Professores e estudantes participantes das manifestações contra a terceirização das escolas estaduais são intimados a depor na Polícia Civil com base em reconhecimento facial
Reportagem de Diogo da Silva e Kauê Avanzi
A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), por meio de seu presidente Ademar Traiano (PSD), tenta reeditar seu próprio inquérito do “8 de janeiro” para apurar o ato protagonizado por professores e estudantes em protesto contra o projeto “Parceiro da Escola”, que teve como consequência a ocupação das galerias da casa legislativa durante os dias 3 e 4 de junho deste ano. Aberto à pedido de Traiano, o inquérito, conduzido pelo Centro de Operações Policiais Especiais (COPE) da Polícia Civil do Paraná, está intimando os participantes do ato identificados por meio de reconhecimento facial a deporem em diversas delegacias do Paraná. Segundo uma das fontes entrevistadas pelo Parágrafo 2, 50 pessoas já foram intimadas, número que tende a crescer.
Classificada como “antidemocrática” pelo deputado Traiano, a manifestação ocorrida na Alep, porém, não apresenta nem de muito longe as mesmas motivações, características e os números de depredação ao patrimônio público evocados pelas lembranças e consequências do “8 de janeiro”. A única similaridade, talvez, é o número de pessoas reunidas nos dois atos, cerca de 4 mil em cada um. No entanto, enquanto em Brasília o movimento golpista provocou um prejuízo de cerca de R$ 12 milhões, na Assembleia Legislativa do Paraná, segundo o apurado no dia e no local pelos repórteres do Parágrafo 2, o prejuízo limitou-se ao portão frontal derrubado e entortado, o interfone da entrada danificado, uma porta de vidro e uma vidraça quebradas. Solicitamos à Alep o levantamento dos prejuízos, mas, segundo a assessoria de imprensa da casa, o documento está sob sigilo do inquérito policial.
Mesmo sem saber ao certo os danos causados no primeiro dia da ocupação, Ademar Traiano declarou, naquele mesmo dia, em matéria no site da Alep, sua retaliação diante dos protestos. “Já determinei à Procuradoria da Casa para ingressar com medidas jurídicas contra os invasores que foram identificados como os principais incitadores aos atos antidemocráticos, fazendo prevalecer também a questão do 08 de janeiro, se lá vale a justiça, aqui também tem que valer. Nós vamos ingressar com medidas criminais para que estes invasores também possam ser representados como foram aqueles lá em Brasília por atos antidemocráticos e que a Justiça estabeleça o mesmo rigor em relação a estes invasores aqui na capital do estado”, prometeu o presidente da Alep.
Apesar da comparação totalmente desmedida entre a ocupação da Alep e o movimento golpista em Brasília, o presidente Ademar Traiano notou, na mesma notícia veiculada pelo site da Alep, uma diferença crucial em relação ao tratamento dispensado por professores e estudantes ao contingente policial que fazia a segurança da casa legislativa paranaense. “O fato ocorreu em razão da invasão da Assembleia, não por agressão dos policiais que estavam na proteção do patrimônio público e acabaram atingidos. Esse tipo de atitude de invasão não se recomenda. São vândalos que não aceitam o processo de inovação visando a melhoria da educação do Estado do Paraná”, nas palavras de Traiano. Diferente do 8 janeiro, quando 44 policiais e seguranças foram feridos e agredidos tentando conter a turba vestida de verde e amarelo, o Gabinete Militar da Assembleia Legislativa do Paraná registrou 2 policiais feridos com cortes nas mãos, 3 manifestantes com ferimentos leves e 2 professores detidos.

Mesmo sem saber ao certo os danos causados no primeiro dia da ocupação, Ademar Traiano declarou, naquele mesmo dia, em matéria no site da Alep, sua retaliação diante dos protestos. “Já determinei à Procuradoria da Casa para ingressar com medidas jurídicas contra os invasores que foram identificados como os principais incitadores aos atos antidemocráticos, fazendo prevalecer também a questão do 08 de janeiro, se lá vale a justiça, aqui também tem que valer. Nós vamos ingressar com medidas criminais para que estes invasores também possam ser representados como foram aqueles lá em Brasília por atos antidemocráticos e que a Justiça estabeleça o mesmo rigor em relação a estes invasores aqui na capital do estado”, prometeu o presidente da Alep.
Apesar da comparação totalmente desmedida entre a ocupação da Alep e o movimento golpista em Brasília, o presidente Ademar Traiano notou, na mesma notícia veiculada pelo site da Alep, uma diferença crucial em relação ao tratamento dispensado por professores e estudantes ao contingente policial que fazia a segurança da casa legislativa paranaense. “O fato ocorreu em razão da invasão da Assembleia, não por agressão dos policiais que estavam na proteção do patrimônio público e acabaram atingidos. Esse tipo de atitude de invasão não se recomenda. São vândalos que não aceitam o processo de inovação visando a melhoria da educação do Estado do Paraná”, nas palavras de Traiano. Diferente do 8 janeiro, quando 44 policiais e seguranças foram feridos e agredidos tentando conter a turba vestida de verde e amarelo, o Gabinete Militar da Assembleia Legislativa do Paraná registrou 2 policiais feridos com cortes nas mãos, 3 manifestantes com ferimentos leves e 2 professores detidos.
Quando Traiano refere-se aos “principais incitadores”, é claro o recado para a Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná – APP-Sindicato, que conduziu de forma clara e pronunciada, levando todos os seus símbolos, bandeiras e representantes para o ato em frente à Assembleia Legislativa do Paraná, sem guardar qualquer comparação com os atos de violência e depredação perpetrados em Brasília, que precisou de uma CPI para investigar seus mentores. Ou seja, não é preciso investigação policial para saber quem conduziu o ato naquele dia, é de conhecimento público que foi conduzido pela APP-Sindicato e pelo movimento estudantil paranaense.
Ainda de acordo a matéria publicada pela Diretoria de Comunicação da Alep, o inquérito conduzido pela Polícia Civil do Paraná tem por objetivo “apurar comportamentos individuais de pessoas responsáveis pela invasão do Plenário” da Assembleia, o que de fato está ocorrendo. Segundo informado pela Polícia Civil após a publicação desta reportagem – que foi editada para incluir as informações a seguir -, “até o momento, 18 pessoas foram identificadas e três indiciadas pelo crime de dano ao patrimônio público. Conforme apurado, os danos foram avaliados em R$ 9.961,24. No decorrer das diligências, foram analisadas cerca de 30 horas de gravação nas câmeras de segurança. A PCPR prossegue com as investigações, aguarda o retorno das cartas precatórias expedidas para ouvir outros envolvidos no caso que residem no interior”.
O Parágrafo 2 identificou 4 pessoas intimadas até o presente momento, 2 professores e 2 estudantes, e entrevistou 3 delas. Todas as que toparam falar, classificam a ação como “perseguição” pessoal injustificada, além disso, essas fontes temem as consequências criminais possíveis e o evidente prejuízo ao direito de greve e de protesto garantido a todo cidadão pela Constituição Federal Brasileira.
Intimações
“Eu fico com um pouco de medo, porque sou PSS (profissionais da educação contratados pelo Processo Seletivo Simplificado, sem os mesmos direitos e garantias dos profissionais contratados concursados) e daí fico preocupada com tudo isso que tem acontecido. A intimação chegou na casa da minha mãe, ela recebeu e eu fiquei com um pouco de medo. Liguei (na delegacia) para saber do que se tratava e descobri que era em relação à ocupação na Alep. A princípio fiquei pensando no que teria feito de errado, porque não difamei ninguém, não discuti, não fiz nada que possa ser errado, né!?”, contou ao Parágrafo 2 uma das professoras intimadas a depor no inquérito e que solicitou o anonimato por medo de futuras perseguições.
Moradora do interior do estado, conta que não era sindicalizada, mas que diante da intimação para comparecer à delegacia, recorreu à entidade que representa a sua classe, a APP Sindicato. “Eu não era sindicalizada, fui atrás para me sindicalizar, meu marido também consultou o pessoal do sindicato da nossa região, fomos atrás de gente para me socorrer. E até então ninguém sabia o que estava acontecendo. Consegui um advogado da APP e ele me acompanhou lá no dia (do depoimento)”.
A intimação foi recebida nos primeiros dias de julho e o depoimento aconteceu na semana seguinte. “Chegando lá (na delegacia), o advogado pegou meus dados e ficou comigo. O delegado perguntou se eu queria falar, eu respondi que não queria falar nada. Aí eu vi umas fotos minhas de rosto participando normalmente do nosso ato de exercer o direito democrático, de querer explicações sobre o que estava acontecendo. Como professora e cidadã a gente precisa desse retorno. Para onde está indo nosso dinheiro?”, indagou a professora especificamente sobre o projeto “Parceiro da Escola”, que estava em votação naquele dia. Como já apurado pelo Parágrafo 2 em reportagem anterior, só em duas escolas que já foram terceirizadas no modelo proposto, no período de um ano, o governo do Paraná, segundo o Tribunal de Contas do Paraná, desembolsou mais de R$ 18,5 milhões pagos a duas empresas responsáveis pela administração das duas escolas .
Após optar pelo silêncio durante o depoimento, a professora e o advogado conversaram com o delegado sobre o inquérito, tentando saber mais informações sobre os critérios utilizados pela Polícia Civil do Paraná nas intimações e se apenas professores estavam sendo intimados. “Ele falou que não, que estavam chamando o pessoal em geral, porque aparentemente tinham pessoas que não sabiam o porquê estavam ali (durante a manifestação na Alep) e se não eram pessoas contratadas”.
Esta última dúvida do delegado, “se não eram pessoas contratadas”, chamou a atenção da professora. “Não sei o que ele quis insinuar com isso. Contratadas por quem? Se foi a APP que contratou pessoas para fazer parte disso?”. As dúvidas aumentaram quando o delegado disse que no caso dela, em uma primeira avaliação, ela “não parecia ser professora”, mas que após descobrir que ela de fato é professora, “ele entendia o porque eu estava participando”.
Estarrecida e questionando-se a respeito de qual é o estereótipo de professora imaginado pelo delegado, a docente começou a entender para onde apontava o caminho daquela conversa. “Daí eles falaram que estavam levantando informações à respeito do caso, que estavam querendo comparar a ocupação da Alep ao 8 de janeiro, o que ele (o delegado) falou também que não se ‘enquadrava’, mas como ele estava na situação que estava, tinha que interrogar as pessoas identificadas, e que estavam identificando mais pessoas que iam chamar para interrogatório. E foi isso”, finalizou a professora sobre sua passagem na delegacia.
A problemática fabricação pela Alep do “8 de janeiro” paranaense
Para entender melhor a natureza do inquérito – que corre sob sigilo e não é acessível por qualquer cidadão -, questionamos a professora se ela e seu advogado conseguiram entender na conversa com o delegado quais seriam os critérios das intimações. “Ele falou que eram quem eles estavam identificando nas imagens, foi esse o critério que ele falou que eles estão utilizando. Mas não sei mais informações. Isso ele falou quando o advogado perguntou se tinham mais professores intimados, aí ele disse que já tinham sido intimadas 50 pessoas, mas que não eram só professores. Eram pessoas que estavam lá e que estavam sendo identificadas nas câmeras, com reconhecimento facial”.
Segundo o apurado pelo Parágrafo 2 nas entrevistas realizadas com 3 fontes intimadas dentro do mesmo inquérito, o reconhecimento facial foi a única justificativa apresentada para as intimações dos entrevistados, já que nenhuma das fontes apontou alguma acusação específica no momento do depoimento, seja por agressão, injúria ou dano ao patrimônio público. Todas as fontes foram confrontadas na delegacia com suas fotos na manifestação do dia 03 e 04 de junho, em todos os casos tratando-se de imagens normais, sem flagrantes delitos. “Pelo que eu vi, as fotos minhas que estavam ali no processo, aparentemente, são fotos normais, onde estou circulando, assim como estava todo mundo circulando ali”, aponta a professora, que disse ainda ter participado apenas do primeiro dia de manifestação, quando entrou nas galerias da Alep, mas que não pernoitou lá.
“São essas pessoas que estão chamando para depor no processo de acusação que eles estão querendo comparar realmente com o 8 de janeiro. O delegado falou que ele não vê comparação com isso, porque não teve ninguém ferido, não teve nada destruído. Ele falou que ele não vê por esse lado. E eu também não, porque ninguém destruiu nada, ninguém estragou nada, ninguém quebrou placa ou estragou patrimônio, ninguém quebrou cadeira, carteira ou algo do tipo. Ninguém invadiu lá embaixo (plenário). Então eu não encaro dessa forma em hipótese alguma”, disse a professora em tom de desabafo.
Preocupada com as consequências futuras do inquérito, a professora classifica a situação como constrangedora e triste. “Nem podemos participar de uma passeata que já podemos ser acusados de ser um criminoso, de ser um bandido, um agressor. Isso fica meio complicado. Nosso governador expôs a nossa classe de professores de um jeito como se nós fossemos errados, como se a gente estivesse sendo agressivo. E pelo contrário, nós é que estamos sofrendo essa agressão”, externando um sentimento que vem ecoando entre muitos dos profissionais da educação no Paraná.
“Eu tenho muito medo do que possa acontecer. Porque é engraçado, né!? No meio de tanta gente que estava lá, parece que algumas pessoas foram ‘sorteadas’, meio que para amedrontar todo mundo. E eu estava no meio dessas pessoas sorteadas. E é preocupante, eu dou aula, não tenho muito tempo de Estado, eu sou mãe, tenho minhas preocupações com as nossas despesas, de onde vem a nossa renda. A gente fica meio que desamparada, sabe?”, diz a professora, que aceitou conversar sobre sua intimação e sua consequente passagem pela delegacia mais por medo do que por vontade, já que solicitou o anonimato nesta entrevista.
“Espero que se venha a acontecer alguma coisa, a nossa categoria se solidarize um pouco mais, seja mais firme, mais resiliente. Porque não é brincadeira. Algumas pessoas pensam, ‘porque eu não fui intimada, está tudo bem’. Mas e as pessoas que foram intimadas, que estavam lutando pelos nossos direitos? Eu fico pensando nisso, fico com bastante medo. Vou falar para você: estou com muito medo do que possa vir a acontecer. Porque só esperamos coisas ruins desse governo, por estarem comparando (com o 8 de janeiro) esse movimento dos professores que foi super pacífico, fizemos uma caminhada linda, chegamos lá onde sempre somos recebidos com dez pedras na mão e acontecer isso tudo que aconteceu e está acontecendo… é muito triste, é revoltante também” – palavras e sentimento da professora, que assim finalizou a entrevista.
A votação e o protesto
A votação do projeto “Parceiro da Escola” repetiu o modelo de outro projeto polêmico, votado ainda durante o primeiro ano da pandemia. No dia 14 de setembro de 2020, o governo Ratinho Junior enviou para a Alep o projeto de Lei nº 543/2020, projeto que autorizava e regulamentava a criação de cerca de 200 colégios cívico-militares no Paraná. A solicitação do governo para sua base de deputados foi de que o projeto fosse aprovado em regime de urgência. Pedido aceito, a lei foi aprovada no dia 30/09/2020 e o documento encaminhado para a sanção do governador em 07 de outubro de 2020 – somando um total de 24 dias entre a entrada do projeto na Alep e sua saída.
Já a tramitação do projeto “Parceiro da Escola” – entre apresentação, votação e sanção – aconteceu em apenas 9 dias. Vale ressaltar que desses 9 dias, valendo mesmo, foram apenas 5 – considerando o feriado e o recesso de Corpus Christi (30 e 31/05) e o fim de semana (1º e 2/06), dias em que não houveram sessões na Alep. Ou seja, é difícil considerar que o projeto “Parceiro da Escola” tenha sido democraticamente discutido, trabalhado e lapidado pelas melhores intenções advindas do tensionamento de ideias e interesses entre a oposição e a base do governo, entre professores, estudantes e comunidade. É evidente que cinco dias não é um prazo razoável para debater qualquer projeto de Lei que se preze democrático, quanto mais um em que divisas fundamentais previstas pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases – LDB estão em jogo, entre elas o repasse de dinheiro público para que a iniciativa privada faça a administração e a gestão de profissionais do ensino público em uma escola estadual.
Ainda seguindo o modelo de implementação das escolas cívico-militares, apesar da fala de deputados da base que defendem o Parceiro da Escola, é óbvio que o governo Ratinho Júnior não quer ficar restrito aos 204 colégios terceirizados pela proposta inicial. Passados 4 anos da aprovação do projeto que instituiu as escolas cívico-militares no Paraná, o estado já conta com 312 escolas neste modelo. Em notícia publicada no site da Alep no primeiro dia da tramitação do projeto Parceiro da Escola, a expansão já é mencionada. “De acordo com o governo estadual, a ideia é expandir, por meio da Secretaria de Estado da Educação, o programa a partir de 2025”.
A pressa, a falta de diálogo e a imposição vertical da vontade do governador apoiado por sua obediente base de deputados, foram o estopim para deflagrar a greve dos professores, que levou no dia 03 de junho de 2024, cerca de 4 mil professores – segundo estimativa da Polícia Militar -, profissionais da educação e estudantes aos portões da Alep, depois de uma caminhada que partiu da Praça Santos Andrade. Muito diferente do 8 de janeiro, quando golpistas depredaram o STF, o Congresso e o Palácio Presidencial em uma ação classificada como terrorista e golpista – considerando que a principal reivindicação era o resultado da eleição presidencial de 2022 -, os professores paranaenses estavam lá mostrando a cara contra um projeto, contra as ações do governo Ratinho Júnior na educação e contra a atuação da base de deputados do governo na Alep – como é possível notar nos cartazes em riste durante o ato.
O dia era de céu azul, sol entre nuvens e clima ameno, com a temperatura subindo gradativamente com o avançar das horas. A cor predominante na manifestação foi o preto – seja o da camiseta vestida pelos professores que estampava a frase “Não venda a minha escola”, seja pelas várias viaturas pretas da Polícia Militar, que também vestia capacete, coletes, caneleiras e botas pretas. As bandeiras do Brasil e do Paraná tremulavam em frente ao Palácio Iguaçu, onde outro contingente das forças policiais se concentrava em prontidão. Um caminhão de som com as bandeiras da APP-Sindicato e da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – atualizava os manifestantes sobre a pauta da greve, informando também que a entrada na sessão de votação estava restrita pela própria Alep.
A estratégia era que apenas 200 manifestantes acompanhassem presencialmente a sessão nas galerias da casa. A multidão não aceitou a imposição e, por volta das 14h, forçou o portão da frente que caiu, liberando a entrada dos manifestantes sem conflito com a força policial. Ao som de “Traiano, ladrão! Traiano, ladrão!” – em referência ao episódio envolvendo Traiano e o recebimento de propina denunciado pelo deputado Renato Freitas -, Ademar Traiano iniciou a sessão e, em 17 segundos, suspendeu os trabalhos em decorrência da ocupação da Alep, sessão que foi retomada posteriormente no modo on-line.
A manifestação em frente à Alep contou com a presença de professores de todo o estado. Segundo informado pela PM, foi registrado a presença de 54 ônibus vindo das diversas regiões do Paraná. Outro fator que ajudou na presença de manifestantes de outras cidades foi o feriado, como é o caso de outro professor entrevistado pelo Parágrafo 2, que também solicitou o anonimato por medo de represálias. Também PSS, o professor foi um dos intimados pelo inquérito aberto pela Alep. “Não tenho vínculo com a APP, não pago sindicato, mas estou sempre nos protestos. Eu não fui com o ônibus da APP no dia. Eu fui de carro, porque estava em Curitiba visitando uns amigos antes, no feriado. Então acabei ficando por lá para participar da manifestação, eu estava lá, subi a rampa junto com os colegas, fiquei lá dentro junto com os colegas. Quando acabou a votação, eu saí junto com todo mundo e me direcionei para minha casa”, contou o professor do norte do estado.
O perfil coincide com algumas características apresentadas por nossa outra fonte: professor PSS no interior do estado, não é sindicalizado e também recebeu a intimação por conta do reconhecimento facial em imagens registradas na parte interna da Alep. “Sobre as fotos, eram fotos minhas na rampa de acesso. Não era nem lá dentro, era na rampa de acesso – eu consegui pegar o documento na mão para ver”, conta o professor, que esteve por cerca de 30 minutos prestando seu depoimento em uma delegacia no interior do estado.
Sobre o conhecimento de intimação de colegas, disse que desconhecia qualquer outro caso de intimação fora o seu, mas que entende “como uma perseguição política e uma represália de qualquer outra coisa que a gente venha a fazer. Embora sejam poucos casos, a gente vai sair falando e os outros colegas vão ficar com medo de serem intimados também. É uma forma de colocar medo na classe inteira, da pessoa ser investigada e ser responsabilizada criminalmente por uma coisa que a gente não fez”, refletiu o professor intimado no inquérito da Alep.
Mesmo com protestos, ocupação e toda a tensão que tomou conta do ambiente, seguindo a recomendação de “urgência” do governador, a sessão foi reaberta por Traiano no fim da tarde do dia 03 de Junho, já com a maioria dos deputados participando de forma on-line. A galeria do primeiro andar foi aberta e os manifestantes orientados a descer para ela, para aliviar o sobrepeso na galeria do segundo andar, que estava lotada e pulsante pelo protesto. Apesar dos discursos contra o projeto feitos por deputados da direita e da esquerda, apesar da falta de argumentos da base parlamentar do governo à favor do projeto, o Parceiro da Escola foi aprovado em primeira votação por volta das 19h do dia 03 de junho.
A maioria dos manifestantes dispersou assim que a votação acabou, um grupo pequeno de estudantes e de professores ligados a APP-Sindicato continuaram a ocupação da Alep, pernoitando no local.
Dia 04/06
Entre as pessoas que pernoitaram na Alep do dia 03 para o dia 04 de junho, estava nossa entrevistada Camilli Miranda, 20 anos, estudante do curso de graduação em nutrição de uma instituição privada. “No dia da Alep estávamos entre entidades estudantis, a União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES) e a União Paranaense dos Estudantes (UPE), e ocupamos (a Alep) junto com a APP Sindicato. Mas tinham várias outras juventudes políticas que também estavam lá. Ocupamos com um número de estudantes também, como os alunos do Colégio Estadual do Paraná”, contextualiza a estudante.
Camilli está entre as pessoas intimadas a depor dentro do inquérito da Alep. Ela prestou depoimento no último dia 02 de agosto, e também optou por permanecer em silêncio. O depoimento aconteceu na delegacia do COPE, em Curitiba, onde Camilli foi recebida por uma escrivã, que lhe mostrou fotos suas na Alep e pediu para que a depoente confirmasse sua identificação entre as pessoas da imagem. À exemplo de outros depoimentos, Camilli também foi informada de que outras pessoas estão sendo reconhecidas e receberão intimações para depor.
“Nós estávamos lá enquanto UPE porque entendemos que o sucateamento do ensino médio e da educação pública do Paraná pelo governo Ratinho Júnior tem sido frequente, principalmente pela gente que é estudante universitário e que sabe que tem a Lei Geral das Universidades que acaba com a autonomia das universidades estaduais. Então não é só um ataque às escolas, não é só um ataque aos estudantes secundaristas, mas também aos estudantes universitários. É um retrocesso na educação do Paraná o que a gente vive, então por isso nos somamos a essas lutas e estávamos lá para acompanhar a votação”, explicou Camilli.
Sobre como foi a pernoite na Alep, Camille relata que “naquela noite demoramos muito para dormir porque o ar condicionado estava muito gelado, tivemos muitas dificuldades. A galera estava sem comer, a APP estava comprando comida ali dentro. Foram momentos bem difíceis, a gente não fez nada lá dentro. Não depredamos nada lá dentro, sabemos que é a ‘casa do povo’. Não iríamos fazer nada contra a Assembleia e foi basicamente isso. Então não tem porque chegar uma intimação. Não tem imagens que comprovam que a gente depredou alguma coisa, ou algo assim. Só está chegando (as intimações) aleatoriamente para os nossos estudantes, para nossas entidades que estavam lá presentes, como se fosse uma perseguição mesmo aos estudantes”.
Observando o noticiário nacional à época dos fatos narrados nesta reportagem, é inegável que a greve, o protesto e a consequente ocupação da Assembleia Legislativa do Paraná atraíram os olhares do Brasil inteiro para o Parceiro da Escola. O tema repercutiu em todos os grandes canais e veículos nacionais, com destaque para o Ao som de “Traiano, ladrão! Traiano, ladrão!” – em referência ao episódio envolvendo Traiano e o recebimento de propina denunciado pelo deputado Renato Freitas, dando a oportunidade para que o deputado Hussein Bakri (PSD) e para Requião Filho (PT), líderes da base e oposição, respectivamente, realizassem o debate omitido na Alep.
Nos bastidores, a mesma luta era travada em outras esferas. Na sexta-feira, 31/05, a Procuradoria Geral do Estado do Paraná, representado os interesses do governador Ratinho Júnior, entrou na justiça pedindo a ilegalidade da greve, alegando a essencialidade do serviço – aproveitando-se de uma manobra do governo estadual em conjunto com sua base parlamentar que tornaram a educação um serviço essencial na pandemia, por meio da lei nº 20506/2021 -, entre outros argumentos, como o “início antecipado”, direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolscente (ECA) e “notícias falsas”, que nas palavras da Procuradoria Geral do Estado, “já historicamente trazidas pelo sindicato requerido”.
E foi na esfera da comunicação que aconteceu o outro combate travado entre o governo Ratinho Júnior e a APP Sindicato. Apesar da alegação da Procuradoria de “notícias falsas” contra a APP, quem ficou reconhecida por utilizar o jogo sujo foi o próprio governo Ratinho Júnior, que utilizando a máquina estatal, a rede de contatos da Secretaria de Educação do Estado do Paraná e o dinheiro público, criou um vídeo apócrifo – não assinado, mas produzido pelo governo do estado do Paraná – contra a greve dos professores e disparou para 4.076 remetentes via WhatsApp e mais de 2 milhões de remetentes via SMS, ao custo de cerca de R$190 mil – sem contar a produção do vídeo. Toda essa situação vexatória foi confirmada pelo secretário Roni Miranda, em entrevista para o telejornal mais assistido do Paraná.
Segundo o Juízo, a greve comunicada pela APP Sindicato reivindicava o “pagamento do Piso Salarial Nacional Profissional, o zeramento das reposições salariais devidas (data-base) e o fim da terceirização da educação estadual – representadas tanto pela terceirização de funcionários quanto pelo projeto Parceiro da Escola. A desembargadora substituta Dilmari Helena Kessler deferiu parcialmente o pedido da Procuradoria do Estado, decisão que na prática suspendia o início da greve programado para 03 de junho, estabelecendo a multa de R$10 mil por dia em caso de descumprimento.
No dia 03 de Junho, o governador Ratinho Júnior foi questionado sobre a greve: “Olha, primeiro que a greve é ilegal, a Justiça decretou a greve ilegal. Baixíssima adesão, as aulas em sua grande maioria todo mundo, os alunos, tendo aula normal. O que é uma demonstração da maturidade dos nossos professores e diretores, em entender que os sindicalistas fizeram um monte de fake news sobre o projeto que está sendo votado”. Depois de louvar o projeto fruto de sua própria iniciativa, o governador Ratinho Junior voltou a carga contra os grevistas. “Vimos também através da inteligência da Polícia Militar que a manifestação é muito mais de professores da Universidade Federal, porque estão em greve contra o governo federal e estão usando essa votação para tentar engrossar as greves das federais”, versão desmentida pelo próprio secretário da educação de Ratinho, Roni Miranda, que confirmou o desconto no salário de 27 mil professores da rede estadual por participarem da greve.
Na sequência, a APP Sindicato apresentou os documentos solicitados pela justiça para justificar a legalidade da greve – inclusive várias mensagens destinadas ao próprio governador solicitando o diálogo, sobre cada uma das pautas que motivaram a greve. Em um desses documentos, datado de 22 de março de 2024 e assinado pela presidente da APP Sindicato, Walkiria Olegário Mazeto, o pedido é pela suspensão do programa Parceiro da Escola. “O governo do Paraná deve assegurar melhor qualidade das escolas, melhor salário e condições para o trabalho dos/das trabalhadores/as da educação, não lucro para empresas privadas na educação. Acreditamos que outra educação é possível. Por isso defendemos a gestão democrática da escola, feita por educadores e não por empresários da iniciativa privada. Sem mais para o momento, reafirmamos nossa disposição para o diálogo”, mensagem da APP Sindicato enviada para o secretário Roni Miranda.
Apesar dos apelos pelo diálogo, efetivamente, o único canal de comunicação que o governo que o governo do Paraná usou com APP Sindicato durante a greve foi a justiça. É notável a escassez de diálogo do governo Ratinho Júnior com a classe dos professores e, principalmente, com a APP Sindicato. O tema já foi abordado em ofício de 2021 assinado pelo senador Flávio Arns, onde solicita ao governador do Paraná a retomada do diálogo. “É fundamental que sejam restabelecidos diálogos constantes da Secretaria da Educação com os representantes dos professores e profissionais da educação. Ouvir o que a categoria tem a dizer é essencial para construir uma educação de qualidade e encontrar as alternativas para atravessar o momento único que vivemos”, palavras do senador Flávio Arns.
No dia 04 de junho, a juíza substituta Diele Denardin Zydek fixou multa de R$10 mil por hora de descumprimento da decisão pela desocupação da Alep, para a APP Sindicato e R$2 mil por hora para os “demais ocupantes que, intimados, se recusem a desocupar o imóvel”. Na abertura da sessão do dia 04 de junho na Alep, o presidente Ademar Traiano avisou os manifestantes sobre a decisão, e num gesto de boa vontade, permitiu que a desocupação acontecesse após a segunda votação do projeto Parceiro da Escola, que foi aprovado e encaminhado para a sanção do governador, que assinou e sancionou a lei no mesmo dia.
A batalha judicial, porém, continuava dentro do processo sobre a greve. No dia 04 de junho a Procuradoria do Estado do Paraná, representando o governo Ratinho Júnior, pediu em caráter de urgência novas medidas contra a APP Sindicato, que naquele momento comandava o segundo dia da greve. Alegando descumprimento judicial em razão da ilegalidade da greve, o governo do Paraná pedia o recrudescimento da multa para R$100 mil por dia, multa diária de R$10 mil em desfavor de Walkiria Mazeto e a sua imediata prisão.
O pedido não foi julgado pela Justiça, que encaminhou o processo para o Centro Judiciário de Soluções de Conflito e Cidadania (CEJUSC) no dia 05 de junho, terceiro e último dia da greve dos professores no Paraná. A medida, enfim, colocou frente a frente o governo do Paraná com a APP Sindicato em uma audiência de mediação. Dentre os pontos negociados estavam: a reposição ou não dos três dias de greve; a não penalização salarial (considerando a reposição); o não afastamento de diretores das escolas estaduais (foram registrados 4 afastamentos de diretores justificados pela greve); que professores PSS não fossem demitidos por conta de participarem da greve; que os professores participantes da greve não fossem excluídos do curso de formação. Nestas audiências não foram negociadas as pautas que justificaram a greve.
Ao fim, após diversas reuniões entre APP-Sindicato e o Governo do Estado mediadas pelo Ministério Público, firmou-se um acordo no dia 25 de Julho, onde mantiveram-se os descontos salariais sem prejuízos à carreira dos docentes grevistas, com o acordo de que as faltas seriam registradas como falta-greve – um direito do trabalhador, a reintegração de diretores afastados em razão da greve, a retirada do pedido de prisão da Presidente da APP-Sindicato – apesar da manutenção das multas, e a renúncia ao direito de interpor recursos à decisão sobre a ilegalidade da greve de ambas as partes (Governo do Paraná e APP-Sindicato).
A partir do fim da greve iniciam-se uma série de punições aos professores grevistas, como os descontos nos salários de quase 20 mil professores. Uma professora que preferiu não se identificar – assim como os demais professores entrevistados para esta matéria-, teve dois descontos em meses seguidos – Junho e Julho – o primeiro no valor de R$147,55 e o segundo no valor de R$ 501,68, totalizando R$ 649,23 para três dias em greve, mediante um salário base de R$ 3.536,44. Outro professor teve descontos de R$ 317,77 para o mês de Junho e de R$ 316,47, totalizando R$ 633,94 na somatória total para 2 dias em greve – para um salário base de R$ 2.344,00.
Com objetivo de responder às várias dúvidas suscitadas pelo inquérito aberto à pedido do presidente da Alep, Ademar Traiano, enviamos perguntas para a Assembleia Legislativa do Paraná e não obtivemos nenhuma resposta.
O Parágrafo 2 enviou perguntas também para a Secretaria de Estado da Educação do Paraná sobre os critérios utilizados para os descontos salariais dos professores mencionados. Silêncio.
Silêncio também por parte da APP-Sindicato, que não respondeu aos questionamentos.
Aviso de Edição: O texto foi editado às 12h00 do dia 21/08/2024 para inserção de informações enviadas pela Assessoria de Imprensa da Polícia Civil do Paraná após a publicação desta reportagem.
Antes que você saia: Apoie o jornalismo independente. Assine a campanha de financiamento coletivo do Parágrafo 2 e nos ajude a expandir a cobertura de temas ligados aos direitos humanos, moradia, imigrantes, povos indígenas, política, cultura, entre outros: https://www.catarse.me/paragrafo2
Você pode participar também da comunidade do Parágrafo 2 no WhatsApp e receber em primeira mão reportagens sobre direitos dos povos indígenas, imigrantes, liberdade religiosa, política, cultura…
É só clicar nesse link: https://chat.whatsapp.com/FoILCvfG2VW65lJZ4zWGOz