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A pequena história

Por Mário Costa

Estava fazendo muita coisa, academia, saía poucas vezes pra curtir uma banda ou outra, procurava não me envolver muito, na verdade, fazia meses que não me relacionava com alguém. Até que conheci a Cibele. Ela usa umas roupas coloridas, bonitona, fala em português com sotaque londrino, escuta jazz, blues, tem o Murray (um cachorrinho), tem histórias incríveis sobre a vida…. É uma artista em tempo integral. A conheci quando fazia aulas de inglês no Sesc Paço da Liberdade e a música dela me encantou. Ficamos amigos. A gente sentava no sofá da sua casa e falávamos sobre relacionamentos, amor, espírito, vida, talento, dedicação, sobre tudo que desse na telha, caminhávamos com o Murray pela Praça do homem Nu ou da Mulher Nua, falávamos de nossos problemas, mas tudo tinha um bom humor.

Na sexta-feira, 29/04, idealizávamos como deveria ser uma companheira  ou companheiro pra ficar conosco, interrompi e disse “quero uma menina bonita, carinhosa, esforçada, inteligente”… Cibele retrucou “você tem que falar para o universo”, repeti as palavras meio sem certeza, meio sem fé, mas disse. Ergui as mãos para cima tentando alcançar o teto e encaminhar o pedido, enderecei para o tal universo na espera do presente. Naquela noite resolvi sair tomar uma cerveja e escutar música, talvez, até dançar. Apesar das conversas com a Cibele serem extensas e proveitosas aquele dia parece que tinha um bicho comichão em mim e parecia também estar tarde perto da meia-noite. Tinha um show legal da banda Charles Racional, a galera tem um groove toca Tim Maia, Jorge Ben, Novos Baianos, os caras são legais. Recordo de dizer tchau apressado, pegar o carro e ir.

Cheguei voando, entrei no bar e nem tinha começado. Peguei uma cerveja fui num cantinho e fiquei ali, quietinho, escutando o som, tomando uma cerveja, na espera do tempo passar. Incrível como num espaço vazio às pessoas se esbarram. Passou por mim uma ruiva, bonita, alta, cantora lírica, desbocada, mas gente boa, muito gente boa, a nossa madrinha quem sabe um dia…. Toda mulherão, vestido preto, falamos sobre signos “Peixes?”, “e você?”, “Escorpião”, “ah tá beleza, Doutora? “Advogada?”, “Doutora”, “mesmo?! que honra”. Fumava aquele cigarro de forma sensual descansando sobre seus lábios, chamava ela de Adele (a cantora mesmo), parecia uma Diva, mas não rolou nada achei ela muito alta e comparei até de ombrinho lado a lado.

Gosto de dançar porque sou tímido e atropelo as palavras antes mesmo de construir uma ideia que valha de algo, ou, antes de encantar qualquer pessoa. Mas, tinha outra menina. Estabanada que só ela, comilona igual à Magali, briguentinha, um doce, carinhosa, esforçada, indigenista, o meu amor. Bateu em mim uma, duas, três, até….  Na verdade, ela não concorda com esta história e diz que eu só falava, no entanto, acredito que foi assim, só sei que foi assim, né Chicó!  Só de vingança chamei-a pra dançar e bateu mais forte ainda, segundo o Chico Buarque por uma questão simples “Porque era ela, porque era eu”.

Você acredita em destino? Eu tenho minhas dúvidas. Ela era amiga da ruiva, acredita? As duas fumando juntas e ela com frio pus minha blusa sobre seus ombros, porém, meu amigo só exclamava “vamos embora! vamos embora! Estas meninas ai não vão dar em nada, vamos no Gato Preto comer uma costela, eu pago”, parecia quase um milagre, porém, nunca me pagou uma costela, até hoje. Mas, o destino, o tal do universo, ela escutou e foi junto. Dançamos uma música brega daqueles vanerão típico de zona, nos divertimos, demos risada, comeu uma costela inteira sozinha, acredita?! O beijo, demorou um porquinho para acontecer, mas foi bom. Depois eu a levei pra casa.

Anotei o telefone dela num papel bem no bloqueio do Whattsapp e pensei “punk, vou ter que ligar, não creio, deixa pra lá”, mas mandei uma mensagem “que bom ficar com vc, me fez bem, mimimi, blábláblá” tinha um erros horríveis de português, maldita ansiedade, demorou uns quatro dias para responder, foi simpática, cheia de ideias e assim que o Whats voltou lá estava ela gritando para o mar, colocando pra fora todo o ar de vida, a foto dela era muito parecida com a do meu irmão, aquele por do sol e tal, Taurinos, vai entendê-los.

A Cibele me chamou pra tocar no show dela, nem acreditei, tremia igual vara verde, daí convida um amigo, convida outro e ninguém vai e ninguém vai e uma hora você desiste de chamar. Mas, ela foi. Sério nem pensei que gostava destas músicas ainda mais de Jazz ou Blues, mas ela gostava de axé, pois é, eu sei meu amigo: ninguém é perfeito.

Ali no Sesc Paço da Liberdade, palco do show, tem uma floricultura na frente, desci peguei cinco botões de rosa e pus na cabeça do violão, um no paletó e dei um a Cibele. No camarim nem imaginava que ela estava lá, apenas tremia, nunca me apresentei assim para uma plateia diferente, apenas pra amigos e coisas que como artista, deixo muito a desejar pela preguiça. Mas assim que cheguei ao palco meus olhos procuravam os cabelos pretos e seu sorriso, lá estava de calça roxa, sapato de bruxinha e um casaco preto.

Toquei e assim que sai do palco sentei ao seu lado, foi o melhor beijo que já ganhei, tirei a rosa do paletó e dei pra ela. O amor é uma coisa boa, mas a gente demora a admitir que ama, entender que ama, antes de brigar muito, de perder quase tudo, mas é ali que a gente se refugia e, distante neste momento, algo diz que ele ainda existe, mesmo que apenas numa pequena história.

 

 

About Mario Luiz Costa Junior

Jornalista e Músico, integrante colaborador do Parágrafo 2. Cronista urbano e repórter de cultura e sociedade, tem como referência os textos literários e jornalísticos de Gabriel Garcia Márquez e Nelson Rodrigues, da lírica de Cartola e da confluência de outras artes, como o cinema, no retrato do cotidiano no enfoque da notícia. Acredita que viver é um ato resiliente no caminho de pedra para a luz.