Alunos paranaenses mostram que estão longe de seguir a cartilha do conservadorismo e ocupam mais de 800 escolas no estado
por José Pires e Everton Mossato
Depois do portão de cada colégio, a alguns metros da entrada, uma carteira é disposta. Nela há uma ficha que controla a entrada e a saída, além de uma lista de todos os presentes, cujo o nome e o telefone dos pais são anotados na mesma linha. Na manhã da quinta feira há no ar um cheiro de café, misturado ao do pão de queijo que acaba de ir ao forno. Uma sala de aula é usada como dormitório feminino e outra como o masculino. Nem todos estão de pé, pois muitos demoraram a dormir fazendo a ronda para garantir que o colégio permaneça intacto, sem vandalismo, ataques ou roubos. Entre os acordados dois jovens carregam copos, talheres e lavam parte da louça usada na noite passada. A dupla é responsável pelo café da manhã dos dezenas de alunos que se revezam na ocupação do Colégio Estadual Helena Kolody, no município de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. Quase todos os colégios da cidade estão ocupados, a exemplo dos demais municípios do estado que juntos somam mais de 800 escolas, 13 universidades e três Núcleos de Educação, no país mais de mil escolas estão ocupadas.
Nas paredes do pátio principal os cartazes dão o tom da ocupação. “Lista de tarefas diárias” diz um, “Nós somos a luz da alvorada, não desistiremos por nada” ressalta outro, “atenção às regras da ocupação” alerta um terceiro. No mesmo local panelas e pratos limpos, cuidadosamente dispostos sobre uma mesa, tem como vizinhos alguns livros e três violões. A ocupação começou há mais de dez dias e o que se vê entre os alunos é um senso comunitário, uma união que fortalece o movimento que luta contra o Medida Provisória 746 que propõe profundas mudanças no ensino médio e a Proposta de Emenda Constitucional 241, que limita os gastos públicos ao teto da inflação.
Arroz, feijão, macarrão, café, açúcar, sal. Na dispensa os alimentos trazidos de casa pelos estudantes e também vindos de doações feitas pela comunidade, mostram que o local oferece condições para uma ocupação longa. No pátio externo, recém varrido, alunos conversam sobre os rumos que o movimento vem tomando. Entre eles está Bruna, estudante do 2º ano do ensino médio, que considera a ocupação um divisor de águas na vida de muitos jovens. “Acredito que estamos fazendo história aqui, ou melhor, que estamos evitando que uma história ruim se concretize em nosso país, que uma história que pode desmontar nossa educação vire realidade”, destaca se referindo às medidas propostas pelo governo Temer.
No bairro Paloma, ainda em Colombo, fica o Colégio Estadual Luiz Sebastião Baldo. Nele dezenas de alunos também fazem uma ocupação. Uma faixa na frente do colégio revela o engajamento que tomou conta de boa parte dos estudantes do ensino médio do Paraná: “jogaram mentos na geração Coca Cola”, alerta a faixa vermelha. Thaina e Sara, ambas estudantes do ensino médio, se mostram conscientes quanto a possíveis conflitos caso haja uma ordem de reintegração de posse do local a ser executada pela Policia Militar. “Prezamos pelo bem estar dos alunos, queremos fazer tudo da melhor maneira possível. Se houver um pedido de reintegração deixaremos o colégio de maneira pacífica, mas depois voltamos e o ocupamos de novo”, dizem.
Oficinas
A rotina nos colégios ocupados é marcada pela organização e manutenção do local, com regras rígidas descritas em cartazes fixados nas paredes. Os estudantes também passam o tempo em grupos de estudos e recebem palestras e oficinas de profissionais de diversas áreas. “Recebemos palestras com professores aqui do colégio, com professores de fora e com profissionais que vêm passar um pouco de conhecimento de diversas áreas”, diz Thaina.
Duas pequenas mãos picam cebola sobre a pia da cozinha. Em uma bacia ao lado estão pedaços de frango e o arroz acaba de ser levado à maior boca do fogão industrial no Colégios Estadual João Gueno, no bairro São Dimas em Colombo. A refeição, que vai alimentar quase 20 estudantes, é feita por eles em parceria com um dos professores. Assim como nas demais ocupações tudo é sistematicamente limpo e organizado. Não há sujeira, vandalismo, nem ociosidade, todos ajudam de alguma maneira, com exceção de Itaipava, uma vira latas que faz companhia para os estudantes da ocupação.
O Gueno é um colégio pequeno, talvez um dos menores de Colombo. Nele não há quadras de esportes e os estudantes precisam sair do colégio e caminhar mais de 50 metros se quiserem jogar futebol durante as aulas de educação física. A saída muitas vezes não acontece, pois quando chove é impossível fazer a bola correr sobre as imensas poças de água que se formam no campo. Se falta estrutura, sobra respeito mútuo e o desejo de derrubar, além da MP e da Pec, velhos estereótipos. “Aqui os meninos ficam na limpeza e as alunas na segurança. Todos ajudam e ninguém reclama se é trabalho de menina ou de menino, aqui todos somos iguais”, diz a estudante Natali, uma das presenças mais constantes da ocupação.
“Pessoas pensantes fazem Temer”
Enquanto o professor anunciava a prova para próxima semana alguns alunos sorriam furtivamente. Nunca vi isso, aluno ficar feliz com prova. E não ficam mesmo. Os sorrisos eram pela certeza de que a prova não aconteceria. Era noite de quinta-feira, dia 6 de outubro de 2016. A adrenalina corria solta pelos corpos adolescentes de um grupo de estudantes do CEP (Colégio Estadual do Paraná). Eles assistiam as aulas tentando levar aquele dia como mais um dia normal do ano letivo. Mas a verdade é que sabiam que em algumas horas eles dariam a voz de ocupação, passariam as correntes nos portões e ganhariam as manchetes de todo país ao lado de milhares de outros estudantes do estado.
A adesão de seus alunos ao movimento de ocupação das escolas foi fundamental. “Acredito que nós estimulamos outras escolas serem ocupadas”, diz uma aluna. “Nós somos a maior escola do estado. É simbólico ocupar aqui”, complementa. Atualmente são mais de 800 escolas ocupadas no Paraná.
Habitar as dependências do CEP é uma utopia se comparado às demais escolas do estado, sobretudo as das periferias. “Aqui a gente tem estrutura. Temos banho quente. É bem diferente da ocupação em uma escola de bairro”, informa outra aluna. Porém todo o movimento se beneficia desta estrutura favorável. O CEP virou uma central de abastecimento do movimento Ocupa. O Estadual arrecada (as maiores doações vem da comunidade vizinha da escola) e distribui alimentos, material de limpeza e colchões para as demais escolas ocupadas de Curitiba. Além disso, a agenda de atividades do CEP é extensa. Oficinas, aulas e palestras são realizadas diariamente, sempre abertas ao público.
Massa de manobra?
“Esses alunos estão sendo manipulados”, “Duvido que eles fizeram isso sozinhos”, “Tem alguém por trás disso”. Esse tipo de comentário, que infelizmente é mais comum do que se imagina, soam mais falsos do que as promessas do Sr. Calos Alberto para os professores e demais servidores do estado. Segundo o comando da ocupação do Colégio Estadual do Paraná, o movimento surgir no grêmio da escola. A ajuda externa veio apenas da Antifa (Ação Antifascista Curitiba), que forneceram um rápido treinamento aos alunos no que diz respeito às questões de segurança.
Uma membro do núcleo de comunicação da ocupação do CEP é categórica ao refutar tais ideias. “Não tem ninguém por trás da gente. Não estamos falando com os partidos, justamente para evitar que pensem que somos massa de manobra”. As pautas de ocupação são a MP (Medida Provisória 746/2016) da educação e a PEC (Projeto de emenda constituição Nº 241/2016, a PEC da maldade). Com relação à presença do sindicato dos professores, atualmente com greve deflagrada, os alunos afirmam que existe apenas uma solidariedade mútua. O protagonismo é dos alunos. Não há influência direta nem de partidos nem de professores.
MÍDIA GOLPISTA
Após a publicação de matérias que distorceram a realidade do movimento, o CEP praticamente não tem falado com a grande mídia. E quando o faz, impõe certas condições. “Houve um caso de mau uso de imagens feitas aqui dentro. Por isso pedimos para não filmar e também não mostrar o rosto de alunos nas fotos, pois a maioria aqui é menor de idade”. As duas alunas que receberam a reportagem do Paragráfo 2 no terceiro dia da ocupação falaram sobre a distorção promovida pela mídia num caso de pichação no colégio. “Alguém entrou aqui e pixou um dos muros. Não era gente da ocupação. Aí duas meninas foram lá e começaram a limpar o muro. Tiraram uma foto deste momento e publicaram como se elas estivessem pixando”. Segunda as alunas nem se deram ao trabalho de entrevistar alguém do colégio antes de publicar a matéria.
O movimento do CEP é esclarecido e cuidadoso com a imagem negativa que alguns setores da sociedade buscam formar, com relação às ocupações. “Aqui é prédio tombado do patrimônio histórico. Não podemos fazer nada. Por isso aqui não fizemos nem a pintura das paredes, como se viu em outras escolas”. Os alunos se limitam a manter o prédio limpo. Há um grupo dedicado às faxinas, assim como outros para segurança e comunicação, por exemplo.
Era feriado do dia das crianças. Escola em greve, escola ocupada e ainda no feriado. O que esperar? Uma escola vazia. Mas não foi isso que encontramos ao adentrar tranquilamente, pelo escancarado portão do estacionamento, ao Colégio Estadual do Paraná. Ali dois seguranças de empresa terceirizada faziam o controle dos carros no estacionamento apenas. Na entrada principal, um tapume trazia inúmeros cartazes de protesto. O escrito “Globo golpista” me chamou atenção pelo belo desenho da logo da emissora. Já dentro do prédio alguns alunos batiam papo na recepção. E dentro do prédio, no balcão de atendimento, uma aluna fez o primeiro contato comigo. Deixei meu nome numa lista e informei a que tinha vindo. Fui anunciado e logo uma integrante do núcleo de comunicação e outra voluntária fez o tour comigo pelo maio colégio do estado. Vi alguns alunos tocando violão no pátio. Uma oficia de teatro no ginásio coberto, um grupo de alunos sentados em roda conversando sobre política e outro grupo ao lado de grandes panelas de comida. O ambiente estava limpo. Talvez até mais do que em dias normais do ano letivo. Fui informado devido ao feriado não havia muita gente. Mas que normalmente 80 pessoas dormem no colégio, inclusive pais de alunos. Durante o dia nas oficinas, aulas e demais atividade, o movimento é bem intenso. Após uma hora de passeio, ou até menos, eu volto para o conforto do meu lar e a passividade dos meus afazeres. Escrevo este texto sabendo que daqui uns dias fará um mês de ocupação às escolas e que devo respeito a estes jovens que se propuseram a fazer história.
A MP 746
A Reforma do Ensino Médio (Medida Provisória nº 746), foi proposta realizada em 22 de setembro de 2016 pelo presidente Michel Temer e o ministro da educação Mendonça Filho. A atual MP foi gestada em gabinete e construída a poucas mãos, desconsiderou o Plano Nacional de Educação, que foi construído com amplo debate e participação da sociedade nas Conferências de Educação que foram realizadas por todo este País. O PNE tem metas a serem cumpridas com objetivos bem definidos para o Ensino Médio.
Segundo a APP Sindicato “a reforma empobrece o ensino médio, quando propõe novamente a dicotomia entre uma formação geral humanística e de outro lado uma formação profissional, trazendo de volta as propostas do governo FHC. Em nossa compreensão, esses dois aspectos não podem ser separados e sim integrados de forma harmoniosa. Neste aspecto, a reforma do MEC tem um objetivo central – reduzir a aprendizagem dos estudantes aos desejos do mercado e fomentar a privatização das escolas e a terceirização de seus profissionais”. O Sindicato dos professores do Paraná ressalta ainda que “Outra intenção da reforma é reduzir o conhecimento obrigatório dos estudantes do ensino médio público à língua portuguesa e matemática –únicas disciplinas a serem ministradas obrigatoriamente nos três anos do ensino médio–, a fim de melhorar as notas nos testes de acordo aos padrões nacionais e internacionais, e ainda, fomentar a formação de mão de obra barata e a ausência de um pensamento crítico na escola. O ensino de Artes e Educação Física será obrigatório no currículo apenas na educação infantil e básica, porém sua prática é facultativa ao aluno/a.
Com relação à expansão da carga horária, o PNE já dispõe de meta que trata do aumento progressivo da carga horária na educação básica de forma articulada entre os demais níveis de ensino. A MP não especifica de que forma a ampliação da carga horária será feita, assim como, possibilita a retirada de disciplinas que contribuem na formação cidadã como artes, educação física, filosofia e sociologia. Não se trata apenas de retirar ou incluir disciplinas, mas de garantir e ampliar procedimentos interdisciplinares e de relevância para a formação integral dos/as jovens”.
Para o professor Osni Gustavo Fagundes a reforma é o primeiro passo para a privatização do ensino público no Brasil. “Essa medida é feita para fortalecer o Sistema ‘S’, que é composto Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Serviço Social do Comércio (Sesc) e o Serviço Social da Indústria (Sesi). Essa reforma vai atender a iniciativa privada, e a prova disso é que logo depois da votação os cursos do Sistema S já estavam enquadrados nas normas da reforma, ou seja, isso já estava pronto. Assim, a ideia é iniciar uma privatização no ensino público do país”, conclui o professor.