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A rosa sempre a rosa

Abriu a porta. Sentou na primeira carteira da segunda fila da esquerda para a direita do observador. Disse “oi” a um ou outro com um sorriso e compenetrou a prestar atenção na aula. Um casaco longo com fivelas nos ombros e calça legging delineando o corpo, ambos pretos, bota marrom à meia altura da canela, sobressaindo às mangas uma blusa de cor clara.

Esguia, olhar ávido, cabelos enrolados, franzido um cacho doce, solto do coque, recaía levemente sobre o rosto com pouca ou quase nenhuma maquiagem. A mente fértil descreve o momento: badalaram os sinos, tapete vermelho, flores, o padre no altar, solteiras chorando, as mãos irrequietas e por fim a trilha em dó maior. Cena de cinema.

Dentro do mesmo time, a distância recorre a cinco carteiras à frente e as palavras são as mesmas um “olá”, “bem”, “como vai”, “até logo”, “tchau” e também um olhar que cruza e vai timidamente, que flerta e não esconde o que deveria falar. Quem sabe desta vez “ah! Se soubesse não saia de casa, não me distraía, mas acontece que sorri para ti, aí foi o meu fim lari larara….” Na pura verdade é apenas um olhar subjetivo, mas confesso que me sinto tentado apenas pela cobiça de ter.

Ela é afirmativa balança a cabeça quando concorda.  Se não gosta logo muda o sorriso fácil para uma expressão de reprovação nítida que até o leigo e desavisado recolheria a língua. Porém, na enorme parte do tempo, bela. Assumiu as madeixas encaracoladas e curtas após a adolescência, floriu. Mulher balzaquiana, segundo a sua irmã, tem alimentação balanceada não come carne é contra filé, dança, samba, lê, escreve, viaja, talvez goste do mar. Aquariana, atrativa e misteriosa, descende de Atena, Helena, Perséfone, italianos, espanhóis, nativamente brasileira uma mistura que parece ser várias mulheres numa só. Tudo nela tem e nada está contido.

Há uma definição para o escritor, poeta e músico: musa – aquela que nos inspira a fazer coisas belas. A viúva da praia, a garota do dia de sol que passou por Ipanema, ao crônico a rosa presa no cabelo.

No entanto, remetendo a realidade o casamento seria bonito numa praia ou jardim, dividiríamos alguns momentos como café da manhã, férias, casa da sogra, filhos, reclame de poucos defeitos, mas releve todos neste momento feliz. E as crises e tensões de final de mês?  São passageiras. A toalha molhada em cima da cama, o olhar distraído para outra “não, eu não olhei para bunda dela”, sem falar nos questionamentos “você vai de novo para o futebol?”, “domingo vamos à casa da minha mãe, ok?”, todo o casal tem as suas diferenças não é mesmo? Seria até divertido.

As brigas “não, não vou dar o braço a torcer vou para o futebol e tomar aquela gelada” ela dirá docemente “bêbado de novo?”. A TPM, sete dias de altos e baixos, “você não me ama mais”, entretanto, ainda será belo como seu sorriso. Cobranças pelo tamanho da sua barriga, divórcio, guarda dos filhos… Pensando bem. Bate o sinal, fecho o caderno, talvez amanhã.

Ela é um coração partido. Também é tímida, poucas são às vezes que escuto sua voz na sala e dificilmente diria o que sente, acho que faz parte do orgulho feminino o homem tem que tomar atitude, sempre. Ou pior, não corresponde, porque tem compromisso ou, ainda, às garotas gostam da liberdade, essa coisa piegas como relacionamento caiu por terra no século XXI, parece não importar se vão ficar sozinhas, mesmo que no íntimo a vontade seja entrar na igreja de véu e grinalda.

No ônibus remoendo as ideias. Os carros passam pela janela, para no ponto sobe mais um desce mais um, o itinerário às vezes atrasa, adianta, não chega na hora. Quem sabe ela vive a recriar a vida na espera de alguém que caiba no seu sapato que não lhe aperte o calo, de toda ilusão, a felicidade pode ser desejo. Talvez espere no ponto como qualquer um, tem dias de sol e dias de chuva, deseja o céu, mas clama o pecado.

Estava bonita, é bonita! Vem ao encontro dos meus olhos provocarem, tirar o sossego, levar a minha paz, ah! Se ela soubesse. Coragem? Falte-me um pouco. Medo? Inimigo do êxito.

Como deve ser o seu beijo? Crescente, as dúvidas tomam conta da noite. Na cama reviro de um lado para outro uma mistura de angústia com insatisfação, prato saboroso para a insônia, palpita o coração até chegar à boca volta ao estômago e deixa um vazio. Esta é a sensação quando se vai entra pela porta da frente sai pela porta de trás, sorrateira. Madrugada a dentro sinto falta do corpo que nunca tive, seria saborosa sua presença.

Nossos encontros regidos pelo acaso cotidiano de quando ela cruza pelo batente da porta é o momento que perfaz o dia, que se encerra sem o happy end. Sem espaço disponível para a vaga paixão, admiração, vicioso, não alimentada, platônico.  Olha para trás, sorri e desperdiça segundos que são apenas estes poucos que tenho para completar com toda a atenção, não deve ser para cá.

Entenda que neste momento o amor é uma formula matemática inexata em que a felicidade é igual ao número de possibilidades reais um mais as variáveis (Ex.: loiras, ruivas, outras morenas e etc.) multiplicadas por zero, que o resultado deve ser a soma de um mais um, que por sua vez, é igual a dois, divididos pela constante de unicidade e complemento, dois. Em resumo, a felicidade é a soma de um mais um, equação simples. Até demais.

Amanhece. Correm as horas, na mesma sala, com os olhos fixos na porta, será que ela vem?

About Mario Luiz Costa Junior

Jornalista e Músico, integrante colaborador do Parágrafo 2. Cronista urbano e repórter de cultura e sociedade, tem como referência os textos literários e jornalísticos de Gabriel Garcia Márquez e Nelson Rodrigues, da lírica de Cartola e da confluência de outras artes, como o cinema, no retrato do cotidiano no enfoque da notícia. Acredita que viver é um ato resiliente no caminho de pedra para a luz.