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A VOLTA ÀS AULAS E O INTERESSE NEOLIBERAL

*Foto: A Gazeta.com 

Coluna Autofagia 

A pandemia decorrente do Novo Coravírus ceifou até agora 749.421 vidas em todo o mundo. No Brasil, talvez o pior país a combate-la, chegamos a 104.342 mortes. A morbidade mais letal de nossa geração fez o mundo parar. Desde de março estamos reclusos, privados de nossa liberdade e de nossa vida cotidiana; convenhamos, uma privação necessária, pois é o único meio de se evitar números ainda mais estratosféricos. Enquanto ficamos em casa, a ciência busca de forma incessante uma vacina eficaz que nos devolva a esperança de em algum momento voltarmos à normalidade.

       Nestes quase cinco meses de reclusão, observamos o quanto o ser humano é um animal sociável, dependente das relações humanas para preencher sua vida, desenvolver suas habilidades e, fundamentalmente, construir sua visão de mundo e seu caráter. É nesse contexto de desenvolvimento humano que a escola exerce um papel insubstituível de aperfeiçoamento crítico, reflexivo e social. Sabe-se que é no ambiente escolar, espaço plural, que o homem aprende a se posicionar sobre temas complexos e as contradições da sociedade e, principalmente, apreende a respeitar as diferenças presentes nela.

       No início da pandemia no Brasil, em meados de março, escolas, creches, universidades e centros educacionais precisaram interromper suas atividades presencias. Absolutamente justo e necessário. No entanto, da noite para o dia, como se o problema maior estivesse na educação e não na crise sanitária provocada pelo Covid-19, surgiram Startups educacionais com formulas mágicas de retomada das aulas de forma remota por meio de softwares avançadíssimos com a promessa de substituir de forma “eficaz” a sala de aula física, sem prejuízos a estudantes, professores e comunidade.

       A visão capitalista da educação aliada ao discurso de doutrinação escolar causou frisson em uma elite movida pelo preconceito e exclusão social. Nós, professores, comprometidos com a educação humana, crítica e libertadora, tivemos medo do que esta artimanha de ensino remoto poderia causar à educação e, até mesmo, à docência brasileira. Felizmente, a efemeridade do ensino remoto desencadeou outras discussões outrora esquecidas pela sociedade como a tecnicidade das disciplinas e suas idiossincrasias, a falácia do homeschooling e o papel fundamental do professor como agente capacitado integralmente para a condução do aluno ao conhecimento técnico-científico, social e humano.

       Agora, mediante o fracasso protagonizado pelo ensino remoto, autoridades discutem a possibilidade – de forma temerária, é verdade –  de retorno às aulas presenciais em escolas e universidades. Cogitar, mesmo que em sonhos, a possiblidade de retomada do ensino presencial é assinar a sentença de morte de milhões de alunos e milhares de professores e funcionários em todo o país. Exemplos de que tal ideia é perigosa foram dadas por país como França, Espanha, Alemanha, China e Estados Unidos os quais retomaram às aulas durante a pandemia. Nestes países, exceção feita aos Estados Unidos, todos estavam com indicadores de queda no número diário de infectados e mortos e, contudo, o resultado foi catastrófico.

      Recentemente a Fiocruz, referência mundial no combate ao Novo Coronavírus, elaborou um protocolo de biossegurança para o retorno às aulas. Mesmo com conhecimento científico sobre a morbidade, a instituição não prevê em seu coletivo de prevenção a testagem, desobrigando escolas e universidades aferir  seus alunos, professores e funcionários. Sem uma vacina ou medicação que imunize, o teste é o único meio pelo qual se pode evitar a contaminação já que o distanciamento social em uma sala de aula, principalmente de crianças, é utópico e outras medidas de segurança sanitária ficarão sob responsabilidade do professor já sobrecarregado com suas demandas burocráticas e pedagógicas. Já pensou o professor ficar cobrando incansavelmente o uso de máscara e álcool gel?

       Mesmo com um cenário sombrio e uma tragédia anunciada, forças neoliberais buscam a todo custo reabrir instituições de ensino mesmo que isso signifique sacrificar mais vidas humanas em nome de uma pseudoeducação, cujo interesse é exclusivamente lucrativo. É triste saber que instituições relevantes, como a Fiocruz, se submetem e chancelam práticas necropolítcas do capital privado. Indubitavelmente, o retorno das aulas, sob tais circunstâncias, nada tem a ver com a  garantia de um ensino de qualidade ou os aspectos socias e humanos que a escola proporciona, mas, sim, com a queda dos lucros das grandes corporações educacionais que ameaçam demitir – e demitem – professores e funcionários. Estas corporações agem por meio de lobby, pressionam agentes públicos eleitos com recursos escusos de corrupção eleitoral, obrigando-lhes a atuarem em seu favor, relegando a sociedade à vulnerabilidade social e sanitária.

       Neste viés de alta de contágio, recorde de mortos e uma profunda crise econômica, retrato da subestimação do problema por parte dos governantes negacionistas, é, portanto, impensável acreditar que, caso às aulas retornem presencialmente, não haverá acréscimo no número de infectados e mortos. Neste período crítico em que vivemos, ficar em casa é o único remédio contra o Coronavírus. É responsabilidade das autoridades, aquelas ainda não corrompidas, garantirem a saúde da comunidade e, só a partir daí, discutir racionalmente, colocando as vidas das pessoas em primeiro lugar, a volta s aulas.  Só assim poderemos nos sentirmos seguros e nos concentrarmos unicamente em nossa tarefa de ensinar e os alunos de aprender.

 

About Dieison Faria

Dieison Faria é professor, pedagogo e pesquisador.