Opinião
José Pires
Kailane Campos tem 11 anos, mora na Vila da Penha no Rio de Janeiro e, no último domingo (14), foi vítima de um cruel ato de intolerância religiosa. A menina, que é candomblecista, saía do terreiro na companhia da avó, que é Mãe de Santo, e de outros frequentadores da Casa de Candomblé, quando levou uma pedrada na cabeça de dois sujeitos, que segundo as testemunhas, são membros de uma igreja evangélica da região.
O lenço que envolvia a cabeça de Kailane, branco, assim como o restante das roupas usadas pelo grupo, ficou vermelho por conta do sangue que jorrava do corte. Na jovem, a maior marca não será o ferimento, mas sim o medo e a indagação de o porquê de tamanha covardia.
Segundo as pessoas que presenciaram a violência, os dois homens, cada um carregando uma bíblia, gritavam que Jesus estava voltando e que o grupo queimaria no inferno.
Há mais de dois mil anos, segundo os relatos bíblicos, Jesus Cristo caminhou pela terra e seus ensinamentos (basta ler os Evangelhos para perceber) tinham como pilares básicos a tolerância, o amor ao próximo e o perdão. Assim, fica uma pergunta: O que diria Cristo ao saber que dois sujeitos, que se dizem seus seguidores, agindo em seu nome apedrejam um grupo de pessoas ?
Talvez, essa passagem bíblica, possa responder:
João 8:1-11: Jesus, porém, foi para o monte das Oliveiras. Ao amanhecer ele apareceu novamente no templo, onde todo o povo se reuniu ao seu redor, e ele se assentou para ensiná-lo. Os mestres da lei e os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério. Fizeram-na ficar em pé diante de todos e disseram a Jesus: ‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? ‘ Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: ‘Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela’. Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão. Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando com os mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele. Então Jesus pôs-se de pé e perguntou-lhe: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? ’ ‘Ninguém, Senhor’, disse ela. Declarou Jesus: ‘Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado”.
Imagino a cena, o silêncio dos acusadores, a falta de argumentos diante de tal declaração.
Longe de ter cometido algum pecado, a pequena Kailane apenas expressava sua fé por meio de uma religião de origem africana quando apedrejadores, que parecem ter saído dessa passagem bíblica, atacaram o grupo ferindo a menina.
Infelizmente, o episódio do último domingo, mostra que dois mil anos depois, os apedrejamentos continuam, não somente por meio de evangélicos, pois sabemos que há intolerantes em qualquer religião, mas, no Brasil, especialmente de evangélicos contra umbandistas e candomblecistas. Assim, outra pergunta surge: Quando foi que os pastores elegeram uma religião de matriz africana como a representante de “forças satânicas aqui na terra”?
Porque os principais ensinamentos de Cristo, personagem tão venerado por eles, não são levados em conta? Afinal, segundo os Evangelhos, Jesus teria pregado esses preceitos :
– Amará teu próximo como a ti mesmo
– Rezai por teus inimigos
– Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda.
Portanto, os homens que agrediram Kailane estavam defendo qualquer outra ideologia, menos a de Cristo.
O caso de Kailane não é o primeiro e está muito longe de ser o último. Em vigor desde 5 de janeiro de 1989, a lei nº 7.716 considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões no país. Porém, fiéis do candomblé e da umbanda – que somavam quase 600 mil pessoas no Censo de 2010 – são os mais atacados no Brasil. De janeiro a 11 de julho deste ano, eles foram vítimas em 22 das 53 denúncias de intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, segundo levantamento feito a pedido do jornal O Globo. Em 2013, foram 21 registros feitos por adeptos de religiões afro-brasileiras, em um total de 114. Mas o segmento também foi o que somou mais agredidos nesse ano.
Somados à ignorância de alguns evangélicos, e não são todos, pois conheço muitos de alma branda, há uma incitação de ódio promovido na Câmara Federal por deputados como o Pastor Marcos Feliciano que, em uma de suas muitas pregações em igrejas evangélicas, disse: “Profetizo o sepultamento dos pais de santo! ”.
A Bancada Evangélica no Congresso que muito se revoltou quando uma transexual saiu na Parada LGBT de São Paulo pendurada em uma cruz, nada disse a respeito da violência contra a menina Kailane.
Portanto, fica a pergunta: O que diria o homem que pregou o amor e a paz diante de tais quadros infelizes?
Talvez essa outra passagem bíblica responda:
“Então lhes declararei: Nunca os conheci. Afastai-vos da minha presença, vós que praticais o mal”.