona, enfrentando chuva e frio, as famílias conquistaram um acordo de cogestão da área com o Instituto de Água e Terras (IAT), autarquia do governo do Paraná. Assim, a Floresta tem gestão partilhada entre indígenas (representados legalmente pelo Instituto Angelo Kretã) e o IAT.

A ocupação deste território sagrado e original faz parte de uma série de retomadas realizadas por indígenas em todo o Brasil que se intensificaram nos últimos anos. Porém, a retomada de Piraquara tem um elemento a mais: é a primeira vez que o governo paranaense propõe a gestão partilhada de uma unidade de conservação com uma entidade da sociedade civil. Em parceria com o IAT, os indígenas pretendem reflorestar a área, com possibilidade do plantio de mais de 2 milhões de espécies nativas.

o Abril Indígena recebeu estudantes da rede municipal e estadual, além de professores/as e membros da comunidade. Foto: Emerson Nogueira

E fortalecendo as ações na Floresta, as famílias indígenas que hoje vivem na região organizaram, entre 18 e 20 de abril, o “Abril Indígena”. O evento teve apoio da prefeitura municipal e de movimentos sociais e representa outro marco na região. Promovendo atividades culturais e destacando a luta dos povos originários, a celebração aproximou comunidade e indígenas, derrubou estereótipos e deu o ponta pé para um projeto grande que tem, entre outros objetivos, o reflorestamento da região, a criação de um Centro de Cultura Indígena e também de uma Universidade.  

O Abril Indígena

A primeira edição do Abril Indígena, que faz parte das mobilizações realizadas em todo o Brasil no mês que destaca a cultura e as lutas dos povos originários, teve como objetivos divulgar a cultura e as lutas das etnias que vivem em Piraquara, além de trazer conscientização sobre meio ambiente e a importância do reflorestamento. Participaram centenas de estudantes da rede municipal e estadual de ensino, professores e outros funcionários da prefeitura, membros da comunidade, de movimentos sociais e indígenas de aldeias de Curitiba e Região. Com o tema Nhandereko (jeito Guarani de ser), ou seja, o modo de vida indígena, ligado à natureza, à espiritualidade e à ancestralidade, as celebrações contaram com jogos; oficinas; noites culturais; grafismos; rodas de conversa; exposição de artesanatos, entre outros.

Jogos indígenas foram apresentados nos três dias do evento. Na foto Kretã Kaingang. Foto: Emerson Nogueira

Eloy explica que, além de falar sobre as pautas da Retomada, sobre a cultura e a luta dos povos originários, o Abril Indígena teve a intenção de romper com os estereótipos construídos sobre a figura do índio ao longo da história. “Queríamos romper o estereótipo de que o 19 de abril é um dia de comemoração dos indígenas, porque não temos muito o que comemorar, temos muito o que lutar. Nossa intenção era passar para os visitantes o Nhandereko, o modo de vida dos indígenas que é totalmente conectado e integrado ao meio ambiente, que tem como pilares o respeito à floresta, aos rios, aos animais, sempre pensando em que mundo deixaremos para as futuras gerações”, ressaltou.

Kretã Kaingang também é um dos coordenadores do Território Indígena Floresta Estadual Metropolitana. Filho do lendário Ângelo Kretã – expoente na retomada de terras indígenas no sul do Brasil nos anos 70 e 80 – é um dos organizadores da retomada do território da Floresta Estadual. Para ele, o Abril Indígena superou as expectativas e os participantes tiveram a oportunidade de ver as questões indígenas e ambientais com outros olhos. “Quem veio aqui não vai voltar da mesma maneira pra casa. Acredito que conseguimos passar nossa mensagem e afirmar que esse território é indígena, é Kaingang, é Guarani. Os elementos trazidos pelo arqueólogo Júlio Thomaz e também pelo antropólogo Pedro Fortes comprovam a presença dos povos indígenas nesta região há milhares de anos”.

Grafismo indígena. Na foto Izabel Tukano. Foto: Emerson Nogueira.

Isabel Tukano, outra coordenadora do Território Indígena reforça a importância da participação de estudantes e professores de Piraquara no evento. Conforme explica, a atuação da Secretaria Municipal de Educação foi de grande importância para o fortalecimento e a divulgação do Abril Indígena. “Essa união mostra que esse é o caminho para um mundo mais consciente. Ou seja, esse trabalho de formiguinhas, onde muitos participaram e contribuíram, como foi o caso da Secretaria Municipal de Educação, que possibilitou que as crianças participassem das atividades pedagógicas, dos jogos e saíssem daqui com uma visão mais ampla sobre a luta indígena e a importância do meio ambiente. Isso é muito importante, já que nossas lutas são para garantir o futuro delas também”, disse.

Marise Lecheta Venske, coordenadora na Secretaria Municipal de Educação de Piraquara e que trabalha na formação continuada dos professores e professoras da rede municipal, conta que desde 2021 vem pesquisando a diversidade indígena – já que em Piraquara existe também a Aldeia Araçaí- para a produção de um material voltado aos docentes. A Retomada da Floresta Estadual, conforme explica, contribuiu e acelerou estas pesquisas. Assim, aconteceu uma aproximação entre as famílias do Território Indígena e a Secretaria de Educação. “Mostramos o nosso material para eles, para que avaliassem o que estávamos produzindo para professores e estudantes. Fomos muito bem recebidas, eles fizeram considerações e apontamentos, além de fazer falas para os nossos docentes sobre a cultura e as lutas indígenas”, revelou.

Na foto Eloy e Kretã. Foto: Emerson Nogueira.

Quem também participou do Abril Indígena foi a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Piraquara, Ana Mazon que reforçou que a presença das famílias indígenas em Piaraquara é benéfica não apenas para o município, mas para todo o Paraná. “Essa intenção de reconexão com a natureza, de trazer novamente aqui para a Floresta espécies como a erva mate e a araucária é fundamental não apenas para o nosso município – que preserva muito e não recebe por isso – mas para todo o estado, já que existe uma ligação muito importante entre a conservação do meio ambiente e sobrevivência dos nossos rios, por exemplo”.

O presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais, Angelo Stroparo, classificou como fascinante a articulação que as famílias indígenas estão conseguindo fazer em Piraquara, tanto com o poder público, quanto com os conselhos da cidade. “Nós, do Conselho de Políticas Culturais de Piraquara consideramos a Retomada como um marco histórico, social e cultural da cidade de Piraquara e também do estado do Paraná. E o Abril Indígena coroou isso. Foi um evento de extrema relevância, para o qual nós tivemos a satisfação de contribuir. É um privilégio poder interagir com os povos originários que se expressam numa organização civil inspiradora, me atrevo a dizer que poucas organizações são tão coesas em seus objetivos como é o Instituto Angelo Kretã”, destacou.

 

Angelo Stroparo. Foto: Emerson Nogueira

A Floresta Estadual Metropolitana

A cerca de 30 quilômetros de Piraquara fica a Floresta Estadual Metropolitana, uma Unidade de Conservação que foi declarada como tal em 1988, mas habitada por indígenas há milhares de anos, como ressalta o arqueólogo Júlio Thomaz, que vive em Piraquara há mais de três décadas. Ele planeja, junto com a prefeitura municipal, viabilizar uma pesquisa arqueológica dentro da Floresta. Além disso, tem sistematizado as informações de pesquisas arqueológicas que foram feitas em seu entorno, em outros locais de Piraquara e no município de Pinhais, principalmente nas Bacias do Rio Iraí e Rio Piraquara.

No Abril Indígena, Júlio trouxe o resultado destas pesquisas e achados arqueológicos encontrados no entorno imediato da Floresta. Entre eles estão dois pilões de pedras datados de cerca de dois mil anos que foram encontrados a cerca de 800 metros de onde as famílias indígenas vivem hoje. Além disso, o Arqueólogo revelou uma descoberta recente que é mais um elemento que prova que os povos originários viveram na região há muito tempo. “Recebi uma informação oral muito importante de uma vizinha aqui da Retomada. Ela encontrou ao longo dos anos muitos artefatos em sua propriedade da tradição Umbu, que podem ter até 10 mil anos, há vários indicativos, além desses sítios arqueológicos no entorno da floresta, que aqui também podem existir sítios arqueológicos, aqui mesmo na área que eles estão ocupando hoje”, revelou.

Foto: Emerson Nogueira

Estudo do Instituto Água e Terra destaca que a Floresta Estadual Metropolitana é banhada pelo Rio Iraizinho e possuí quatro nascentes. E hoje, a unidade é composta principalmente por árvores de eucalipto que são fruto de um reflorestamento que ocorreu na região. Há pouco mais de 100 anos, mais exatamente em 1885, com a construção da Ferrovia ligando Curitiba a Paranaguá, as árvores nativas, principalmente a Araucária, foram extraídas em sua maioria e comercializadas. Na região ainda existiam espécies valiosas como a imbuia, a canela preta, o cedro, o sassafrás, entre outras.

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About José Pires

É Jornalista e editor do Parágrafo 2. Cobre temas ligados à luta indígena; meio ambiente; luta por moradia; realidade de imigrantes; educação; política e cultura. É assessor de imprensa do Sindicato dos Professores de Ensino Superior de Curitiba e Região Metropolitana - SINPES e como freelancer produz conteúdo para outros veículos de jornalismo independente.