O Coletivo RosaLux fez uma intrigante análise sobre três livros de Idovino Cassol Jr., professor, escritor e designer gráfico, que podem compor uma trilogia não-intencional.
Para iniciar, devemos ter em mente que existe na cultura popular algumas obras que são encaradas como trilogias “não-oficiais” catalogadas por fãs, tendo como exemplo os filmes Distrito 9, Elysium e Chappie do diretor Neil Blomkamp, exprimindo críticas sociais em tempos diferentes e perspectivas distintas. Temos também o exemplo da trilogia não-oficial de Greta Gerwig com Mistress America, Frances Ha e Lady Bird. Ou mesmo a trilogia da guerra civil espanhola de Guilhermo Del Toro que esperamos até hoje o capítulo final. Coisa de fã, intencional ou só maneirismos do autor?
Seguindo a análise, Idov Cassol nos apresentou Supéria, um livro que, logo na introdução, nos é informado que se trada de uma transmigração de ideias dos projetos acadêmicos do autor envolvendo filosofia e estudos sobre a cultura dos super-heróis dos comics para um texto em prosa.
Supéria se deita sobre metáforas acerca das eras dos super-heróis norteamericanos iniciada nos anos de 1930 e converte acontecimentos marcantes dessas eras em fases da vida da super-heroína central da trama. Apesentada por um narrador que dialoga excessivamente com o leitor (e que se entende como narrador de um livro, formado por letras combinadas com o olho e aparato cognitivo do leitor) a trajetória vai sendo polvilhada por dicas e malabarismos semânticos para desviar a atenção, como o narrador diz, truques de salão com fumaças e espelhos.
A maneira que o autor brinca com conceitos de Jean Baudrillard, Zygmut Bauman, Saul Krypke e até mesmo Antoine Lavoisier pontua o tom do da trilogia que estaria por vir à partir daqui.
Depois de Supéria veio O Último dia da Morsa, livro infantojuvenil com ilustrações à lápis do próprio autor, narrando uma aventura tão óbvia quanto fantástica para aqueles que compreendem a confusão que o protagonista Akil faz logo de início com a palavra “morsa”.
Determinado a salvar o animal da ira de seu avô, o pequeno Akil recorre à imaginação e às diversas facetas super-heróicas para reconfigurar a realidade.
O livro nos coloca como acompanhantes invisíveis da jornada do garoto aflitos sobre o desfecho e o quanto será favorável ao mundo fictício da cabeça de Akil, ou até mesmo o quão fictício aquilo tudo era e o quanto a imaginação do pequeno alterou, de fato, toda a realidade.
Falando em reconfigurar a realidade, em 2022 fomos apresentados ao estranho, porém fantástico, Os Reescritos, livro que leva o selo “Bugio Caveira” da editora, sendo classificado como terror (antes dele a Equipe Bugio contava apenas com a saga Zórnia cobrindo esse gênero).
A trama cíclica e emaranhada nos faz acompanhar o plano mestre de Orestes Costa da Ordem Niveladora da Igreja Católica para dar fim à uma ameaça que está destinada a existir, prevista em cálculos precisos do próprio Orestes, surgiria o temível Anacro-Lord. Se fosse só esse o problema estaria tudo bem, mas a Mansão Paradoxo, cenário principal do livro, onde a alma desse ser está confinada, recebe novos moradores após a morte de Orestes e tudo começa a cair numa espiral de eventos até o fatídico fim. Ou até o começo de tudo.
Três títulos tão distintos estão separados por gêneros e até por universos em que se passam, não indicando serem ambientados nos mesmos mundos. No entanto, o tema “super-herói” é recorrente nos três casos. Poderia se tratar da base de influência do autor, mas, em seguida, podemos ver a crescente influência das palavras na força basal que rege a trama. Seja no poder que a palavra “Supéria” evoca em sua conclusão, misturando uma magia (ao melhor estilo Shazam) com a da fonética e seus significados ocultos no subconsciente ao lidar com a força esmagadora da depressão, ou como o Arranjador de O Último dia da Morsa bagunça os significantes e significados e, por fim, Ricardo de Os Reescritos fazendo uso das palavras, embaralhando suas letras para, de forma absurda, criar coisas novas como se os nomes das coisas estivessem ligados à suas formas físicas, desconsiderando os princípios da matéria.
Não bastando isso, Supéria, Akil e Ricardo apresentam traços semelhantes entre si. É constantemente citado em Supéria que a heroína precisa estar constantemente movendo sua mão num ritmo de um metrônomo para se ancorar à realidade, talvez como alusão à estereotipia (ou flapping) de pessoas com Transtorno do Espectro Autista). Akil é o que mais apresenta abertamente traços do TEA dos três personagens, chegando a usar um abafador de ruídos em sala de aula por conta da sensibilidade auditiva e, por fim, Ricardo Racaño de Os Reescritos sem tantas características evidentes, mesmo assim podemos enxergar nele algumas características ao lidar com tudo o que está acontecendo ao seu redor. Não conseguiríamos catalogar os níveis de suporte do espectro dessas figuras ficcionais, no entanto, é pontual que essas tramas distintas permeiam os mesmos alicerces, como se apresentassem três pontos de vistas de três personagens autistas diante de universos moldáveis com a força das palavras.
A delicadeza em abordar o tema sem estigmatizar traz o tom necessário para essa e tantas outras representatividades.
Pode ser só uma teoria, mas é bem interessante, não?
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