Tem se levantado uma polêmica ultimamente em relação às atuais atividades politiqueiras do atual prefeito da cidade de São Paulo, João Dória, e seu programa “Cidade Limpa” que visa deixar a capital paulista mais… esteticamente aceita pela maior parte da classe média e elite paulistana. Não é de se admirar o desprezo de Dória pela expressão periférica, uma vez que é acostumado à galerias de arte particulares, criado rodeado por Portinaris e Picassos e cujo único contato pessoal com os reles mortais da periferia são provavelmente seus serviçais. Dória apresenta uma visão simplista e cega do que é o pixo, mostrando que não consegue compreender a subjetividade das identidades periféricas da cidade que administra.
Contudo, é interessante explicitar que, por mais que boa parte da população (paulista e brasileira) não esteja de acordo com muitas visões e atitudes do prefeito, grande parte se aparelha a ele ao também não considerar pixo como arte e ceder apoio aos apagamentos dos muros pixados que “poderiam ser trocados por grafitis”. Importante compreender que apenas no Brasil e alguns países da América latina se faz essa distinção entre pixação e grafiti. Na Europa, por exemplo, tudo é considerado parte do mesmo corpo, o grafiti, mas quando nos focamos especificamente no cenário urbano paulistano e nessa dicotomia arte/não-arte do pixo, caímos numa discussão muito mais complexa que apenas estética.
Associada diretamente ao crime e ao vandalismo, o pixo é visto com maus olhos por aqueles que não vivem a realidade periférica. O pixo, mais que uma expressão, tece uma rede de sociabilidade, apropriação dos espaços urbanos e reconhecimento que eles estabelecem de suas próprias identidades. O pixo é composto em sua massiva maioria por homens, jovens entre 13 e 25 anos, pobres e moradores de bairros periféricos de São Paulo. O pixo estabelece relações entre pixadores, seja de competição, demarcação de territórios, desbravamento dos espaços urbanos ou de feitos (quanto mais alta a pixação, maior o reconhecimento do pixador no seu meio).
O pixo não é Arte. A Arte é sublime, pertence ao Olimpo social cuja população periférica não possui ticket de entrada. O pixo é uma contra-arte, contra-estética, contra-cosmética social, não é feito para ser agradável. A assinatura do pixador no ponto mais alto da cidade demarca uma subjetividade, uma identidade a quem está acostumado a ser número, mera estatística. O pixo invade, se impõe, ele não é feito para ser estético ou bem quisto, se o for perde o propósito. A pixação é um grito de resistência, de existência. É uma luta pessoal do pixador e de seu grupo contra o apagamento social cotidiano de sua classe, de sua cor.
Por se dizer que a pixação seja uma expressão, é possível que digam que se trata de uma imposição do ego do pixador, mero agrado narcísico. Pois bem, e a Arte da alta cultura também não o é? Grande parte dos grandes artistas da História não dedicaram suas vidas ao autorretrato, a uma eternização da própria existência, de uma estetização da própria face? A que se dedicou Rembrandt, Frida Khalo, Van Gogh? O pixador, porém, diferente desses, não é convidado à Galeria, sua obra, seu nome, sua grafia não interessa à alta cultura de olhos refinados por leituras de páginas e páginas de livros de História da Arte. A pixação é um rasgo na fina seda dessa sebocidade hipócrita que são as normas sociais elevadas, é uma incômoda mancha de vinho barato na camiseta branca Giorgio Armani de João Dória e amigos.
A “feiura” do pixo denuncia o abandono de toda uma casta marginalizada que enfrenta todo santo dia o apagamento com tinta branca dos dirigentes engravatados, eles pintam de preto os espaços de um Estado que os pinta de vermelho todos os dias. Neste cenário, quanto tempo dura o muro para inglês ver, que é pura aparência sórdida de uma realidade dura, feia, cinza e incômoda… como o pixo? O pixo não é arte e não é para ser, é um reflexo de uma sistema desigual e não importa o quanto de tinta se gaste, vai continuar existindo independente de nossas opiniões.
“A gente pixa, você pinta. Vamos ver quem tem mais tinta?”